"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sábado, 27 de março de 2010

Os tempos da vida

No colégio, uma de nossas principais (e mais difíceis) tarefas era aprender a conjugar os verbos. Conjugar os verbos já não é mais uma condição para passar de ano; mas agora me parece uma coisa muito simbólica. Conjugar verbos é conjugar a vida. Em primeiro lugar, por causa das pessoas verbais. Começamos, e isso é muito significativo, com a primeira pessoa: “eu”. Um resultado indireto do instinto de preservação que existe em cada indivíduo. Lutamos pela vida; lutamos para nos afirmar. Na sociedade em que vivemos, esse instinto gerou um verdadeiro culto do ego, mas, felizmente para nós, a conjugação dos verbos não se esgota na primeira pessoa. Logo em seguida vem o “tu” (viva o Rio Grande, que preserva esse pronome!) e isso muda por completo o panorama de nossas relações. O relacionamento, diz-nos aquele notável filósofo da convivência, e do pacifismo, Martin Buber, acontece entre o Eu e o Tu, e se faz através do encontro, do diálogo, e da responsabilidade mútua: é uma intersubjetividade, não uma subjetividade exclusiva e frenética.
Depois temos o “ele”: este ser distante que não está no diálogo, mas que também existe e precisa ser lembrado. O mérito do “nós” é óbvio, mas confesso que não gosto muito do “vós”, cerimonioso e reverente demais; prefiro o “vocês”. E “eles” nos lembra a multidão de pessoas com quem temos pouco ou nenhum contato, uma realidade que deveria nos tornar mais humildes.Estudando a conjugação dos verbos descobríamos que, como diz a Bíblia no Eclesiastes (“Há um tempo para tudo”), existem tempos verbais para todas as fases da cronologia humana. Em primeiro lugar, temos o presente, o tempo no qual vivemos, e que nos recorda a recomendação do poeta Horácio: “Carpe diem”, curte o dia, desfruta o dia. O passado já passou, o futuro é incerto, o momento é agora, é o presente.
Mas, Horácio à parte, o passado está em nós, como estava nas páginas da gramática. E do passado havia variedades com nomes intrigantes, a começar pelo passado perfeito: “eu amei”. Admitindo que a perfeição exista, o que é muito duvidoso, por que é perfeito, esse passado? E por que “eu amava” é um passado imperfeito? E, mais surpreendente ainda, o que quer dizer um “passado mais que perfeito”, no qual “eu amara”?
Mistérios gramaticais e existenciais. Que não se esgotavam aí: logo depois, na conjugação, vinha o futuro. Tempo otimista, promissor: “eu amarei”. Meninos, acreditávamos nisso, acreditávamos que passaríamos o futuro amando, o que não era nada mau. Mas então surgia, na gramática, uma coisa chamada “futuro do pretérito”. Parece um oxímoro, uma contradição em termos: como pode o pretérito, o passado, ter um futuro? Mas o antigo nome desse tempo verbal, condicional, explicava-o: era algo que poderia ter acontecido: “eu amaria”. Eu amaria, se encontrasse a mulher de meus sonhos.
Ah, sim, e temos o imperativo, expressão verbal do autoritarismo que está em todos nós, e o infinitivo, e o gerúndio, muito usado no Brasil porque é o símbolo da postergação, do adiamento (“estou providenciando”), e o particípio passado, mais resoluto (“tá falado”).Os tempos verbais nos falam na vida. Neste início de século vamos lembrar: é bom aprender a conjugar a vida. Não se trata de nenhum exame, de nenhum ENEM. É muito mais que isso.

