O sepultamento da
ativista Angélica Bello foi discreto, como ela gostaria. E teria sido mais
discreto se no mesmo dia o presidente Santos não o houvesse citado em um ato
público: “Angélica,
pressionada por sua dor ou por ameaças, não sei por que, não suportou mais.
Todo parece indicar que tirou sua vida”.
A defensora de direitos
humanos de 45 anos morreu em Codazzi (Cesar) em 16 de fevereiro, às 11:45 da
noite.
Naquele sábado, estava
em um bar com uma de suas três filhas e um guarda-costas. Conforme uma
atendente, ela deixou o local aparentemente abatida por uma discussão com a
filha; esta e o guarda-costas a seguiram. Já em casa, a mulher disparou um tiro
em sua própria boca, usando a arma de um outro guarda-costas que estava de
folga.
Mas a tragédia de
Angélica Bello começou muito antes. Em 1996 ela teve que fugir de Saravena
(Arauca) com suas três filhas e um filho, em função de ameaças por ser filiada
à União Patriótica. Como desabrigada, chegou a Casanare, onde duas de suas
filhas foram recrutadas por um grupo das Autodefesas liderado por "Martin
Llanos". Bello contava que implorou ajoelhada ao temido chefe paramilitar
que lhe devolvesse suas meninas.
Dois dias depois, os
"paras" entregaram as jovens mas deram uma hora de prazo para que a família
abandonasse o povoado. Fugiu, então, para Villavicencio, onde chegaram sem
nada. Seu desespero era tão grande que, como confessou à revista Semana, pensou
em acabar com sua vida e a de seus filhos. Finalmente, com o apoio de um padre,
se recuperou.
Pouco tempo depois retomou
sua vocação política e se converteu em líder das "desplazadas"
(mulheres deslocadas de seus locais de origem por conflitos). Em 2003 sofreu um
atentado, mas isso não a impediu de, em 2006, criar a Fundação Nacional dos
Direitos Humanos da Mulher, para atender vítimas de violência sexual.
As ameaças se
intensificaram até 29 de novembro de 2009. Nesse dia, ao sair do Ministério do
Interior, em Bogotá, onde foi pedir uma reavaliação do nível de risco que
enfrentava, dois homens a sequestraram. "Abusaram sexualmente de mim.
Disseram que não iam me matar para não me transformar em mártir. ... Um deles
estava tão confiante que se pôs em minha frente e disse: 'olhe esta cara, por
que vais te lembrar dela por toda tua vida'".
Suas filhas ficaram
sabendo desse episódio pelo jornal El Tiempo, onde ela contou sua história pela
primeira vez. Dias depois da publicação, a mais velha contou a ela que os
paramilitares a haviam violado.
Mas sua força de
vontade era muito grande. Certamente o presidente Santos percebeu isso e, em
janeiro, convidou-a para compartilhar a mesa em um comitê criado pelo governo
para atender vítimas do conflito.
A última ameaça chegou
poucos dias antes de sua morte. Devia abandonar Codazzi antes da sexta-feira
passada. Segundo Paula Gaviria, diretora da Unidade de Vítimas, nos próximos
dias ela ia ser reinstalada e as medidas de sua segurança seriam reestudadas.
O esforço das
autoridades terá que focar-se agora na explicação dos fatos nos quais morreu
uma das primeiras mulheres que deram um rosto ao drama do abuso sexual em meio
à guerra.
Na sexta-feira, a Corte
Constitucional pediu ao governo maiores informações sobre a morte de Angélica
Bello e instou a implementação de medidas de segurança para sua família,
inclusive nova instalação urgente pela Unidade Nacional de Proteção.
Álex Villalobos,
companheiro de Luisa Fernanda, a filha mas velha de Angélica Bello, diz que a
perseguição da qual ela foi vítima durante toda sua vida (ameaças e atentados)
sempre buscou detê-la e frear sua luta. Por isso “decidimos que a Fundação deve
continuar. Por ela, porque sabemos o que significou em sua vida”, afirma. A
Fundação Defensora dos Direitos Humanos da Mulher (Fundhefem) nasceu em março
de 2006. É uma ONG que se propõe a liderar e promover os direitos das mulheres
que, como sua fundadora, foram vítimas de todo tipo de abusos em meio ao
conflito armado no país. E conseguiu. Seu trabalho será continuado por suas
filhas.