"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sábado, 26 de dezembro de 2009

Cotas Raciais: é essa a solução?

Dada a enorme iniqüidade do sistema escolar brasileiro, que afeta as crianças e jovens de baixa renda e, com ainda maior gravidade, a população negra, são indispensáveis políticas compensatórias que promovam uma distribuição mais eqüitativa do capital escolar. A proposta de cotas para ingresso nas universidades públicas, entretanto, é uma medida desaconselhável por diversas razões. Precisamos reconhecer que os exames vestibulares, ao contrário do mercado de trabalho, não discriminam os candidatos por origem étnica, gênero, idade ou deficiência física. As provas são corrigidas por computador (com exceção da dissertativa) e sempre anonimamente. O vestibular discrimina, sim, por qualidade da formação escolar anterior. Dessa forma, a razão pela qual poucos negros e pobres ingressam na universidade reside no fato de que a formação que receberam no ensino fundamental público foi insuficiente para superar as dificuldades associadas à pobreza. Há uma forte relação (no mundo todo) entre níveis de renda e de escolarização. Isso não quer dizer que só os ricos ingressem na universidade: a maior parte dos estudantes universitários provém das camadas médias e médias-baixas. São os níveis mais baixos de renda os prejudicados. É fácil entender por que isso ocorre e a sua correlação ao nível de escolaridade dos pais. Filhos de pais analfabetos ou que mal completaram a 4.ª série, e de origem rural recente, ocupam as posições mais mal remuneradas do mercado de trabalho e constituem a maior parte das camadas mais pobres da população. Os filhos desses pais vivem num ambiente cultural muito limitado, em cujas casas não existem livros, jornais, revistas, papel para desenhar, lápis de cor, isto é, num ambiente não letrado. O ajustamento à escola, especialmente para aqueles que não freqüentaram o ensino infantil, é penoso. A formação dos professores e a pedagogia utilizada na escola são inteiramente inadequadas para promover o ajustamento dessas crianças à realidade escolar. Exemplo disso é a prática de mandar os alunos fazer pesquisas, sem ensiná-los a tanto e sem fornecer-lhes o material adequado. Esse tipo de tarefa supõe que os estudantes terão o auxílio de membros da família e que, nas casas, haverá material relevante. Tarefas como essa apresentam dificuldades insuperáveis às crianças cujos pais não são escolarizados, condenando-as ao fracasso. Já o fracasso leva à discriminação por parte dos professores ou à omissão deles – essas crianças são deixadas de lado. Sem a atenção carinhosa do professor, sem o controle da discriminação, por parte dos coleguinhas brancos, da qual são vítimas os estudantes negros (muito mais comum do que se imagina), tal situação não será superada. Soma-se a isso a necessidade de as crianças trabalharem muito cedo para auxiliar no orçamento doméstico. Não admira que boa parte dessa população sequer complete o ensino fundamental, não tendo, assim, nem a possibilidade formal de fazer o ensino médio. A cota não servirá para esses casos, que constituem a grande maioria da população negra e pobre. Essas são as razões básicas pelas quais negros e pobres não conseguem competir com jovens brancos (ou mesmo negros) de classe média. Tentar resolver o problema não na base, na qual ele é criado, mas no ingresso na universidade, corresponde a oferecer uma aspirina parta à doença que grassa no sistema escolar – é combater o sintoma, e não tratar as suas causas. Há ainda outra questão: a escolarização é um processo cumulativo. Se a formação básica é deficiente, os alunos formam-se, no segundo grau, sem um conjunto de competências indispensáveis para cursar uma universidade: o domínio da linguagem falada e escrita, incluindo a capacidade de ler e entender textos complexos e utilizar conceitos, além de uma alfabetização científica e matemática razoável e o conhecimento mínimo da geografia política e econômica do mundo moderno, assim como da evolução histórica que criou a realidade presente. Por sua vez, a universidade não está equipada para suprir deficiências críticas no processo de escolarização básica – nem é sua essa tarefa. É verdade que a situação está melhorando, na medida em que se logrou, há pouco menos de dez anos, universalizar a educação fundamental, com o que aumentou substancialmente o número de jovens pobres e negros cursando o ensino médio. Embora lentamente, tem crescido o número de negros que consegue ingressar na universidade – em 2007, esse montante atingiu 16,9% do total de matrículas. Assim, a melhoria do ensino público é um objetivo inadiável, mas capaz de ser realizado só a médio prazo. Por isso mesmo, ações afirmativas para diminuir a desigualdade escolar são necessárias imediatamente. É preciso, em primeiro lugar, universalizar a prática de oferecer, aos alunos que apresentam déficit de aprendizagem, um acompanhamento especial que lhes permita igualar-se às demais crianças da sua faixa etária. No que toca ao ensino superior, uma ação afirmativa tão necessária quando viável é oferecer aos alunos com deficiências na sua formação anterior cursos especiais de complementação de estudos, de seis meses a um ano, ou seja, proporcionar cursos pré-vestibulares gratuitos, sempre que possível nas próprias universidades, aos candidatos de menor renda. Cumpre talvez lembrar que os alunos de classe média pagam cursinhos particulares para suprir essas mesmas deficiências e, na França, a maioria dos estudantes do ensino médio que almeja a universidade cursa um ano a mais do que os três regulamentares. Com isso contribuiríamos, e muito, para aumentar a possibilidade de acesso à universidade por parte de jovens pobres e negros, assegurando que recebam a preparação necessária para cursar o ensino superior.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Por que esperar para desarmar o Irã?

A contradição deve ser encarada por aqueles de nós que não gostam do nome "neoconservador", mas que gostariam que houvesse um termo para designar aqueles que são a favor de uma atitude mais ostensiva dos Estados Unidos em relação aos estados totalitários e agressivos. Essa contradição normalmente é expressa pelo desejo de enfatizar uma ameaça sem causar pânico. Há quem veja esse argumento do seu lado oposto. Recentemente, alguns perigosos regimes unipartidários ou totalitários na Sérvia e no Iraque causaram sérios problemas a seus vizinhos e tornaram-se um pesadelo para o seu "próprio" povo. Eles desprezaram todos os princípios de leis internacionais e ainda assim foram considerados por muitos comentaristas políticos como muito perigosos para serem confrontados. Basta pesquisar e você irá descobrir que aquelas pessoas contra o confronto com Slobodan Milosevic ou Saddam Hussein sempre enfatizavam a quantidade enorme de poder e potencial para violência que esses homens possuíam. Digamos que a OTAN tivesse bombardeado as bases sérvias em Sarajevo, isso iria causar uma reação monstruosa que causaria uma intervenção russa junto à Belgrado, ocasionando uma reação em cadeia pelos Bálcãs, lavando a região de sangue e guerra. Da mesma forma, uma investida militar contra Saddam Hussein iria incitá-lo a saturar nossas tropas com armas químicas, explodir campos de petróleo, destruir Israel, inflamar a "rua árabe" e depor todos os governos amigáveis do Oriente Médio. Aqueles que ousaram tentar se livrar desses governos ameaçadores foram bombardeados com argumentos que diziam no fundo que eles não são apenas uma ameaça comum, mas uma ameaça mortal, com exércitos invencíveis. Em outras palavras, a contradição é uma faca de dois gumes. Então, parabéns a David Ignatius do Washington Post por sua coluna de sexta-feira, na qual ele reproduz dados coletados por uma publicação desconhecida de nome Nucleonics Week. O artigo conta que pode haver motivos para se pensar que "o estoque de urânio não enriquecido do Irã - matéria prima das bombas nucleares - parece ter certas 'impurezas' que 'poderiam causar falhas nas centrífugas' se os iranianos tentassem transformá-lo em armas". Entre outras coisas, isso deve explicar porque o Irã está negociando enviar seu urânio não enriquecido para outros países, como França e Rússia, para que ele seja enriquecido. Esta jogada, claro, seria compatível com o programa "pacífico", se alguém ainda acredita que é isso que a Republica Islâmica realmente quer. A teocracia fez de seu país tão retrógrado que o tornou inclusive vulnerável a sanções ao petróleo refinado. Diferente da vizinha e secular Turquia, que quase não tem petróleo, mas está à beira da qualificação, pelo menos econômica, para entrar na União Européia, o Irã está atrasado financeiramente, como se o país tivesse sido tomado por sádicos medievais. Então não me surpreenderia em nada se o regime que não tem qualquer respeito pela ciência nem qualquer senso crítico tivesse de fato arruinado sua possibilidade de adquirir armamento moderno. Um sistema em que quase nada funciona, exceto pelas forçar armadas e a polícia, está fadado, como a Coréia do Norte, a produzir um míssil aqui outro lá e algumas armas nucleares de menor poderio. Mas esses mísseis e armas nucleares supostamente menores ainda podem causar um grande estrago em alguns dos países vizinhos, além de desmoralizar o Tratado de Não Proliferação Nuclear e suas leis e tratados equivalentes. Portanto, se for verdade que o Irã não está próximo de uma "grande descoberta" como alguns de nós temiam, não seria este o momento de fazermos nossas deliberações serem ouvidas? Não seria este o melhor momento de desarmar os mulás? Não esqueça que o Irã adquiriu grande parte de sua matéria prima no mercado negro, comprando através de atravessadores e outras formas de fraude, às escondidas do mundo. Isso significa que seria muito mais difícil repor essas matérias primas, devido ao monitoramento das Nações Unidas, da Agência de Energia Atômica e vários serviços de inteligência. Parece lógico, então, que qualquer ruptura ou deslocamento que haja em alguma das plantas Iranianas já pode causar um atraso em todo o programa por bastante tempo. Enquanto isso, o tic tac do relógio interno da sociedade iraniana anuncia a chegada do fim da ditadura. Então de quem devemos ter medo? Eu nunca soube de qualquer discussão que envolvesse possíveis medidas contra o Teerã que não focassem obsessivamente nos resultados potencialmente calamitosos dessas ações. Israel ataca o Irã... bem, o resto você sabe. Os alvos estão muito dispersos e escondidos mesmo. Sabe como é... Aparentemente, nada pode ser feito sem piorar a situação. Mas nada pode ser pior do que o armamento nuclear de um estado messiânico e sem lei que quebrou todos os acordos que assinou, e só o fez para ganhar tempo. Neste caso, os presidentes George W. Bush, Barack Obama e muitos outros nunca deveriam ter dito que esse tipo de coisa era aceitável. Eles deveriam ter dito que havia algumas condições que as tornavam aceitáveis e dizer que condições eram essas. Quando se afirma uma coisa publicamente é bom poder provar. Deveríamos pelo menos pensar na idéia de, com o regime blefando e ganhando (talvez até roubando) tempo com as armas de destruição em massa, agora é o melhor momento de aumentar o custo desse tipo de infração, inibindo ou até sabotando sua preparação. Ou será que devemos esperar e lutar contra um inimigo com armas nucleares? Perguntar não ofende.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Alemães no sul do Brasil