O deus das trincheiras

Em todo agradecimento para o alto depois de um gol ou de uma vitória, e em toda frase de exaltação a Jesus impressa numa camiseta, está implícito um reconhecimento da parcialidade de Deus.
Dizem que na I Guerra Mundial, durante as tréguas de Natal, de uma trincheira se podiam ouvir as comemorações na trincheira inimiga. Nos dois lados, cantavam hinos cristãos e havia sermões e imprecações a Deus, que era o mesmo para os dois lados, mesmo que as religiões não fossem as mesmas. Os capelães militares sempre tiveram a dura tarefa de convencer as tropas e a si próprios de que o Deus a que rezavam lhes daria a vitória. Já que não podiam dizer que cada lado tinha o seu Deus e o deles era mais forte, inferiam que o Deus invocado era único mas tinha seus gostos, e os preferia. Deus torcia por eles, não importava o que dissessem os capelães do inimigo.
Não existem capelães com o mesmo problema no futebol, mas está implícita em toda mobilização de fé religiosa antes do jogo um pedido para que Deus favoreça um lado e não ouça o outro. E em todo agradecimento para o alto depois de um gol ou de uma vitória, e em toda frase de exaltação a Jesus impressa numa camiseta, está implícito um reconhecimento da parcialidade de Deus.
Deus deveria ser banido dos campos de batalha para não se comprometer com a pior das atividades humanas, agravada pela hipocrisia, e proibido de entrar em campo de futebol para não arriscar sua reputação de isenção e fair-play. A única função de Deus num campo de futebol deve ser a de evitar a perna quebrada e o mal súbito. E, está bem, dar uma fiscalizada no juiz.
Nada contra a fé de cada um. Acreditar é bom e é bonito, e é claro que a maioria dos jogadores pede e agradece a Deus não vitórias, mas sua integridade física e seu sucesso pessoal, seja jogando no Palmeiras ou no Já Vai Tarde F. C. Mas os jogos da Seleção Brasileira têm se transformado em verdadeiros bazares de ostentação religiosa. Que algumas das marcas de fé exibidas são de picaretagens notórias nem vem ao caso. As vitórias são publicamente creditadas a Jesus, e sua bênção vitoriosa agradecida com fervor. Imagino o constrangimento de jogadores e membros da comissão técnica que não são crentes, ou pelo menos crentes a esse ponto, obrigados a participar daquele círculo de oração de graças, ajoelhados, que tem encerrado as participações triunfais do Brasil em torneios internacionais. Por coerência, o mesmo círculo deveria ser formado nos casos de insucessos brasileiros, para cobrar de Deus a mudança de trincheira.

Meu Credo", de Wolf Edler

Creio na realidade do mundo exterior, independente de uma mente perceptiva. Creio na natureza física da realidade objetiva, isto é, na inexistência de espíritos e deuses. Creio no caráter puramente físico-biológico da mente e da consciência, que não sobrevivem à morte do organismo. Creio no surgimento espontâneo do mundo e da vida. Creio na evolução natural das espécies vivas. Creio no indeterminismo e na incausalidade como possibilidades no encadeamento de eventos. Creio no acaso e em nenhuma predeterminação como o fator condicionante do rumo da evolução. Creio na impessoalidade do bem e do mal e na superioridade do primeiro. Creio que a felicidade é o supremo bem, mas que ela não é gozo desenfreado de prazeres, mas sim a satisfação interior de se fazer o bem. Creio que a verdade seja o maior valor a ser perseguido. Creio no ceticismo metodológico como a melhor ferramenta para a busca da verdade. Creio que a conduta humana pode ser balizada por princípios éticos decorrentes de concepções puramente naturalistas. Creio na capacidade humana de disseminar o bem e erradicar o mal. Creio na capacidade humana de atingir a verdade por seus próprios recursos intelectuais. Creio na ciência como o único caminho para se atingir a verdade. Creio que o amor incondicional, ilimitado e irrestrito seja a atitude a ser tomada e o conselheiro a ser ouvido em tudo o que se faça. Creio na possibilidade de se construir uma sociedade justa, fraterna, pacífica, harmoniosa e feliz. Creio na tolerância, na solidariedade, na operosidade e na honestidade como condutas exemplares para a construção dessa sociedade. Creio na virtude e não na vantagem, como a regra exemplar de vida a ser perseguida por toda pessoa. Creio na bondade como a maior de todas as virtudes. Creio na educação e na cultura artística, científica e filosófica e não na religião ou na violência, como meios para se atingir essas condições. Creio no sonho de se realizar tudo isto como a grande motivação para se viver. Creio na luta pela concretização desse sonho como o maior significado que se possa dar à vida.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Carlos Gardel vive

“Onde está ( repito) a malandragem/Que fundou em ruela empoeirada/ De terra ou em perdidos povoados/ Uma seita da faca e da coragem? “J.L.Borges – O Tango Carlos Gardel foi o maior cantor de tangos de todos os tempos. A sua morte, motivada por um acidente aéreo durante uma tourné pela Colômbia ocorrido em junho de 1935, nunca foi aceita pelos seus admiradores que se contavam aos milhares , aos milhões, pelo continente americano inteiro. Ele é um caso raro de imortalidade, pois até hoje suas 930 gravações são ouvidas como na época em que as gravou, de 1917 a 1933, e sua voz continua ecoando pelas rádios e salões em todas as partes da Argentina como se nada houvesse. Gardel reaparece aos seus Viram-no, juravam, em todos os lugares. Se bem que sua aparência era assustadora, sem dúvida, diziam, era ele, era Carlos Gardel. As roupas em frangalhos, o cabelo castanho escuro, que ele sempre trazia impecavelmente engomado, estava chamuscado e em desalinho, parecia um torto. Mas quando o farrapo se punha a cantar, dedilhando a guitarra, tendo ao fundo um bandonéon e um par de violões, o público, em Bogotá, em Caracas, em Montevidéu, no Porto Rico, no Rio de Janeiro, ou na Corrientes com Paissandú, esquecido do seu rosto queimado e da sua aparência de além-túmulo, se convencia: era Carlitos sim quem estava no palco. A sua voz impressionante, inesquecível, não deixava um só espaço da bodega ou da taverna sem sua presença. Comoviam-se, pois tudo indicava que ele saíra vivo do acidente aéreo na Colômbia. A imprensa mentira ao noticiar o infausto de Medelin, pois Carlos Gardel estava ali, vivíssimo. Os fãs o tornam imortal Uns três dias antes da tragédia do vôo para Medelin, ainda em Bogotá, naquele ano estafante e fatídico de 1935, ele se emocionara com um coral de colegiais, dirigido por uma desconhecida professora, que ensaiara uma meia dúzia das suas letras. Gardel fora às lágrimas. Agora, depois da queda, parecia uma alma penada arrastando-se de salão em salão, assustando a platéia com sua aparência de assombração, mas logo fascinando-a com sua presença estentórea. Não deixaram Gardel morrer. Em todo o mundo latino-americano, inclusive no sempre afastado Brasil, ninguém aceitou a idéia de ele fosse um homem comum, desses que morrem e logo se enterram. Portanto, em uníssono, concordaram em que ele não podia simplesmente ir-se. Tanto é que viram-no trovando com Noel Rosa num botequim da Vila Isabel. O mausoléu no La Chacarita Está certo que promoveram-lhe exéquias fúnebres, dia em que Buenos Aires em peso, de luto fechado, acompanhou-lhe o féretro em prantos, e até um pequeno mausoléu lhe ergueram no cemitério de La Chacarita. Local de romaria kitsch, onde sua elegante figura em bronze negro - El bronze que sonrie -, está lá de corpo inteiro, coberto de placas de agradecimentos e ramadas de flores que sempre começam a se avolumar a partir de 24 de junho, data do pseudo-acidente, mas ninguém deu muito crédito a isso, pois todos sabem que Carlitos não morreu. Os músicos que partilhavam com ele nas suas aventuras, aquelas longas viagens que faziam de barco, lembravam-se dele aparecer no convés, com o pescoço sempre protegido, mas com um cigarro no canto da boca, imaginando qual seria o rateio do turfe no próximo porto em que desembarcariam, pois, diziam que Carlitos cantava para pagar suas apostas no prado. Depois ele as lamentava, como ele fez no célebre tango “ Por una cabeza”, onde o seu favorito, o potro Lunático, perdeu o páreo por um nada. O tango universalizou-se Se bem que seu nome se encontra no Dicionário de Mitos e Lendas, como podem dizer que ele se foi se sua voz melhora cada vez mais? Foi ele quem trouxe o tango - proibido em Buenos Aires desde 1806! -, dos arrabaldes suspeitos para dentro Teatro Colón. Dali, deixando a boina, o lenço suado no pescoço e o punhal para trás, com o tango enfatiotado, foi um passo para Barcelona , para Paris, para Nova Iorque, para Hollywood, para o mundo. Entre-se onde se entrar, pelos salões de dança de todas as partes, que o inconfundível som de Gardel se fará presente. Como qualquer outro ser mitológico, é impreciso o seu local de nascimento. Dizem, é Mme. Bricheteau quem assegura, que foi na rua du Canon d'Arcole em Toulose, na França, em 11 de dezembro de 1890, e que aos 27 meses de idade desembarcou em Buenos Aires. Os orientais, provavelmente para incomodar os portenhos, teimam em apontar Tacuarembó, no Uruguai. Gardel foi um garoto gorducho, chegando aos 104 quilos. O seu pai dera-lhe um acordeão e dona Berta, sua mãe, preocupada com o sedentarismo dele, encheu-lhe de comida. Depois ficou um rapagão: um boa pinta com bons dentes e um vozeirão, a loucura das mulheres. São elas que até hoje não o deixam morrer. O macho sofrido E elas têm toda a razão para isso, visto que Gardel, rompendo com a tradição milonguera do canalha ressentido, fazia às vezes do machão abalado, lamentando a rejeição e o abandono da amada. Numa das suas canções, Mano a mano, a preferida de Júlio Cortázar, até uma mulher da vida não deixa de ser “ una buena mujer”. Por essas e outras é que Borges disse que Gardel afeminara o tango, porque nenhum gaúcho que prestasse, um garanhão dos bons, chorava a perda de uma mina, ou, pior, oferecia o ombro a uma ex-amante que o traíra. Pois agora é Buenos Aires, a querida de Gardel, quem desastrou-se, derrotada pela insânia nacional. Longe, bem longe ficaram os tempos em que se dizia que alguém era “ rico como um argentino.” Não só Buenos Aires infelicitou-se, mas é a pátria argentina, vandalizada, pilhada e saqueada pelos seus, quem aparece a todos como um tenebroso espectro da antiga grandeza, obrigando o seu povo, outrora orgulhoso, varonil, com o coração aos pedaços, a - como diz a primeira estrofe do profético tango Cuesta abajo, de Alfredo La Pera, de 1933 - , “arrastar-se pelo mundo com a vergonha de ter sido e a dor de já não ser” .