A colonização alemã no sul do Brasil registrou no dia 25 de julho de 2004 os 180 anos do seu começo. As famílias que vieram das várias partes da Alemanha de então chegaram a atual São Leopoldo/RS em meio a uma intensa guerra ideológica e territorial. Uma guerra na qual as repúblicas platinas da Argentina e do Uruguai desafiavam simultaneamente a monarquia espanhola e o império luso-brasileiro. Os primeiros colonos alemães que foram assentados no Rio Grande do Sul vieram acima de tudo para cumprir uma função estratégica: reforçar as posições imperiais na região, assegurando assim a posse do antigo Continente de São Pedro nas mãos dos Braganças. Desembarcando em meio aos tiros Mal amainada a rivalidade dos dois impérios ibéricos, o espanhol e o português, na luta pelo controle das áreas platinas e rio-grandenses, acalmada pelo Tratado de Santo Ildefonso de 1777, uma nova sombra de ódios enturvou a incerta fronteira que separava os brasileiros dos castelhanos. Proclamada a independência Argentina em 1810, um regime republicano difundiu-se pelas duas margens do rio da Prata. O Brasil, ainda parte do Reino Unido, logo se envolveu nos tumultos provocados pela guerra ideológica desencadeada entre as monarquias absolutistas, representando o Antigo Regime, e os regimes republicanos de Buenos Aires e de Montevidéu que apontavam para o futuro da humanidade. De novo o Rio Grande do Sul, quando província do Império de D.Pedro I, viu-se centro de um cabo-de-guerra que de um lado era puxado pelas mãos conservadoras da monarquia absolutista, e do outro nas dos republicanos do Prata. Reproduzia-se nesta parte do mundo o mesmo conflito que se dava na Europa entre os interesses da reacionária Santa Aliança e as forças do liberalismo republicano emergente. Foi, pois, em meio a este cenário belicoso que os primeiros 39 imigrantes alemães desembarcaram no cais da antiga Feitoria do Linho Cânhamo, na atual São Leopoldo, no inverno de 1824, situada a pouco mais de 20 km de Porto Alegre, a capital da província Intenção antiga Diga-se que trazer colonos alemães ou italianos para o Brasil Meridional era antiga intenção do Conselho Ultramarino de Lisboa. Um despacho real de 19 de junho de 1729, lembrou a profª. Helga L.Picollo, já fazia menção em transladar para a fronteira sul um povo que não fosse castelhano, inglês, holandês ou francês, para afirmar a soberania da Corte Portuguesa sobre as vastas extensões de serras, coxilhas e planícies que iam do rio Uruguai até o rio da Prata. Intenção essa reafirmada por um outro decreto, este de D.João VI, datado de 16 de março de 1820, que em complemento a Lei da Abertura dos Portos de 1808, manifestava o desejo de abrir as fronteiras brasileiras à imigração estrangeira. Tal como os romanos, os portugueses sabiam que a única maneira efetiva de manter-se um território não era por meio de guarnições de soldados que podiam desertar a qualquer hora, mas sim ocupando-o com famílias de pequenos proprietários que fizessem dos acres ganhos coisa sua, pelos quais, se necessário, dariam não só o seu suor mas o seu sangue. A idéia de estimular os alemães a virem partiu da imperatriz D. Leopoldina, uma princesa germânica, e logo contou com apoio de D.Pedro I que recém sufocara as veleidades dos liberais brasileiros mandando fechar à força a constituinte de 1823, e impondo no seu lugar uma Carta outorgada redigida à feição dele e das suas posições pró-absolutistas. Soldados e lavradores Os colonos cumpririam um duplo papel: poderiam ser arregimentados pelas tropas imperiais que lutavam contra o republicano Gervásio Artigas e ao mesmo tempo garantir com seus lotes de terra a retaguarda do poder dos Braganças no Rio Grande do Sul. Podiam servir como soldados ou trabalharem como lavradores. Exemplo maior disso deu-se durante as Guerras Cisplatinas (1825-27) quando o doutor João Daniel Hillebrand (1800-1880), um médico de São Leopoldo formado em Hamburgo, na Alemanha, e que bem jovem lutara na batalha de Waterloo, arregimentou mais de 120 colonos como voluntários para , segundo ele, “derramar até o último pingo de sangue em defesa da nossa justa causa”. Era um número substantivo de gente, sabendo-se que no biênio de 1824-5 o total deles, nas onze levas em que vieram, alcançara a 1.027 imigrantes. Entre 1824 e 1830, ano em que se encerrou o subsídio à imigração, quase 6 mil alemães ( renanos, prussianos, mecklenburgueses, hanoverianos, pomeranos, suábios, bávaros, etc...) chegaram ao Rio Grande do Sul, concentrando-se por primeiro no eixo que vai de São Leopoldo à Santa Cruz do Sul. Tratavam-se de artesãos, funileiros, ferreiros, curtidores, marceneiros e carpinteiros. Poucos deles eram gente do campo propriamente dita, mas que levantaram as mãos aos céus em terem seus acres de terra que lhes permitiram, longe das exigências feudais ainda existentes nos ducados e baronatos de onde vieram anteriormente, serem homens e mulheres livres no Brasil. Muitas décadas depois do desembarque da primeira leva trazida pelo bergantim São Joaquim Protector, o jornalista e escritor Karl von Koseritz (1832-1890), um dos principais porta-vozes da imigração alemã, sintetizou a missão deles no Brasil dizendo: "O colono não emigrou somente para progredir economicamente, mas também para adquirir um chão próprio, e com ele uma nova pátria. Por este motivo, sua existência, nos bons e maus momentos, está ligada ao destino do país, que é a sua pátria e a pátria dos seus filhos”. Vieram em sua maioria de uma parte da Alemanha que pertencera a um império que desabara, o de Napoleão, mortalmente ferido em Waterloo em 1815, para fazer parte de um outro que estava em construção: o Império do Brasil. Bibliografia AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem à Província do Rio Grande do Sul (1858). Belo Horizonte: Itatiaia,1980. FLORES, Hilda Agnes H. Alemães na guerra dos Farrapos. Porto Alegre: EDIPUCRS,1995. HUNCHE, Carlos H. O biênio 1824/25 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: A Nação/DAC/SEC,1975. MÜLLER, Telmo L (0rg.). Imigração e colonização alemã. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980. LANDO, Aldair M. & BARROS, Eliane C. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Movimento,1976. ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. 2 vols. Porto Alegre: Globo,1969.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Napoleão, um legado polêmico

Enquanto escritores franceses como Balzac, que ‘desejava fazer com a pena o que Napoleão fizeram com a espada’, e Stendhal que revelara aberta e incondicional admiração pelo imperador, outros homens de letras europeus se dividiam frente a presença histórica e o legado de Bonaparte. Mesmo tendo a Alemanha sido invadida pelas forças francesas, a partir de 1806, filósofos como Hegel e Nietzsche mantiveram uma posição de admiração para com ele. Já os escritores russos, os dois gigantes da literatura nacional, Tolstoi e Dostoievski, cujo país por igual se viu atacado por Napoleão, em 1812, manifestaram profunda hostilidade ao papel desempenhado pelo general-conquistador no concerto europeu. O destino a cavalo O rumor estridente do tropel dos destacamentos a cavalo, seguidos pelas botas da infantaria batendo cadenciadas nas pedras das ruas da até então pacata cidade alemã de Iena, na Turingia, obrigou o filósofo Hegel interromper seus estudos e ir até o balcão da janela da sua casa. Espantou-se. No exato momento, era o próprio Napoleão quem passava montado num magnífico animal acompanhado pelo seu estado-maior para ir acampar na periferia da cidade. Naquele instante do dia de 9 de outubro de 1806, às vésperas de mais uma vitória do imperador frente aos prussianos do rei Frederico Guilherme III, sentiu a história marchando: Bonaparte era “o destino do mundo a cavalo”. Entendeu-o como “o último estágio da história, de nosso mundo, de nossa época”. A causa dele era nobre: o imperador dos franceses vinha tomar de assalto a “Bastilha da Alemanha”, a Prússia feudal, autocrática e antiiluminista. Exemplo disto foi a disposição dele em sepultar naquele mesmo mês e ano o Sacro Império Romano-Germano, o Iº Reich dos alemães, uma relíquia medieval dos tempos carolíngios que durava há 900 anos e não tinha mais nenhum a função no mundo moderno. Uns anos depois, quando professor catedrático da Universidade de Berlim (entre 1818 e 1831), quando o império de Bonaparte já se desfizera, ainda assim ele não deixou de ditar aos seus alunos nas suas famosas Lições sobre a Filosofia da História Universal as observações sobre a magnitude da presença do general nos acontecimentos mundiais. Comparando-o a César, imaginou-o a um gigante com seus saltos “esmagando muitas flores inocentes, destruindo pela força muitas coisas’, indiferente aos sofrimentos que causava, visto que quando se processam os grandes deslocamentos os ‘indivíduos são sacrificados e abandonados”. Ainda que sua conduta pudesse estar submetida à censura moral ele era a encarnação viva de uma outra etapa da história universal, era o novo estado, produto do Iluminismo, modelando a sociedade ao seu gosto. Era o mar violento das paixões desencadeadas pela Revolução Francesa de 1789, invadindo a pacata planície da Europa feudal e beata. As batalhas que travou nada mais eram do que as manifestações da paixão, tudo a serviço da Razão despertada pelos acontecimentos dramáticos que ocorreram em Paris desde que o povo daquela capital tomara de assalto a fortaleza do rei no histórico Quatorze de Julho. Ação e reflexão Envolvido pelo cotidiano da administração e absorvido pela guerra, era certo que o imperador não tinha consciência plena disto. Ele era “ação pura”, cabendo à filosofia alemã, vizinha da França, fazer a reflexão necessária. Hegel é quem tirava as conseqüências mais profundas do impacto causado por Napoleão na Europa e no Mundo. Era um Prometeu imbuído de uma missão extraordinária e não poderia deixar-se afetar por sentimentos comuns nem desviar-se dos confrontos que redundassem em sacrifício e morte: o destino dele era mudar o rumo da História. O herói de Nietzsche No final daquele mesmo século, em 1884 o filósofo Nietzsche recebeu a incumbência de uma amiga alemã de Roma para que estabelecesse um roteiro cultural para uma jovem doutoranda Resa Von Schirnofer, durante a curta estadia dela no sul da França. Levou-a para os altos do Monte Boron de onde, com sorte, poderia avistar-se a ilha de Córsega. Chegou a querer propor uma travessia até Ajaccio, a cidade em que Napoleão nascera para ver de perto o berço daquele que mais fizera para “ a transformação do homem num novo ser”. A peregrinação à ilha selvagem e remota fazia algum tempo que estava nos planos dele com o intento de visualizar o cenário original daquele que veio para executar a “transvaloração de todos os valores”, exemplo mais extremado da “vontade de poder”. Para ele, Napoleão amava o poder como um artista, uma alma aristocrática que brotara do caos da Revolução de 1789 – primeira rebelião dos escravos nos tempos modernos - capaz de modelar o mundo ao seu gosto e poder. O seu espírito nobre e sua vontade férrea domara as paixões das massas ressentidas que explodira no Terror de 1793, canalizando-as para a consolidação de um Império Europeu. Numa sociedade dominada pela mediocridade filistéia que se contentava na apologia ao homem comum, ordinário, a personalidade gigantesca do imperador, o herói dos heróis, anunciava o super-homem, figura emblemática da Zukunftphilosophie, da “filosofia do futuro” da qual Nietzsche sentia-se o principal arauto. Percebeu-o como “o europeu do futuro”, o estadista que podia enxergar acima dos limites dos estados-nacionais elevando-se até uma concepção de Europa Unificada e que antecipara outras personalidades cosmopolitas que lhe seguiram as pegadas: como Goethe, Beethoven, Stendhal, Heine e Schopenhauer. Napoleão era alguém de entendia a sociedade apenas como um “alicerce e andaime” que o serviam para que ele pudesse se erguer “até a sua missão superior” e também a “uma existência superior”, como se fosse uma planta gigantesca ávida de sol que usa a floresta ao seu redor para melhor expandir sua ramagem (Além do Bem e do Mal, §256-258). O gigante sem alma Leon Tolstoi, todavia, no Guerra e Paz ( 9ª parte, cap.II) descreveu-o no mesmo espírito de Hegel. Um Napoleão marmóreo, indiferente aos sofrimentos que provocava. Quando da invasão da Rússia em junho de 1812, da margem do rio Vístula assistiu com seu óculo apoiado no ombro de um pajem os ulanos poloneses, conduzidos por um coronel temerário, morrerem tragados com suas montarias, a quem se agarravam nas crinas desesperados, pela fria correnteza. Ainda que se afogando em morte horrível, davam vivas ao general sem que isso arrancasse dele qualquer expressão de compaixão. Para Tolstoi, Napoleão não era grande mas simplesmente inumano. Quem teria sido o responsável por aquela imensa invasão do solo russo, a colossal invasão do Ocidente das estepes do Oriente? A quem apontar o dedo acusatório para todas aquelas desgraças que se seguiram, os massacres, os roubos, as pilhagens, os incêndios devastadores, as vidas destruídas e as demais humilhações que os homens se infringem durante uma a guerra, senão que para Napoleão? Estimulo ao direito ao crime Dostoievski, um outro escritor russo, percebeu o efeito causado por Napoleão por um outro ângulo. Não como o maléfico arquiteto da destruição do Império dos Czares mas acima de tudo como um perigoso exemplo para a juventude niilista. Um homem daquele porte ostensivamente se colocara acima do bem e do mal, seu código era o das águias. O personagem dele na sua famosa novela Crime e Castigo (3ª parte , cap.V), o jovem Rodion Raskólhnikov, estudante pobre e atormentado, imbuído da idéia de que o ser excepcional, e por conseguinte fora dos quadros da lei, poderia ousar tudo. Inclusive ter o Direito ao Crime, como expôs num artigo de um jornal de São Petersburgo. De certa forma, para ele, os legisladores do passado (Licurgo, Sólon, Maomé, Napoleão), por si só já eram algum tipo de criminoso na medida em que abruptamente anulavam todas as normas anteriores a eles, e nenhum deles se deteve quando foi preciso derramar sangue para fazer vingar o novo. Eles “destroem o presente em nome de qualquer coisa melhor”. Assim sendo, ainda que o vulgo muitas vezes os condene, no universo da subjetividade deles, num exame de consciência os homens de gênio, os grandes inovadores, se auto-absolvem. A violência que desencadearam com suas ações e medidas terminarão a longo prazo sendo vista como necessárias e construtivas, fazendo com que os rigores que eles se auto-permitiram, “de saltarem sobre o sangue”, se visse historicamente plenamente sacramentada. Percebendo-se um ser extraordinário, um Napoleão em escala menor, Raskólhnikov engendra um crime. Assaltar e matar uma velha usurária, “um piolho”, como a classificou, para roubar-lhe os bens e com isso ajudar a sua família. Mas não era somente isto que ele buscava. Tratava-se de um assassinato-tese. A grande prova era suportar com todas as forças as imagens do crime, o peso que a culpa cobrava do homicida. Para Raskólhnikov o homem excepcional não sentiria nada, crime algum o abalaria pois ele estava acima do bem e do mal. Para Dostoievski este fora o pior exemplo que o legado de Bonaparte deixava para a juventude em geral: a possibilidade da impossibilidade. O desejo de ação sem cuidado ou reparação moral de qualquer tipo. Todo o movimento revolucionário que tomou corpo na Rússia do século XIX de certo modo era para Dostoievski tributário do perigoso exemplo de Napoleão, fazendo com que qualquer jovem narodniki (integrante do movimento terrorista russo) se sentisse com possibilidade de mudar o mundo como Bonaparte fizera no seu tempo, derrubando tronos ou humilhando os reis e príncipes.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Educação e novas tecnologias: Um repensar

A tecnologia na escola: Novo saber, para poder intervir. A tecnologia entrou na educação como algo revolucionário, desejado por muitos e temido por outros tantos. Porém, se a tecnologia for utilizada na escola por professores preparados, conscientes de que não basta somente ter computadores e sim saber integrá-los nos processos curriculares, desta forma contribuirá de maneira significativa para o avanço na educação, que terá em suas mãos a oportunidade de formar indivíduos com capacidade de agir, planejar e executar. Por outro lado, se os computadores ou outro equipamento tecnológico for posto em um pedestal, neutralizando espaço antes utilizado a atividades educativas, tendo seu uso restrito, trancado como jóia de alto valor ou ficando o educador como mero executor de pacotes de software, trará grande prejuízo ao processo ensino aprendizagem. Cabe a todos o planejar, a necessidade real de equipamentos e após discussão que deve ser contínua sobre o uso e formas de interagir no espaço educacional decidir qual o melhor momento para a aquisição de equipamentos tecnológicos e diversas formas de utilização. No meio de tantos pontos a serem levados em consideração um merece destaque que é o principal ator de toda essa discussão: o aluno, que em muitos casos é tratado como um mero recebedor, que a recebe como certa, perfeita, verdade absoluta. Não podemos deixar de reconhecer que enquanto profissionais temos uma grande parcela de culpa por estes acontecimentos. Mas, devemos levar em consideração também outro fator de suma importância: a formação dos professores para atuar como educadores, que necessitam de um suporte que ultrapassa os limites da escola. Como atuar com eficiência e eficácia, se muitos vivem a triste realidade de uma jornada escrava, com baixa remuneração, além da falta de compromisso com a pesquisa, e outros fatores, que não favorece o processo ensino aprendizagem? Tudo agora é um grande repensar. Repensar as práticas, os danos, o que ainda pode ser feito com os educandos que estão sendo formados por nós?. Quantos questionamentos nos são postos e outros acrescentados. Questionamentos necessários 1- De que forma meu aluno está se apropriando da tecnologia? 2- Onde? Como ele recebe informação? 3- Que mundo está chegando aos alunos? 4- Está preparado para assistir aos programas de forma critica? 5- Que mundo está chegando aos professores? 6- O professor deve inserir conteúdos da mídia em suas aulas? 7- De que forma o educador está se preparando para lidar com o educando com tanta informação? 8- O que fazer quanto se sabe que em muitos casos o educando está mais preparado que o educador? 9- O Educador está preparado para promover a aprendizagem, competências e sabe os procedimentos para conduzir o educando a utilizar as tecnologias de informação e comunicação de forma correta? 10- Compreende a historia da informática e linkar com o momento atual? 11- Que cidadão se quer formar? 12- Qual o papel da escola? 13- O computador está a serviço da humanidade ou a humanidade está a serviço do computador? Mudança, a ignorância não é mais desculpa para os mesmos erros. Práticas iguais, resultados iguais. Vivemos momentos de transformação. Como tudo começou! No momento em que necessitamos saber o que temos e o quanto queremos, e de contas com os dedos avançamos para as pedras, calculadoras, giz, retroprojetor, computadores com seus softwares com tutoriais, simuladores, jogos educativos, linguagem de programação, internet e não paramos mais. Mais necessidades, mais tecnologias. Passamos do simples, fomos para o complexo e hoje estamos no intuitivo complexo e continuamos avançando, fazendo e refazendo o caminho de formas diferentes. Derrubando muros, construindo outros, expandido o saber a quem queira, criando até novas classes. Cabe a nós como educadores utilizar de forma adequada a tecnologia para maximizar o potencial da educação enquanto instrumento de transformação da sociedade.

domingo, 8 de novembro de 2009

O REGRESSO (AUTOR DESCONHECIDO)

Tinha acabado a guerra, e Deus, lá nas alturas, cercado de astros de ouro e pulcros querubins ouviu sons marciais, fanfarras e clarins, e um ardente vozear de humanas criaturas. “Que rumor – perguntou perturba assim o ar?" - “Senhor lhe diz alguém da corte celestial - os bravos vencedores da Guerra Mundial, sob o Arco do Triunfo estão a desfilar. "Na célica mansão um sussurro se expande, e a densa legião de almas plenas de graça acorre curiosa e se debruça e esvoaça, para melhor distinguir a marcha heróica, grande! Então o bom S. Pedro, o santo venerando, que por mando divino é dos céus o porteiro, gritou: "Chamai Flambeau, o esperto granadeiro, para explicar o que se for passando. "Flambeau, que combateu e foi dos mais ousados, acerca se atencioso, observa por momentos e informa: "Vão ali famosos regimentos, a glória militar, indômitos soldados!... "Cavaleiros, então, avançam com ardor, e ele anunciou: "Desfilam os dragões!..." Estremecem no céu os áureos portões, que a voz do povo era um estrídulo clamor. “Mas isto nada é...", disse Flambeau atento. “Olhai a Artilharia!..." Em enorme alarido, reboam saudações qual ciclone enfurecido, ascendendo em rajada até ao firmamento. E Flambeau continua: "Isto ainda não é nada! Vereis melhor Senhor... Eis os aviadores!..." Revougam pelo espaço os potentes motores, a ponto tal que a voz do povo é sufocada. Flambeau proclama com enlevo! "Os Marinheiros..."Desta vez o entusiasmo os mundos excedeu e cativado, o sol, palmas de ouro abateu sobre os rijos heróis, que foram dos primeiros." Agora, Senhor meu - disse Flambeau ovante - Vereis quando passar a nobre Infantaria... Tenho medo que o sol estoure e finde o dia e a noite eterna envolva a Terra num instante. Serão aclamações estrondosas, torrenciais, Vibrarão no azul qual doida a trovoada, ver-se-á a multidão frenética, entusiasmada, delírio igual jamais se viu, jamais. "Surgiram a seguir os homens das trincheiras, alpinos, caçadores e toda a infantaria. Nas suas expressões claramente se lia o martírio sofrido e angústias e canseiras. Quando o canhão, rugindo, a morte semeava, impávidos, no posto, assim permaneciam... Era uma corte altiva, os tantos que ali iam, um grande, imenso, mar de heróis que ali passava às quentes saudações que a multidão soltou. Silêncio se seguiu, silêncio e nada mais. O espanto avassalou as regiões siderais. E Flambeau, indignado, agreste se expressou:-“Assim os recebeis, ó crua, ingrata gente?! Por vós riram da morte e a fome desdenharam, cansados de sofrer jamais o confessaram, são de aço os quais ali vão, tropa digna, valente! Deveis-lhe orgulho, sim, a graça de viver, e, em vez de os abraçar, calai-vos? Mal andais. Franceses, ouvi bem: Sois rudes, sois brutais, tamanha ingratidão não tem razão de ser." Mas mal termina a frase, olhando a Terra, fica possuído de orgulho, o coração em festa... Os Infantes, semi-deuses, heróis em gesta, que a luz do sol poente envolve e magnifica, marcham eretos, viris, o olhar altivo e ousado... Fremente, perturbada, a imensa multidão, por um alto mandato ou estranha inspiração, havia ajoelhado...

LEMBRAI-VOS DA GUERRA (AUTOR DESCONHECIDO)

Imensa formação de brancas cruzes, Desfile mortuário de fantasmas, Exótico mercado de miasmas, Exposição de ossadas e de urzes... Calado e mudo queda-se o canhão, Apenas trevas cobrem a amplidão, Do que outrora foi um campo batalha... Calada e muda queda-se a metralha, É morta na garganta a voz do obus, O sabre traiçoeiro não mais reluz Dilacerando, ensanguentado a terra... A paz voltou, é terminada a guerra. Os heróis já tombaram das alturas, covardes, bravos jazem olvidados, Seus feitos aos livros relegados, Nada mais resta, apenas sepulturas. E eu? Quem sou? Perguntam... eu, quem sou? Pois bem, eu lhes direi: sou um soldado, Igual a qualquer outro que avançou, combateu, foi derrubado. Cruzes iguais... Terrivelmente iguais... Exército que cresce mais e mais, No festim diabólico da morte. Aqui jaz o covarde. Ali o forte. Aqui dorme um estranho. Ali estou eu... Mas ninguém sabe como ele morreu... Não se lembram do campo de batalha, Nunca ouviram o riso da metralha... Não sentiram tremer o corpo inteiro ao rugido terrível do morteiro... Não viram a cor dos olhos do inimigo. Não sentiram o medo do perigo, Que nos faz desejar a morte breve. Nunca sonharam. Nunca, nem de leve. Mas... Nem todos se esqueceram do soldado Que está longe, muito longe sepultado... oh minha mãe, se tu soubesses Que tua imagem adornei com flores, Que tuas flores foram minhas preces, Preces colhidas no jardim das dores... oh mãe, se te contasse O medo que senti sem teu carinho, Um medo horrivel de morrer sozinho. Medo mesmo que o medo me matasse... Mas deixei meu abrigo e avancei Julgando ver a morte a cada passo ouvindo o sibilar de um estilhaço... Parei... Pensei em ti... Continuei... Minha querida mãe, se te dissesse Que quando derrubou-me uma granada jogando-me por terra ensanguentado, Foi por ti que chamei desesperado. Por um momento deixei de ser soldado E fui novamente uma criança Sentindo na morte a esperança De ainda adormecer no teu regaço. Mamãe, matou-me um estilhaço... Minha querida noiva, por que choras? Relembras certamente as boas horas Que passamos juntos. Só nós dois... Íamos casar. Lembra? E depois... E depois uma casa retirada. Com cortinas nas janelas enfeitadas, Tu me esperando... eu vindo do quartel... A nossa casa um pequenino céu, Aberto para a vinda de um herdeiro... mas, meu sonho, foi meu sonho derradeiro, o de beijar-te antes de morrer. Mas ante o golpe frio da granada, Beijei apenas terra ensangüentada. Mamãe, minha noiva, aqui se encerra Uma história de sangue, esta é a Guerra. Não chorem. Tudo agora é terminado Rápido como coisa de soldado... Mas mamãe... Se novamente a pobre humanidade Mais uma vez em busca da verdade Rufar os seus tambores sobre a Terra Anunciando o sangue de outra guerra, e mais um filho a Pátria te exigir, Sem lágrimas mamãe, deixe-o ir... Embora te destrua o coração, Ainda que te alquebre a agonia Deixa-o ir mamãe, Mas peça a esse irmão, Para que seja também de INFANTARIA !!!!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Kant, Renato Russo e o fato da razão

A questão de se existe ou não liberdade é fundamental para se pensar a ética. Se o homem não é livre para agir, não pode ser responsável por sua ação. Se não existe liberdade ninguém pode ser considerado criminoso. Com isso, cria-se a "ética dos coitadinhos" que diz que a culpa pelas coisas que não estão certas não é de ninguém determinado, nem de todos em conjunto: o culpado é o "sistema", o impessoal. Seguindo esse discurso as pessoas podem reivindicar para si todos os direitos sem carregar consigo nenhum dever: afinal, "todo mundo quer tirar vantagem em tudo', e, por conseqüência, ninguém quer ser responsável por nada. Acontece que, como percebeu Kant, a liberdade não é um fato exterior, é sim, um fato (feito) da razão: o homem pode prescrever para ele mesmo regras de conduta, ante as quais ele mesmo é legislador e executor. Ou seja: quem se obriga a si mesmo é livre para se desobrigar. Isso acontece na prática: quem assume um compromisso perante consigo mesmo não esta comprometido com ninguém: então é livre (ou "você não pode jogar essa folha longe e esquecer esse texto?", ou "você não é livre para escolher isso?"). Essa idéia foi reafirmada na letra da música Há Tempos da Legião Urbana, nela Renato Russo diz: "disciplina é liberdade". Falar em disciplina como sinônimo de liberdade pode ser visto como algo fascista, mas Russo explicou sua posição em entrevista: "eu estou falando de autodisciplina. Se você pensar numa relação sujeito/objeto é fascista, mas numa relação sujeito-sujeito, não é. Não é: "eu vou disciplinar você". A natureza é disciplinada. Eu preciso de muita disciplina! Fica tão bonito escrito "Disciplina é liberdade". E é uma inversão do double think do 1984: "Liberdade é escravidão", "Ignorância é força". Se você tiver um conceito legal de liberdade, imediatamente surge uma idéia positiva." Se "disciplina é liberdade", o homem é livre e responsável por suas ações. Disso pode deduzir que para viver em grupo deve agir como se sua ação pudesse ser comum a todos os demais, ou seja, seguir a regra do senso comum de "não fazer aos outros o que você não quer que seja feito a você". Kant não pensava numa sociedade de anjos: regras são necessárias mesmo em uma sociedade de demônios. Os homens são racionais, livres e responsáveis pelo seu agir (ou não agir). O Estado, a televisão, "o sistema", não são sozinhos os culpados pelos problemas sociais, afinal, a sociedade é feita também de homens individualmente responsáveis. Como diria Ortega y Gasset: "eu sou eu e minhas circunstancias, se não me salvo a elas não me salvo a mim mesmo", ou seja, o homem esta sempre imerso em circunstãncias que não escolheu, mas pode decidir entre lidar com elas ou se deixar levar pela correnteza, como uma bóia jogada no rio. Pode decidir compreender sua circunstancia, sua responsabilidade e sua liberdade ou cantar o samba do "deixa a vida me levar". O fato é que você (também ) decide.

sábado, 17 de outubro de 2009

Leonardo da Vinci e o Homem Vitruviano

Leonardo da Vinci nasceu em Vinci, aldeia perto de Florença na Itália, em 15 de abril de 1452, filho do tabelião Piero com a jovem Catarina. Um dos maiores gênios de todos os tempos, principal personalidade da renascença foi u m mestre da pintura com apenas poucas telas, sendo que os únicos quadros que lhe podem ser destinados com toda exclusividade são: a Mona Lisa (o mais reproduzido na história da arte) e A Ceia ou O Cenáculo (nenhum episódio sacro havia sido apresentado tão próximo e tão real) . Foi, além de mestre da pintura, arquiteto, mecânico, urbanista, engenheiro, químico, escultor, botânico, geólogo, cartógrafo, físico; precursor da aviação, da balística, da hidráulica; inventor do escafandro, pára-quedas, isqueiro, pintor. Leonardo da Vinci foi o talento mais versátil da Itália do Renascimento. Aos 16anos já desenhava e pintava, e foi para Florença (naquela época, cidade de grande prestígio e de muitas glorias) para trabalhar no ateliê de Andrea del Verrocchio. De cabelos louros, olhos azuis, nariz aquilino, de uma incomparável beleza física, Leonardo teria sido o modelo para o Davi, de Verrocchio. Sendo que, pelo que tudo indica, Verrocchio exerceu sobre Leonardo intensa influência, embora pequena no campo artístico, bastante acentuada no universo intelectual. Aos 30 anos, em 1482, segue para Milão, deixando incompletas duas obras de pintura: Adoração dos Magos e São Jerônimo, em Florença. Ao que tudo encaminha as pesquisas feitas, um dos pastores da Adoração é o seu auto-retrato aos 22 anos. Porém encanta os críticos as suas pinturas inacabadas, pois ao contemplá-las vêem a obra de arte no ato da sua criação. Em Milão , como urbanista, fez um projeto completo para a cidade, eliminando muros, alinhando ruas, prevendo esgotos, vias de dois pavimentos em que os pedestres andariam por cima, deixando a pista embaixo livre para veículos. As casas seriam amplas e ventiladas, e haveria enormes praças e jardins públicos. O quadro A Virgem dos Rochedos é dessa época, sendo a primeira criação de Leonardo conhecida, existindo duas versões dessa obra, uma no Museu do Louvre e a outra, possivelmente posterior, na Galeria Nacional de Londres. Para Leonardo da Vinci nos vulcões está a residência da vida, o oceano em torno dos mares é um lago de sangue em volta do coração. O Homem Vitruviano ( 1492), desenho de Leonardo, das proporções da forma humana, baseia-se em uma célebre passagem do arquiteto romano Vitruvius, em que ele expõe como a figura humana deitada de barriga para cima com as mãos e pernas abertas poderia ser rodeada tendo o umbigo como centro do círculo. Ele aconselha ainda que a figura pode também estar contida precisamente dentro de um quadrado. A cabeça é avaliada como sendo um décimo da altura total. Na obra de arte A Ceia ou O Cenáculo (que foi uma criação de três anos de trabalho, de 1495 a 1497), Leonardo cristaliza na tela o momento em que Cristo anuncia haver um traidor entre os presentes. Foi executada numa parede do Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, com mais de 9 metros de comprimento e 4 metros e 20 centímetros de altura. Essas criações estão em Milão, no Louvre, em Windsor, na Academia de Veneza e na Albertina de Viena. Mais tarde, Francesco del Giocondo, um rico florentino, encomendou a Leonardo um retrato de sua mulher, Mona Lisa. Porém em quatro anos a obra de arte não estava terminada. Existe, aí o grande questionamento: quem é a dama do quadro? A mulher de Giocondo? O retrato de uma jovem de 26 anos? Ou o atraente sorriso é de um jovem, travestido? Existe uma qualidade luminosa subjacente quase sombria, tanto no retrato quanto na paisagem que compõe o fundo, que revela ao mesmo tempo em que esconde. Mona Lisa del Giocondo se tornou o quadro mais célebre da pintura ocidental, sem sombra de dúvida. Hoje está no Louvre, como principal atração turística. Em 1503, foi convidado a criar “Santana Virgem e o Menino”, e só em 1510 deu por terminado, ainda assim sem alguns pormenores. Em 1516 deixa definitivamente a Itália. No mês de abril de 1519 ficou acamado, tendo em sua volta três quadros: a Mona Lisa del Giocondo; Santana, a Virgem e o Menino e o São João Batista, que possivelmente pintou em Roma como sua última obra. Leonardo estudou intensamente a anatomia humana e foi incriminado de dissecar cadáveres para estudar e descobrir o modo como tínhamos sido concebidos por Deus (dissecou mais de trinta cadáveres, explorando os segredos do corpo humano; foi um dos primeiros a se aprofundar nos mistérios do crescimento da criança no ventre materno) . Era uma ação criminosa no período. Apesar de ser proibido de fazer isso, os seus registros persistem até hoje e mostram uma rigorosidade que impressiona e que só foi aceitável porque o artista era também um homem observador, característica própria de um cientista, através do uso de um talento inegável. É dele a célebre frase: "O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã". Em 2 de maio de 1519, Leonardo morreu em Cloux.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Vitória de Samotrácia

Quem já não sonhou em sentir-se totalmente livre? Em singrar os mares sentindo-se parte de um mundo que não conhece fronteiras? Liberdade, vento, mar... quando vi a escultura de Vitória de Samotrácia, que se encontra no Museu do Louvre, em Paris, compreendi o que deve ter sentido o curador do museu ao escolher aquela localização para exibir a escultura, ou seja, no alto de uma escada, de onde se tem a sensação de que essa vai alçar vôo, ou de que o vento está soprando e tocando suas vestes molhadas; acredita-se que esta escultura representava uma figura de proa, utilizada nos navios para afastar os perigos dos mares bravios e assegurar vitórias nas guerras. Apaixonei-me, naquele momento, pelo período helenístico, pois representa a liberdade cultural expressa de várias maneiras: artes, literatura, etc. retornarei no tempo para que acompanhem essa parte da história e sintam o que Byron sentiu ao dizer "Somos todos gregos"! A morte inesperada de Alexandre, o Grande, na Babilônia, no verão de 323 A.C., aconteceu antes que ele estabelecesse uma organização político-administrativa consistente para os territórios por ele conquistados. Perdiccas, homem de confiança e general do exército de Alexandre, procurou manter o império unido, porém, após sua morte em 321 A.C., o império foi dividido em três grandes reinos governados pelos macedônios: os Ptolomeus, cujo legado incluía o Egito, Palestina, Líbia e Chipre; os Seleucos, cujos territórios se estendiam do Mediterrâneo até as fronteiras da Índia, e os Antígonos, na Macedônia e norte da Grécia. Assim, do Mediterrâneo até as fronteiras da Índia, a cultura grega dominava e qualquer viajante que percorresse longas distâncias poderia observar que o Koiné se tornara o idioma comum a todos os povos, ou seja, a Grécia triunfou pela sua cultura, a qual difundiu e universalizou. Alexandre foi um herói para alguns, tirano e conquistador para outros mas, inegavelmente, o homem que possibilitou que o Helenismo, cultura que se desenvolveu fora da Grécia, mas sob influência do espírito grego, e que marcou a transição da civilização grega para a romana (31 A.C), se tornasse um dos períodos mais criativos da história grega e, também, um marco na história da Eurásia antiga. Alexandria, que fora fundada no Egito, por Alexandre, com 500.000 habitantes, tornou-se a metrópole da civilização helenística. Foi um importante centro das artes e das letras, e lá se estabeleceram as mais importantes instituições culturais desta civilização. Em relação ao pensamento filosófico, este evoluiu para o Epicurismo, corrente que pregava o prazer acima de tudo, e o Estoicismo, corrente que louvava a alma e os valores espirituais, e que dominou devido a expansão do Cristianismo. Na literatura, a figura exponencial foi Teocritus, cujas poesias idílicas exerceram grande influência; nas artes, recebemos legados tais como a Vênus de Milo, Vitória de Samotrácia, entre outras. Com o domínio de Roma, o Helenismo passou a representar a resistência à nova religião, pois este período fora caracterizado pelo sincretismo religioso; mas não podemos falar que o espírito grego morreu pois, nos séculos XV e XVI, despertou durante o Renascimento.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CHAPÉUZINHO VERMELHO (politicamente correto)

Era uma vez uma jovem chamada Chapeuzinho Vermelho que vivia à beira de uma grande floresta com árvores e plantas exóticas num belo exemplo de integração entre utilização natural dos recursos e urbanização. Chapeuzinho Vermelho vivia com sua genitora, à qual ela tinha o hábito de chamar como "mãe". No entanto, a utilização deste termo não implicava que ela trataria com menos respeito outras pessoas com as quais ela não tivesse uma grande ligação biológica. Da mesma forma ela não pretendia denegrir ou menosprezar os valores tradicionais das estruturas familiares. De qualquer forma, Chapeuzinho insiste em registrar que lamenta se alguma destas impressões pejorativas possam ser deduzidas desta estória. Um dia, a Mãe de Chapeuzinho Vermelho pediu que ela transportasse uma cesta de frutas sem tratamento químico, e água mineral para a casa de sua avó. - "Mas, mãe, tal iniciativa não seria roubar o trabalho de pessoas sindicalizadas que lutaram anos a fio pelo direito de exercer sua atividade profissional na qualidade de transportadores?" A Mãe de Chapeuzinho garantiu-a que todas as formalidades já haviam sido providenciadas junto ao sindicato de transportadores e o formulário autorizando esta missão autônoma já estava devidamente carimbado. - "Mas, mãe, você não está me oprimindo com esta ordem?" A Mãe explicou-lhe que é impossível que uma mulher oprima outra mulher, posto que todas as mulheres são igualmente oprimidas por uma sociedade machista. - "Mas, mãe, não deveria ser o meu irmão, na sua condição de opressor, que deveria se encarregar desta tarefa no intuito de aprender a condição de oprimido?" A Mãe lembrou-lhe que seu irmão estava participando de uma passeata pelos direitos dos animais. Além disto, a tarefa em questão não poderia ser considerada uma típica tarefa feminina, mas sim uma atitude que visava o sentimento de comunhão e companheirismo entre mulheres. - "Mas, mãe, não estaríamos, então, oprimindo a Vovó, através da mensagem subliminar de que ela esteja velha demais para garantir sua própria subsistência?" A Mãe lhe assegurou que Vovó não estava doente nem incapacitada nos planos físico e mental, ainda que nenhuma destas condições implicassem considerar alguém inferior a pessoas ditas saudáveis. Convencida e segura de seus atos, Chapeuzinho Vermelho partiu pela floresta. Várias pessoas consideram a floresta um lugar perigoso, mas Chapeuzinho sabia que este tipo de medo irracional está baseado em paradigmas culturais impostos por uma sociedade patriarcal que encara a natureza como um conjunto de recursos a serem explorados, e, que, por esta razão, acredita que predadores naturais são adversários. Outras pessoas evitavam a floresta por medo de ladrões e de marginais, mas Chapeuzinho acreditava que, numa sociedade justa e não hierárquica, todas as pessoas poderiam exercer seu direito de viver segundo suas próprias regras, sem serem taxadas de "marginais". No caminho, Chapeuzinho passou por um lenhador e observou algumas flores; porém, momentos após, ela se viu frente a um lobo que lhe perguntou o que ela carregava na cesta. Chapeuzinho, lembrando-se que sua professora havia recomendado prudência quanto a estranhos que tentassem falar com ela, hesitou. No entanto, segura de si e consciente de sua sexualidade, decidiu responder ao lobo: - "Eu estou levando mantimentos saudáveis para a minha Avó num gesto de solidariedade." O lobo, então, comentou que não era seguro para uma menina passear pela floresta sozinha. - "Eu me sinto completamente ofendida pelo seu comentário sexista. Apesar disto eu decidi ignorá-lo por causa do seu status social de excluído. A pressão da sociedade é a verdadeira responsável pelo desenvolvimento deste seu ponto de vista alternativo. Agora, com licença, pois vou retomar o meu caminho". O lobo, provavelmente devido à sua condição de excluído, pôde adotar um pensamento não-linear, fora dos padrões ocidentais e da moral judaico-cristã, que o levou a utilizar um caminho alternativo para chegar antes de Chapeuzinho à casa da Vovó. Lá chegando, devorou (lato sensu) a Vovó, numa ação afirmativa de sua condição de predador desprovido de escrúpulos. Então, movido por noções rígidas e tradicionais de comportamento, o lobo vestiu a camisola da Vovó e deitou-se na cama, cobrindo moralisticamente todas as suas partes que poderiam denunciá-lo (anatomicamente falando). Chegando à casa da Vovó, Chapeuzinho sentenciou: - "Vovó, eu lhe trouxe um lanche gratuito para saudá-la em sua condição de sábia e madura matriarca!" O lobo respondeu suavemente: - "Venha cá, minha netinha para que eu possa te ver ..." - "Nossa! Vovó, que olhos grandes que você tem!" - "Você esquece que eu tenho certas deficiências visuais totalmente compatíveis com minha idade, apesar disto não afetar em nada minha capacidade ou qualificação como ser humano é válido para a sociedade." - "E Vovó, que nariz enorme você tem ..." - "Naturalmente, eu poderia ter mudado isto, mas resolvi não ceder às pressões sociais da estética e do consumismo." - "E Vovó, que dentes afiados você tem ..." Nisso, o lobo, não agüentando mais o proselitismo da discussão e numa típica reação de seu meio social, saltou da cama pegando Chapeuzinho, abrindo a bocarra... Chapeuzinho, reconhecendo o lobo, retorquiu: - "Eu creio que você está esquecendo de me pedir permissão para aumentar o nosso nível de intimidade." O lobo, surpreso, ficou sem ação e, neste momento, o lenhador entra pela porta agitando seu machado: - "Não se mexa!" - "O que você pensa que está fazendo?" Perguntou Chapeuzinho. "Se eu lhe deixo me ajudar agora, eu estarei expressando uma falta de confiança em mim mesma e em minhas capacidades - o que causaria uma tremenda falta de auto-estima que poderia se refletir inclusive no meu desempenho escolar." Porém, o lenhador não se intimida e responde: -"Última chance baby, afaste-se desta espécie protegida, eu sou um agente credenciado do IBAMA". Como Chapeuzinho não considerou fundamentada a imposição imperialista e policial, o lenhador, num movimento seco, deu uma machadada certeira na contraventora. - "Ainda bem que você chegou a tempo!" - disse o lobo aliviado. - "Esta jovem e sua Avó haviam me capturado nesta ideologia de violência". - "Não." - diz o lenhador - "A verdadeira vítima aqui sou eu, que tive que lidar com minha raiva profunda e encarar de frente todos os meus fantasmas. E ainda vou ter que lidar com o imenso trauma de ter tido contato com uma parte violenta da minha essência, para a qual minha formação pessoal não estava preparada a enfrentar". - "Eu sinto sua dor", condescendeu o lobo. E os dois se abraçaram fraternalmente.

sábado, 19 de setembro de 2009

O líder que pensa

O líder que pensa Se liderança já é um tema difícil de escrever, imagine exercê-la. O trabalho de um líder é semelhante ao de um pai, que deseja que seu filho estude, se desenvolva, aprenda a vencer obstáculos, que se mantenha motivado e cheio de energia. E, assim como o comportamento do filho sofre constantes mudanças, a do liderado, ou da equipe, também. Poderíamos falar horas e horas sobre liderança, porém, neste artigo, vou tratar de um aspecto objetivo e simples da liderança: as atitudes do líder. Muitos líderes pensam que há duas partes bem definidas na organização: o líder e os liderados. Engano puro. Um está constantemente influenciando o outro por meio de gestos e idéias. Podemos dizer que os dois se misturam, querendo ou não. Já ouviu dizer que a empresa tem a cara do chefe? Motivo este que a probabilidade de um filho se tornar fumante quando o pai é, torna-se muito maior do que se o pai não for adepto do tabaco - mesmo quando o filho é adotivo, deixando de lado os aspectos genéticos. O “líder que pensa” é aquele que não age apenas por instinto. Todo o tempo ele envia estímulos para a equipe. É aquele que sabe que a prática do exemplo é muito mais eficaz que a teoria. Não faz nenhum sentido pedir que a equipe chegue às 9h, se o líder chega às 10h30. O psicólogo americano Frederick Herzberg fez uma pesquisa para descobrir o que motiva e o que desmotiva uma pessoa. Neste estudo, que resultou em sua teoria motivação-higiene, o termo "reconhecimento" ficou em segundo lugar nos fatores que levam à extrema satisfação. Infelizmente o que mais vemos nas organizações são líderes que só param o que estão fazendo para punir um membro da equipe, e só se lembram de reconhecê-los na reunião de metas do fim do mês. O “líder que pensa” premia e elogia a equipe sempre que se fazem merecedores. No começo, no meio ou no fim do dia. Quantas vezes forem necessárias. Quando reforçamos um bom comportamento, aumentamos a probabilidade do mesmo ocorrer. Lembre-se: o que é dito é facilmente esquecido. O que é feito é aprendido. O “líder que pensa” age de forma consciente, produz estímulos deliberados e se preocupa muito mais com o bem-estar e a satisfação da equipe, do que com a punição. Um 'líder que pensa' ganha autoridade por mérito e não por imposição e, assim, é tratado como todo pai gostaria: com admiração e respeito.

OS DEZ MANDAMENTOS PARA UM “CHEFE” DESTRUIR A EMPRESA SEM FAZER FORÇA

Apresento a seguir dez mandamentos importantíssimos para um chefe destruir a empresa sem fazer força: 1ª LEI – A CENTRAL DE CENTRALIZAÇÃO Você é um chefe e está atrás desta mesa enorme não é à toa. Você tem que ficar sentado aí o dia inteiro. Os outros é que devem vir até você... Arme-se logo contra os espertinhos independentes... Crie a Central de Centralização, ou seja, a sua própria mesa. Tudo deve passar por você. Não deixe nada de fora. Afinal, essa é a sua função. Crie o “Você Decide” na sua empresa, onde todos têm que ligar para o seu número telefônico e pedir autorização. Não deixe escapar nada, nem mesmo se algum funcionário deve receber vale-transporte para ônibus, metrô ou bicicleta. Controle tudo. 2ª LEI – A INTELIGÊNCIA BURRA Valorize sempre os funcionários “puxa-saco”. Aqueles que fazem tudo aquilo que você manda, do jeito que você manda. Bom funcionário é aquele que faz exatamente o que você quer. 3ª LEI – A COMUNICAÇÃO A comunicação é sua fonte do poder e de mais ninguém. Um chefe sabe muito bem que quanto mais explicar como funcionam as coisas, menos os funcionários entenderão. Quanto mais se explica, mais desconfiados eles ficarão, mais facilmente sabotarão as suas idéias, mais rapidamente darão risadas pelas suas costas. Ora, você é um excelente chefe, então por que tolerar isso? Os seus funcionários não têm e nunca vão ter capacidade para entender os detalhes técnicos ou gerenciais. Isto vale dizer que quanto menos você se expor e menos falar, mais eles vão trabalhar e produzir. 4ª LEI – O CLIENTE EM PENÚLTIMO LUGAR “Cliente tem sempre razão” desde que concorde com suas idéias. Adote esse pensamento. Essa história de ficar preocupado com aquilo que o cliente deseja é pura tolice. O cliente nunca sabe o que quer, sempre causa transtorno, reclama de tudo sem razão alguma, cria sempre problemas de toda ordem. Portanto, em vez de gastar tempo e dinheiro procurando saber o que ele deseja, faça aquilo que for mais interessante para a sua administração. O Cliente não entende do seu negócio. É um leigo. Não sabe nada de Gestão e só dá opinião errada. Você tem sempre razão e uma desculpa pronta para dar em diversos idiomas. 5ª LEI – O FUNCIONÁRIO EM ÚLTIMO LUGAR Um chefe que se preze tem a obrigação de valorizar o funcionário. Depois, é claro, de ter valorizado todo o resto. Colocar o funcionário como prioridade só traz despesas extras. O importante são os processos. Os funcionários têm que se adaptar a sua realidade. Não se preocupe em formar equipes ou times competentes e comprometidos com a sua Empresa. Ninguém dura para sempre. 6ª LEI – CRIATIVIDADE Para uma empresa funcionar cada vez melhor e produzir cada vez mais, o chefe deve investir em criar atividades. Criar cada vez mais atividades para seus funcionários, a fim de não deixá-los um minuto sequer ociosos. Faça-os controlar o consumo de clips, canetas, borracha, lápis, papel, envelopes e xerox no setor. Exija um relatório mensal dos produtos consumidos e um “Business Plan” anual de consumo. Com essas tarefas sendo criadas, você verá a produtividade aumentar estrondosamente. 7ª LEI – SOLUÇÃO DE CONFLITOS Conflitos sempre existirão. Então por que perder tempo para resolvê-los? Os conflitos devem ser ignorados. Um bom chefe não pode perder tempo, produtividade e dinheiro com pequenos detalhes. Afinal, em cada conflito os funcionários sempre passam a defender um dos lados e transformam um desentendimento sem importância em uma comoção descontrolada. E além disso, os conflitos sempre criam fofocas e boatos que facilitam as condições e os relacionamentos de trabalho. Quando os conflitos aparecerem, faça de conta que eles não existem. Seu tempo é precioso demais para isso. 8ª LEI – POLÍTICA SALARIAL Mostre aos seus funcionários o custo total de despesas com pessoal. Comece a reformular a política salarial da sua empresa: corte os Vale-Transporte – caminhar faz bem à saúde. Essa decisão é importantíssima. Contenção de despesas começa com os salários e benefícios. Não esqueça de mostrar o quanto a empresa gasta com contribuições para o governo. E se algum funcionário engraçadinho pedir aumento de salário, demita-o. 9ª LEI – MOSTRAR RESPEITO Cada pessoa que trabalha para você é um indivíduo. Por isso eles não precisam de elogios Precisam de críticas para trabalhar mais e mais. As pessoas gostam de ouvir que elas não estão trabalhando direito, isso incentiva mais o trabalho. Critique tudo e todos. 10ª LEI – AUTORIDADE Os funcionários precisam de certa autoridade para realizar o seu trabalho. Eles precisam saber que é você que manda. Crie um clima de tensão. Assim eles vão trabalhar mais e não vão ficar passeando pelos corredores ou setores vizinhos. Se você pegar algum funcionário fora do seu setor de trabalho dê uma suspensão de 10 dias. Sua autoridade é poder. Se você se encaixou em algum desses mandamentos é hora de começar a mudar o seu estilo gerencial. Lembre-se: é com o chefe que as pessoas convivem no dia-a-dia. Chefes que sabem liderar pessoas são peças importantíssimas para um ambiente de trabalho estimulante, saudável e criativo. Ao contrário, chefes despreparados para lidar com pessoas perdem em produtividade, criatividade e, conseqüentemente, em resultados. É o chefe que orienta as pessoas, ou, desorienta. É o chefe que as ajuda a crescer ou a estagnar. O chefe tem o poder de melhorar, ou piorar, sensivelmente, a vida de seus subordinados. Depende dele, em grande parte, os aumentos, promoções, oportunidades e o avanço profissional de todos os que a ele se reportam. Se o chefe souber lidar com as pessoas, for competente, orientar e aproveitar o que elas têm de melhor, for líder e justo, os subordinados vão gostar cada vez mais da empresa. Mas, se o chefe for autoritário, desmotivador, não souber estimular e se não tiver as qualidades profissionais e humanas básicas, as pessoas vão deixar a empresa na primeira oportunidade. Por fim, algo que faz toda a diferença: um bom chefe é a alma do negócio, pois ele define, inspira e impregna o ambiente de trabalho.

Você sabe se comportar no trabalho?

No convívio diário com os colegas de trabalho, é comum que as pessoas sintam-se mais à vontade e em alguns casos até se esquecem de que estão em um ambiente que "teoricamente" requer certa formalidade. O resultado é que alguns profissionais levam o "costume de casa" para a empresa e isso pode prejudicar a imagem do colaborador junto ao gestor e aos próprios pares. Confira abaixo algumas dicas sobre etiqueta profissional que podem ser adotadas por qualquer pessoa. 1. Porta aberta - Mesmo que você tenha proximidade com o colega de trabalho e a porta da sala dele esteja entreaberta, não custa dar aquela "batidinha". 2. O telefone - Ao entrar na sala, se a pessoa estiver ao telefone volte e espere alguns minutos. Pode ser que seu colega precise de um pouco de privacidade naquele momento. 3. A ligação - Quando alguém estiver ao telefone, evite falar alto e próximo à pessoa, pois do outro lado da linha pode estar até mesmo um cliente da empresa. 4. O celular - Quando seu celular tocar, o ideal é atendê-lo fora da sala. Lembre-se que toques altos e "exagerados" chamam a atenção. 5. Quebra do gelo - Expressões com: "Bom dia!", "Olá, tudo bem?", "Bom final de semana!" são sempre bem-vindas e muitas vezes quebram o gelo do ambiente. 6. Uma conversa - No ambiente de trabalho é fundamental trocar ideias com os colegas. Quando estiver em uma conversa, preste atenção, seja um bom ouvinte e olhe diretamente para a pessoa. No momento oportuno, faça suas colocações, mas não atropele o processo de comunicação de forma "bruta". 7. O pega-pega - Imagine a seguinte cena: você está na sua sala e um outro funcionário chega. Ao falar, já pega em seus ombros, dá aquelas terríveis "empurradinhas" como se estivesse em um campo de futebol. Não faça parte do clube dos "pega-pega". Mantenha uma distância razoável e evite gesticular exageradamente. 8. Qual é a música? - Para muitas pessoas, ouvir música é uma forma de relaxar e há quem adore um som agradável enquanto trabalha. Usar o fone de ouvido é perfeito para não incomodar os colegas. 9. Brincadeira tem hora - O ambiente de trabalho descontraído melhora o astral de qualquer pessoa. No entanto, cuidado para não brincar com o colega no momento errado. Se ele estiver muito concentrado em uma atividade, não o interrompa para contar uma piada, por exemplo. 10. Lixo no lixo - Como é bom trabalhar em um local limpo. Mas, isso não depende apenas do profissional responsável pela limpeza. Você precisa fazer a sua parte. Bolinhas de papel devem ir para o lixo. Se você errou o alvo, não custa pegar o papel e colocá-lo no cesto. Isso também vale para quem usa o toalete.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Aborto: Uma Visão antropológica

A espinhosa questão do aborto voluntário que nos últimos anos adquiriu uma amplitude descomunal, até converter-se em uma das questões mais urgentes nas sociedades ocidentais, pode ser proposta de diversas maneiras. Entre os que consideram a inconveniência ou ilicitude do aborto, a posição mais freqüente é a religiosa. Sem dúvida que, para os cristãos (às vezes, de maneira mais estreita, para os católicos), o aborto pode ser ilícito mas não se pode impor a uma sociedade inteira uma moral “particular”. Quer dizer, os argumentos fundados na fé religiosa não são válidos para os não crentes. Raramente se investiga se os argumentos assim propostos, ainda que procedendo de uma maneira cristã de ver a realidade, não têm força de convicção inclusive prescindindo dessa origem; o fato é que todos os que não participam dessa crença os repudiam e consideram que não lhes podem levar em conta. E os fatos devem ser considerados. Há outra posição que pretende ter validade universal, que é a científica. As razões biológicas, concretamente genéticas, são tidas como demonstráveis, inteiramente fidedignas, conclusivas para todos. Certamente essas razões têm valor muito alto, e devem ser levadas em conta, mas suas provas não são acessíveis à imensa maioria dos homens e mulheres, que as admitem por fé (isto é, por fé na ciência, pela validade que ela tem no mundo atual). Há outro fator que me parece mais grave a respeito da posição científica da questão: depende do estado atual da ciência biológica, dos resultados da mais recente e avançada investigação. Quero dizer que o que hoje se sabe, não se sabia antes. Os argumentos dos biólogos e geneticistas, válidos para o que conhece estas disciplinas e para os que participam da confiança nelas, não foram válidos para os homens e mulheres de outros tempos, inclusive muito recentemente. Creio que faz falta uma posição elementar, ligada à mera condição humana, acessível a todos, independente de conhecimentos científicos ou teológicos que poucos possuem. É forçoso propor uma questão tão importante, de conseqüências práticas decisivas, que afeta a milhões de pessoas e à possibilidade de vida de milhões de crianças que nascerão ou deixarão de nascer, de uma maneira evidente, imediata, fundada no que todos vivem e entendem sem interposição de teorias (que às vezes impedem a visão direta e provocam desorientação). Esta visão não pode ser outra senão a antropológica, fundada na mera realidade do homem tal como se vê, se vive, se compreende a si mesmo. Temos, pois, de tentar retroceder ao mais elementar, que não tem pressupostos de nenhuma ciência ou doutrina, que apela unicamente à evidência e não pede mais que uma coisa: abrir os olhos e não colocar-se de costas para a realidade. Trata-se da distinção decisiva entre coisa e pessoa. Bem, dito assim pode parecer coisa de doutrina. Por verdadeira e justificável que seja, evitemo-la. Limitemo-nos a algo que faz parte de nossa vida mais elementar e espontânea: o uso da língua. Todo mundo, em todas as línguas que conheço, distingue, sem a menor possibilidade de confusão, entre que e quem, algo e alguém, nada e ninguém. Se entro em uma casa onde não há nenhuma pessoa, direi: “não há ninguém”, mas não me ocorrerá dizer: “não há nada”, porque pode estar cheia de móveis, livros, lustres, quadros. Se se ouve um grande ruído estranho, me alarmarei e perguntarei: “O que é isso?”. Mas se ouço batidas na porta, nunca perguntarei “o que é?” mas sim “quem é?”. Apesar disso, a ciência e mesmo a filosofia estão há dois milênios e meio fazendo a pergunta: “Que é o homem?”, com a qual pelo menos derrubaram a estrutura de uma resposta errada, porque só de maneira muito secundária é o homem um “que”; a pergunta certa e pertinente seria: “Quem é o homem?”, ou, com mais rigor e adequação: “Quem sou eu?”. Claro, “eu” ou “tu”, ou “ele” sempre que se entenda de maneira inequivocamente pessoal. É significativo que os pronomes de primeira e segunda pessoa (eu, tu) têm somente uma forma, sem distinção de gênero, enquanto que o da terceira pessoa admite essa distinção, e inclusive com dois gêneros (ele, ela). Quem fala e a quem se fala são realidades imediatas e pessoas, e seu gênero é evidente na ação mesma, mas não é assim quando se fala de alguém no presente (e, ademais, se pode falar de algo). O que isso tem a ver com o aborto? O que me interessa aqui é ver o que é, em que consiste, qual é a sua realidade. O nascimento de uma criança é uma radical inovação de realidade: a aparição de uma realidade nova. Dirão talvez que não é propriamente nova, uma vez que se deriva ou vem de seus pais. Direi que é verdade e muito mais: dos pais, dos avós, de todos os antepassados; e também do oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, carbono, cálcio, fósforo e todos os demais elementos que intervêm na composição de seu organismo. O corpo, o psíquico, até o caráter vem daí e não é algo rigorosamente novo. Diremos que o que a criança é se deriva de tudo isso que enumeramos, é reduzível a isso. É uma “coisa”, certamente animada e não inerte, diferente de todas as demais, em muitos sentidos única, mas uma coisa. Desse ponto de vista, sua destruição é irreparável, como quando se quebra uma peça que é exemplar único. Todavia, isso não é o importante. O que é a criança pode “reduzir-se” a seus pais e ao mundo; mas a criança não é o que é. É alguém. Não um que, mas um quem, alguém a quem se diz tu, que dirá no momento certo, dentro de algum tempo, eu. E este quem é irreduzível a tudo e a todos, aos elementos químicos e a seus pais, e a Deus mesmo, se pensarmos nele. Ao dizer “eu”, enfrenta-se com todo o universo, contrapõe-se polarmente a tudo o que não é ele, a tudo o mais (incluindo, claro, o que é). É um terceiro absolutamente novo, que se soma ao pai e à mãe. E é tão distinto do que é, que dois gêmeos univitelinos, biologicamente indiscerníveis e que podemos supor “idênticos”, são absolutamente distintos entre si e a cada um dos demais; são, sem a menor sombra de dúvida, “eu” e “tu”. Quando se diz que o feto é “parte” do corpo da mãe, se diz uma grande falsidade, porque não é parte: está alojado nela, melhor ainda, implantado nela (nela e não meramente em seu corpo). Uma mulher dirá: “estou grávida”, nunca “meu corpo está grávido”. É um assunto pessoal por parte da mãe. Ademais, e sobretudo, a questão não se reduz ao que, senão a esse quem, a esse terceiro que vem e que fará com que sejam três os que antes eram dois. Para que isto seja mais claro ainda, pensemos na morte. Quando alguém morre, nos deixa sós; éramos dois e agora não há mais que um. Inversamente, quando alguém nasce, há três em vez de dois (ou, se for o caso, dois em vez de um). Isto é o que se vive de maneira imediata, o que se impõe à evidência sem teorias, o que refletem os usos da linguagem. Uma mulher diz: “vou ter um filho”; não diz: “tenho um tumor”. (Quando uma mulher acredita estar grávida e verifica que o que tem é um tumor, sua surpresa é tal que mostra até que ponto se trata de realidades radicalmente diferentes). A criança não nascida ainda é uma realidade vindoura, que chegará se não a pararmos, se não a matarmos no caminho. Mas se investigarmos bem as coisas, isso não é exclusivo da criança antes do nascimento: o homem é sempre uma realidade vindoura, que vai se fazendo e realizando, alguém sempre inconcluso, um projeto inacabado, um argumento que tende a uma solução. E se dissermos que o feto não é um “quem” porque não tem uma vida “pessoal”, então teríamos que dizer o mesmo da criança já nascida durante muitos meses (e do homem durante o sono profundo, da anestesia, da arteriosclerose avançada, da extrema senilidade, sem dizer do estado de coma). Às vezes lançam mão de uma expressão de refinada hipocrisia para denomiar o aborto provocado; dizem que é a “interrupção da gravidez”. Os partidários da pena de morte teriam suas dificuldades resolvidas: para que falar de tal pena, de tal morte? A forca ou o garrote podem chamar-se “interrupção da respiração” (e basta um par de minutos); já não há mais problema. Quando provoca-se o aborto ou enforca-se alguém, não se interrompe a gravidez ou a respiração; em ambos os casos mata-se alguém. E, claro, é uma hipocrisia ainda maior considerar que há diferença em que lugar do caminho se encontra a criança, a que distância em semanas ou meses dessa etapa da vida que se chama nascimento será surpreendida pela morte. Consideremos outro aspecto da questão. Com freqüência se afirma a licitude do aborto quando se julga que provavelmente aquele que vai nascer (ou que iria nascer) seria anormal, física ou psiquicamente. Mas isso implica que o que é anormal não deve viver, já que essa condição não é provável, senão segura. E teríamos de estender a mesma norma ao que chega a ser anormal por acidente, enfermidade ou velhice. Se temos tal convicção, então temos de sustentá-la com todas as suas conseqüências. Esta situação não é nova; já foi aplicada, e com grande amplitude, na Alemanha hitlerista, há meio século, com o nome de eugenia prática. O que me interessa é entender o que é aborto. Com incrível freqüência mascara-se sua realidade com seus fins. Quero dizer que tentam identificar o aborto com certos propósitos que pareçam valiosos, convenientes ou pelo menos aceitáveis: por exemplo, o controle populacional, o bem-estar dos pais, a situação da mãe solteira, as dificuldades econômicas, a conveniência de dispor de tempo livre, a melhoria da raça. Poder-se-ia investigar em cada caso a veracidade ou a justificação desses mesmos fins (por exemplo, foi feita uma campanha abortista em uma região da América do Sul de 144.000 quilômetros quadrados de extensão e 25.000 habitantes, isto é, despovoada). Mas o que quero mostrar é que esses fins não são o aborto. O correto seria dizer: para isso (para conseguir isso ou aquilo) deve-se matar tais pessoas. Isto é o que se propõe, o que em tantos casos se faz em muitos países na época em que vivemos. Esta é a significação antropológica dessa palavra tão usada e abusada, que se escreve mais vezes em um só dia do que em qualquer outra época em um ano. E mais uma prova de como se pensa o tema do aborto, eliminando arbitrariamente a condição pessoal do homem, o caráter de quem se fala, é que em muitas legislações sobre o assunto – sem irmos mais longe, a que se propõe atualmente na Espanha – se prescinde inteiramente do pai. Atribui-se a decisão exclusivamente à mãe (a palavra não parece inteiramente apropriada, seria mais adequado falar da fêmea grávida), sem que o pai tenha nada a dizer. Isto é, mesmo no caso em que o pai seja perfeitamente conhecido e legítimo, por exemplo, se se trata de uma mulher casada, é ela e somente ela é quem decide, e se sua decisão é abortar, o pai não pode fazer nada para que não matem a seu filho. Isto, claro, não se diz assim; tende-se a não dizê-lo, a passar por alto, para que não se advirta o que significa. Em uma época em que se fala tanto da “mulher objeto” – não sei se alguma vez chegou a ser assim; suspeito que sempre a viram como “sujeito” (ou “sujeita”) –, um caminho foi aberto na mente de inúmeras pessoas a interpretação da criança-objeto, da criança-tumor, que se pode extirpar como um crescimento nojento. Trata-se de obliterar literalmente o caráter pessoal do humano. Para isso fala-se do “direito de dispor do próprio corpo”. Mas, além da criança não ser o corpo do mãe, senão que é alguém corporalmente implantado na realidade corporal de sua mãe, é que esse suposto direito não existe. A ninguém se permite a mutilação: se eu quero cortar minha mão num golpe só, os outros, e em última instância o poder público, me impedirão; sem falar no caso de querer cortar a mão de outrem, mesmo com seu consentimento. E se quero me atirar da janela ou de um terraço, a polícia e os bombeiros acudir-me-ão e pela força me impedem de realizar esse ato, do qual me pedirão explicações. O núcleo da questão é a negação do caráter pessoal do homem. Por isso oculta-se a paternidade; por isso reduz-se a maternidade ao estado de suportar um crescimento intruso que pode ser eliminado. Descarta-se todo uso possível do quem, dos pronomes tu e eu. Tão logo apareçam, toda o castelo erguido para justificar o aborto rui como uma monstruosidade. Por acaso não se trata precisamente disso? Não estará em curso um processo de despersonalização, isto é, de desumanização do homem e da mulher, as duas formas irredutíveis, mutuamente necessárias em que se realiza a vida humana? Se as relações de maternidade e paternidade forem abolidas, se a relação entre os pais for reduzida a uma mera função biológica sem duração para além do ato de geração, sem nenhuma significação pessoal entre as três pessoas implicadas, que ocorre de humano em tudo isso? E se isso se impõe e se generaliza, se em fins do século XX a humanidade vive de acordo com esses princípios, não estará comprometida, quem sabe até quando, essa mesma condição humana? Por isso me parece que a aceitação social do aborto é, sem exceção, o que de mais grave tem acontecido neste século que se inicia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Arqueologia da Cultura Ocidental

O filósofo Michel Foucault, historiador das idéias, num ensaio famoso, procurando as raízes primeiras do conhecimento moderno, praticou um exercício que denominou de L'archeologie du savoir, a ‘arqueologia do saber’, identificando no Renascimento as fontes originais das ciências sociais como hoje elas são conhecidas. Se algum outro se atrevesse a uma escavação ainda mais profunda e ampla, buscando os umbrais da cultura ocidental, o que ele encontraria? Em qual arquivo arcaico estariam as provas e as pistas mais remotas das facetas desta cultura que ganhou o mundo? As grandes etapas culturais Em primeiro lugar, antes da procura pelas pistas mais remotas, é interessante observar que a cultura ocidental, ao longo dos seus três mil anos de existência, passou por três grandes fases, ou Períodos, muito distintos entre si: o do Paganismo, o do Cristianismo e o do Iluminismo, sob o qual vivemos no presente. O Paganismo: a) Tem, em sua primeira etapa, partindo-se do ano mil a.C., como ponto irradiador, a cidade de Atenas (desde o período Clássico), situada na Grécia continental e, depois, a cidade de Alexandria (até ser submetida a Roma no século I a.C.), localizada na margem mediterrânea do Egito. b) A sua segunda fase concentra-se na cidade de Roma, tornada império, até a conversão de Constantino, em 313. O Cristianismo: a) Em sua primeira fase, dividiu-se entre Roma e Constantinopla, tendo ambas a cidade de Jerusalém como força simbólica inspiradora. O livro guia torna-se a Bíblia. b) Com a divisão da Igreja Cristã (1054), em Igreja Ortodoxa (ou Bizantina) e Igreja Católica, Roma assume a função absoluta de capital da cristandade ocidental, enquanto Bizâncio e, depois Moscou, assumem a representação oriental do cristianismo. c) A partir do século XIV, a cidade de Florença ocupa o lugar de Roma como centro irradiador da cultura ocidental. Na Europa do norte este papel passa a ser exercido por Paris. O Iluminismo: a) Superando a longa fase do cristianismo, o Movimento Iluminista, no século XVIII, tem seu epicentro concentrado entre Paris e Londres, capitais que passam a liderar o desenvolvimento científico e a laicização da sociedade em geral, emancipando a cultura ocidental da influência das igrejas cristãs, acelerada desde a Revolução Francesa de 1789. b) Com o declínio da Europa, ao longo do século XX, o centro dinâmico, a partir de 1945, torna-se os Estados Unidos da América. A Gênese do Ocidente Nesta busca pela gênese da cultura ocidental, certamente poucos discordariam de que sua origem mais remota encontra-se na bacia do Mar Egeu, área situada no Mediterrâneo Oriental, entre a Europa Oriental e a Ásia Menor. Por igual, não rejeitariam a conclusão de que os três principais elementos constitutivos dela encontram-se na Grécia Antiga. Numa ordem de importância, o primeiro destes elementos certamente foi o surgimento da escrita, no século IX a.C., com a adoção do alfabeto grego, derivado do fenício, ao qual os seguidores de Zeus apenas tiveram o trabalho de acrescentar as vogais (‘alfa’, ‘épsilon’, ‘iota’. ‘ômicron’, ‘upsilon’, num total de 27 letras). O segundo destes elementos pode ser atribuído à arquitetura cretense, mais precisamente ao Palácio de Cnossos, do mitológico rei Minos de Creta, erguido ao redor do século XIX a.C., que teria servido como parâmetro para a maioria das construções palacianas feitas pelos gregos ao longo da sua história. As escavações em Micenas mostraram que o reino de Agamemnon seguia as mesmas diretrizes estilísticas do fabuloso Minos, não se duvidando que a influência cretense tenha se estendido por grande parte da Grécia continental. Creta também foi a principal usina dos mitos gregos, a começar pela lenda do rei Minos (filho de Zeus e de Europa, princesa fenícia raptada pelo deus grego), que engendrou o Minotauro e a tauromaquia, que séculos depois iria ressurgir nas touradas da península Ibérica. A façanha do fortíssimo Teseu, príncipe de Atenas, percorrendo o labirinto palaciano de Cnossos com o auxílio do fio de Ariadne para matar o feroz touro, já foi indicativa de que a cultura da Grécia continental começava a superar à da Grécia insular. O terceiro em importância certamente foi o legado de Homero com seus dois enormes poemas épicos, com quase 28 mil versos, a ‘Ilíada’ e a ‘Odisseia’, que teriam sido escritos ao redor do século VIII a.C.. Inspirando-se nestas duas obras é que a maioria dos poetas ocidentais, direta ou indiretamente, formularam seus versos. Uma linhagem que vem desde Virgílio, passando por Dante, Tasso e Camões, chegando, quase três mil anos depois, ao Ulisses de James Joyce e ao ‘Omeros’ de Derek Walcott, poema publicado em 1990, no qual ressurgem, em pleno mar do Caribe, os personagens de Aquiles, Heitor, Filoctetes e Helena. Ramificações Da escrita grega original, a arcado-cipriota, subdividida entre o alfabeto calcídico, ou ocidental, e o alfabeto jônico, ou oriental, originaram-se duas outras escritas que fariam história: o latim e o russo. O alfabeto latino certamente derivou do grego ocidental por força da presença das colônias helênicas que se espalharam pelo sul da Itália (Magna Grécia) e pela ilha da Sicília, enquanto o russo derivou da ação do monge bizantino Cirilo, o introdutor do cristianismo na Rússia, no século IX (alfabeto, com 43 letras, que se difundiu para os povos como o mongol, o cazaque, o uzbeque, o quirguiz e o tadjique, entre outros da Europa Oriental, do Cáucaso e da Sibéria). O alfabeto latino, por sua vez, graças às conquistas do Império Romano, terminou sendo adotado tanto pelas nações celtas como pelos povos germânicos da Europa central que conheceram a ocupação direta das legiões, expandindo-se, daí, para a Inglaterra e Escandinávia. Como efeito direto disto, surgiram então os idiomas neolatinos (português, espanhol, italiano, francês, romeno e catalão). O sucesso do alfabeto grego e a facilidade do seu aprendizado e difusão deveram-se ao fato de ele derivar dos interesses comerciais (o fenício, seu criador, era o mais renomado negociante da Antiguidade) e não da casta sacerdotal ou da burocracia real, como foi o caso dos hieróglifos egípcios ou das antigas escritas cuneiformes dos sumérios. A simplificação e a funcionalidade dele impulsionaram a alfabetização de uma parte considerável da população grega, que muito fez pela ilustração geral da população da Hélade. O Palácio de Cnossos, com algumas alterações, prestou-se como arquétipo dos edifícios públicos da Grécia Antiga, todos sustentados por colunas, como a morada de Minos. O tipo de pintura mural interna por igual se viu repetida nos demais palácios e mesmo nos templos consagrados aos deuses olímpicos e outros edifícios públicos de relevo. A Geografia da Cultura Ocidental Partindo-se por primeiro da Bacia do Mar Egeu, dividido em sua formação insular (Creta) e outra continental (a Ática e o Peloponeso), gerando a cultura grega (subdividida em fase heroica, arcaica, clássica e helenística) – que se tornou a maior matriz inspiradora – alcança-se, em seguida, a Itália onde se desenvolveu a cultura romana (que herdou, entre outras coisas, o alfabeto, a mitologia, a filosofia e a estética grega). Num outro momento, devido à expansão do Império Romano por largas partes da Europa celta e germânica, entre os séculos II a.C. e IV, alargou-se o círculo da cultura ocidental, englobando as regiões da Ibéria (Espanha-Portugal), da Gália (França), da Germânia (Alemanha Ocidental) e da Bretanha (Inglaterra). Com as invasões germânicas dos séculos IV-VI, povos bárbaros, que viviam afastados da influência ocidental (Alamanos, Bávaros, Godos, Suevos, Vândalos, Burgúndios, Francos, Lombardos, Anglo-Saxões, Teutões) se converteram aos valores do Ocidente (o uso do latim ou do alfabeto latino e a adesão à religião cristã). Expansão pelo ultramar Esta situação se estendeu por mil anos até que se deram os Grandes Descobrimentos, a partir do final do século XV, ocasião em que a cultura ocidental (principalmente a ibérica e a anglo-saxã) lançou raízes no Novo Mundo, agregando a si as Américas numa primeira etapa da Globalização. O passo seguinte desta propagação ocorreu na época do Imperialismo Colonialista, quando extensas regiões da África, da Ásia e da Oceania caíram sob o controle de metrópoles ocidentais (Grã-Bretanha, França, Bélgica, Holanda, Itália). Métodos administrativos e organização do estado se somaram à adesão dos nativos aos idiomas ocidentais. A esta altura, a cultura ocidental se fazia presente nos três grandes países da Ásia (Índia, China e Japão). Com as duas Guerras Mundiais, a de 1914-18 e a de 1939-45, que abalaram profundamente a hegemonia europeia sobre o planeta, os Estados Unidos e a Rússia (semiconvertida ao ideário ocidental desde Pedro o Grande), assumiram a liderança mundial, ofuscando gradativamente a importância da Europa Ocidental. Na etapa em que se vive presentemente, o processo de Globalização se intensificou com a ampliação do capitalismo ocidental, que lançou uma rede ao redor do mundo, colhendo em suas mãos todos os oceanos e mares, assim como as principais terras habitáveis do planeta (tendo o dólar e o euro como seu lastro), seguida da conversão aos regimes políticos identificados com o Iluminismo (republicanos e democráticos), sob a hegemonia mundial do idioma inglês. Avançando neste processo de integração geral, cada vez mais acelerada da humanidade, é bem possível que algum dia alcancemos a ‘unidade das civilizações’. O que permitirá com que as 21 civilizações classificadas por A.Toynbee no seu famoso Estudo (compostas hoje por 192 estados, 5 grandes religiões e 6.700 línguas), se fundam definitivamente numa só em algum momento do porvir da história. Bibliografia Abbagnano, Nicola – História da Filosofia. Lisboa. Editorial Presença, 1969. 14 v. Carpeaux, Otto M. – História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985-87, 6 v. Chevallier, Jean-Jacques – História do Pensamento Político. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1983. 5 v. Crouzet, Maurice – História Geral das Civilizações. São Paulo: Difel, 1955-58, 7 v. Duby, George – Laclotte, Michel – História Artística da Europa: a Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, 2 v. Grimal, Pierre – A Civilização Romana. Lisboa: Edições 70, 1988. Hauser, Arnold – História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Jaeger, Werner - Paidéia. São Paulo. Martins Fontes, 2001. Toynbee, Arnold J. – Estudio de la Historia. Buenos Aires: Emece Editores, 1951. 8 v. Turner, Ralph - Las Grandes Culturas de la Humanidad. México. F.C.E., 1992.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A OUTRA CANUDOS

Em Caldeirão, no Ceará, 700 pessoas foram mortas pelo Exército em 1937, acusadas de comunismo e fanatismo. O centenário da Guerra de Canudos, em 1997, renovou as atenções dedicadas ao massacre cometido contra os seguidores do beato Antônio Conselheiro, mas um outro episódio, com características semelhantes, continua sendo tratado de forma marginal pela historiografia brasileira. Trata-se da história de Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, um arraial localizado no município de Crato (516 km ao sul de Fortaleza), que chegou a reunir 2.000 pessoas sob a liderança do beato José Lourenço, um fiel seguidor do padre Cícero Romão Batista. Assim como Canudos, Caldeirão foi marcado pelo catolicismo popular e a produção coletiva. Fundado em 1926, Caldeirão cresceu rapidamente, incomodando a cúpula da Igreja Católica e as oligarquias da região, que passaram a exigir o fim do que chamavam de "antro de fanáticos e comunistas”. A destruição final de Caldeirão ocorreu em 1937, 40 anos depois da de Canudos, num bombardeio que usou aviões de guerra e provocou a morte de cerca de 700 pessoas. Considerado o maior massacre da história do Ceará, Caldeirão foi assunto proibido durante muitos anos na região do Cariri, na qual está situada Crato, e até hoje não consta nos livros didáticos da rede oficial de ensino do Ceará. Fugindo da fome A gênese da experiência desenvolvida em Caldeirão coincidiu com o apocalipse de Canudos, em l897. Naquele ano, o padre Cícero destacou José Lourenço para cuidar da fazenda Baixa Dantas, de propriedade de seu amigo João Brito. Negro, forte e com grande disposição para o trabalho, Lourenço ganhara a confiança do padre Cícero pelas suas demonstrações de fé. Paraibano de Pilão de Dentro, Lourenço chegara a Juazeiro em 1890, atraído pelo prestígio místico de padre Cícero e porque considerava a cidade o melhor local para desenvolver práticas de penitência. Em Baixa Dantas, padre Cícero acolheu dezenas de famílias de fiéis que procuravam-no, fugindo da fome do sertão. Sob a liderança de Lourenço, o sítio passou a ser um celeiro de produção agrícola. Alternando sessões diárias de reza com jornadas de trabalho em regime de mutirão, os fiéis transformaram o lugar, diversificando a produção – o que destoava da monocultura da cana-de-açúcar predominante na região. Na década de 20, padre Cícero sofreu perseguição feroz de seus inimigos políticos e religiosos. Floro Bartolomeu, considerado o braço político do padre, era acusado na Câmara Federal de ser o deputado dos “fanáticos e cangaceiro". Querendo acabar com essa fama, Bartolomeu escolheu Lourenço como uma espécie de bode expiatório. Em 1922, mandou prendê-lo e divulgou que Lourenço era um fanático que adotava um animal corno objeto de culto religioso. O animal em questão era um boi, chamado de “Mansinho”, que havia sido doado ao padre Cícero por Delmiro Gouveia. Lourenço era acusado de atribuir milagres à urina e às fezes do boi. Preso, Lourenço foi obrigado a comer da carne de “Mansinho”. A humilhação e os sofrimentos da prisão criaram uma mística em torno de Lourenço, que viu crescer seu carisma de beato junto ao religioso povo da região. “Trabalhar e rezar” Lourenço ainda conseguiu retornar para Baixa Dantas, mas, em 1926, foi obrigado a deixar o local, pois o proprietário pediu as terras de volta. No mesmo ano, padre Cícero encaminhou Lourenço e seus seguidores ao sítio Caldeirão. Distante 20 km de Crato, Caldeirão estava encravado na região mais árida da serra do Araripe, numa área de 900 hectares. Neste sítio, Lourenço fundou a irmandade de Santa Cruz do Deserto, uma seita de penitentes que via no trabalho uma forma de salvar a alma. Com o lema “Trabalhar e rezar”, Lourenço organizou Caldeirão baseando-se em uma lógica coletivista, distribuindo a produção de acordo com as necessidades de cada fiel. A experiência transformou a paisagem do local, que em pouco tempo passou a abastecer Crato e Juazeiro com produtos agrícolas. Na grande seca de 1932, quando cerca de 40 mil pessoas se refugiaram num campo de concentração de flagelados armado pelo governo federal em Crato, a fartura do Caldeirão se tornou um referencial e o prestígio de Lourenço aumentou. A morte do padre Cícero, em 1934, serviu para detonar a ira da hierarquia da Igreja Católica e dos proprietários rurais contra Caldeirão. Os padres temiam que Lourenço canalizasse o prestígio de padre Cícero. Os latifundiários viam contingentes da sua mão-de-obra escoando para Caldeirão. Em artigos de jornais e sermões, pregavam que Caldeirão era uma reedição de Canudos, com Lourenço no papel de Conselheiro e os monarquistas substituídos por comunistas. No dia 9 de setembro de 1936, um batalhão liderado pelo chefe da Segurança Pública do Ceará, Cordeiro de Farias Neto, chegou ao Caldeirão com a missão de destrui-lo. Lourenço fugiu antes da chegada dos “macacos” (policiais). Seguindo a orientação pacifista de Lourenço, os fiéis não resistiram. Mesmo assim, a polícia pôs fogo nas 400 casas do arraial e confiscou todos os bens da coletividade. Os fiéis se refugiaram nas cercanias de Caldeirão. No ano seguinte, os fiéis dividiram-se em duas facções. A liderada por Lourenço defendia a volta negociada a Caldeirão e recorreu à Justiça para exigir uma indenização pelas benfeitorias destruídas. O outro grupo, liderado por Severino Tavares, pregava a formação de um braço armado para Caldeirão e a retomada do sítio pela força. Em maio de 1937, os seguidores de Tavares mataram o capitão da Polícia Militar José Bezerra e quatro policiais num conflito. A vingança da morte de Bezerra ganhou o aval do então ministro da Guerra, Eurico Dutra, que enviou um batalhão de 200 homens e três aviões com a missão de destruir o que sobrou de Caldeirão. O bombardeio de Caldeirão ficou registrado como a primeira ação da Aeronáutica contra populações civis no país. O saldo foi de 200 mortos, na versão oficial, mas o próprio comandante da operação admitiu depois que morreram 700 pessoas. Contrário ao confronto armado, Lourenço refugiou-se no sítio União, em Exu (PE), onde morreu de peste bubônica, no dia 12 de fevereiro de 1946. O seu corpo foi enterrado ao lado do túmulo do padre Cícero, em Juazeiro, depois de ter sido conduzido por uma multidão pela serra do Araripe, percorrendo a pé os 82 quilômetros que separam as duas cidades. O enterro de Lourenço aconteceu à revelia da Igreja Católica, que se recusou a oficiar o ritual de despedida. Atualmente, o túmulo de Lourenço é um dos mais freqüentados pelos milhares de romeiros fiéis de padre Cícero que visitam Juazeiro

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ESTADOS UNIDOS: GUERRA, PÃO E CIRCO

‘Não em vão dizia Frederico II da Prússia que se deve fazer a guerra de tal modo que a população civil não se de conta dela. A divisa das guerras do absolutismo era: ‘ a calma é o primeiro dever dos súditos’. (G.Lukács – O romance histórico, 1954) Ainda que a condução da política econômica norte-americana, de cunho neoliberal, tenha sido responsabilizada pelas culpas do desastre econômico que se abateu sobre os Estados Unidos, irradiando-se em seguida pelo mundo, é bom lembrar que a razão dele é a manutenção de uma custosa guerra travada do outro lado do planeta a um custo astronômico que se somou a mais absoluta irresponsabilidade em conter os gastos com o consumo interno. Medidas de contenção Quando o Brasil declarou guerra às potências fascistas em agosto de 1942 , as primeiras providências do governo de Getúlio Vargas não foram no sentido da convocação das tropas mas sim de impor severas medidas de contenção de gastos. Durante os três anos seguintes o fornecimento de energia foi condicionado por cortes de luz a partir de determinadas horas, o mesmo se dando com o combustível ao lado de um rigoroso sistema de racionamento geral. Não que o Brasil temesse uma invasão nazi-fascista mas simplesmente porque tais medidas são comuns a qualquer nação que esteja em guerra. Poupa-se para gastar com as tropas, é o jejum do civil quem mantém o soldado. Exatamente o oposto tem sido a política dos Estrados Unidos. Os governos americanos, tanto o dos democratas durante a Guerra do Vietnã, como o dos republicanos no Afeganistão e no Iraque, tocaram os conflitos sem exigir sacrifícios dos cidadãos. Ao contrário, estimularam ainda mais o consumo e o gasto conspícuo. O resultado disto, primeiro, foi a grande inflação da década de 1970, e, em segundo, a atual quebra do sistema financeiro que se alastra pelo mundo. E isto, essencialmente, tem mais a ver com a prática imperial e pouco a ver com o capitalismo. Pão e Circo Na Roma antiga, os generais vindos das campanhas de espoliação dos povos subjugados, desfilavam pela cidade jogando moedas para a plebe. Em seguida, promoviam um magnífico espetáculo circense para agradá-la ainda mais. Dividindo os ganhos com a multidão no Coliseu, eles corrompiam a população tornando-a cúmplice da rapinagem. Era esta a razão de até a conversão ao cristianismo, jamais haver em Roma quem fizesse restrições morais às conquistas de um César, de um Tibério ou de um Trajano. Ora, as moedas que o governo americano jogou ao seu povo em troca do apoio foram exatamente as de ordem hipotecária. Para manter-lhe a fidelidade à invasão do Afeganistão e do Iraque, que já dava os primeiros sinais do desastre, o Congresso norte-americano aprovou em 2004, no terceiro ano da guerra, com a designação de ‘empréstimos sociais’, a lei que permitiu aos agentes imobiliários - Fannie Mae e Freddie Mac - repassar recursos para aqueles que não tinham as garantias suficientes. Ao mesmo tempo, o FED (Federal Reserve), entre 2002 e 2004, desta feita com Bagdá em chamas, manteve as taxas de juros abaixo da inflação durante 31 meses, para dopar o povo com dinheiro fácil (o endividamento das famílias que andava ao redor de 60% da renda, saltou para 130%). E, evidentemente, seguindo o conselho de Frederico II, não tomou nenhuma medida restritiva ao consumo em larga escala para que ninguém criasse obstáculos à operação colonialista contra dois paises muçulmanos, pois ‘a calma é o primeiro dever do súdito’. Um gasto astronômico O resultado disto – liberação do consumo interno mais as fantásticas despesas com a guerra no exterior por cinco anos seguidos - é que os custos previstos para a aventura, segundo o Mitch Daniels o chefe do orçamento nacional, estimados inicialmente entre U$ 100 e 200 bilhões, provavelmente alcançarão a U$ 1 trilhão em 2010. Algo assim como U$ 300 milhões/dia, gerando um déficit anual de U$ 455 bilhões. O prêmio Nobel Joseph Stiglitz e Linda Blames ( in The Trillion Dollar War: the true cost of the Iraq conflict, 2008) , por sua vez, mais pessimistas, jogam as despesas para possíveis U$ 4,5 trilhões! Contribui mais do que tudo para o desabamento das coisas o fato da ocupação ir de mal a pior, de não haver uma perspectiva de uma paz produtiva que esteja ao alcance dos olhos. Isto tudo gerou a desconfiança universal com os papéis norte-americanos. Permitiram que os sem-renda participassem de um banquete sem terem dinheiro para cobrir sequer a sobremesa, ao tempo em que deixaram livre o pasto para os ganhos extraordinários dos lobos de Wall Street.