Nabuco e os abolicionistas ingleses

Tal como Abraão Lincoln antes dele, Joaquim Nabuco entendia que a luta contra o regime escravista não era um batalha local a ser travada apenas com os recursos da opinião interna. Tratava-se de algo bem mais profundo: a expansão da civilização e a evolução da humanidade para planos superiores. Algo absolutamente incompatível de coexistir com o sistema escravista. Enquanto o Brasil mantivesse um só escravo estava fora do circulo das nações progressistas e adiantadas do mundo.
Convertendo-se ao abolicionismo
O gosto pelo abolicionismo não era estranho a Joaquim Nabuco, filho exemplar de uma família da alta fidalguia de Pernambuco. Seu pai, o senador José Thomas Nabuco de Araújo, quando assumira o Ministério da Justiça (entre 1853-57) celebrizara-se por reprimir as práticas remanescentes do tráfico de escravos que teimava sobreviver apesar da Lei Eusébio de Queirós (aprovadas em 1850 e que proibiram o tráfico negreiro), assim como fora um dos mentores da Lei do Ventre Livre promulgada em 1871. Todavia, o jovem Nabuco, eleito para o parlamento do Rio de Janeiro ainda não se sentira tocado pela grande causa até que lhe chegou ao conhecimento a situação dos escravos mantidos por uma empresa inglesa que atuava em Minas Gerais: a St. John Del Rey Mining Co, que explorava um veio no Morro Velho. Segundo fora apurado ela se comprometera em dar a manumissão aos negros após 14 anos de trabalho. O prazo já havia vencido sete anos antes, mas a mineradora continuava mantendo-os em cativeiro. Para sorte de Nabuco, seu discurso chegou ao conhecimento da British Anti-Slavery Society, instituição filantrópica inglesa que existia desde 1823, e que fora refundada em 1839 para fiscalizar o cumprimento da Anti-Slavery Act, lei parlamentar de 1833 que proibira a continuidade da escravidão na maior parte do Império Britânico. Não tardou para que o parlamentar brasileiro recebesse uma efusiva carta de apoio do secretário da instituição Charles H. Allen, datada de 9 de janeiro de 1880. Correspondência que deu início a estreita relação que desde então se estabeleceu entre Nabuco e os abolicionistas britânicos. Como resultado concreto daquela demonstração de simpatia, Nabuco (que viria a se tornar um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos) encorajou-se para fundar em 1880 algo equivalente no Brasil: a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, da qual se tornou presidente enquanto o famoso André Rebouças, outro militante abolicionista, assumiu-lhe a tesouraria. Percebeu, talvez com mais profundidade do que a maioria dos outros militantes da causa, a necessidade de mobilizar a opinião publica internacional esclarecida para pelo menos constranger os que desejavam manter no Brasil as coisas como estavam, isto é, a elite política monárquico-escravagista que dominava a maioria das composições dos gabinetes governamentais durante o II Reinado.
A estratégia dos abolicionistas
Nabuco não somente ganhou suporte internacional para sua causa, mas também adotou a estratégia de ação da Anti-Slavery britânica que advogava o caminho da permeation, da persuasão, e não da força ou da revolução para superar a ‘questão servil’. A Anti-Slavery era pacifista, convicta de que apelando diretamente para a consciência cristã dos que viviam ou tinham lucros com o negócio de escravos finalmente se convencessem da desumanidade daquilo e abandonassem aquelas práticas infames. Na lógica da adoção deste caminho, Nabuco que trocou mais de cem cartas com a instituição britânica, entre 1880 e 1889, jamais se imaginou colocando-se nas portas das senzalas a conclamar a escravaria à fuga ou à revolta sangrenta. Tudo poderia ser resolvido no parlamento, na luta política entre os abolicionistas e os escravagistas até que estes, finalmente convencidos, se dessem por vencidos e aprovassem as leis libertárias. Enquanto isto não se dava ele municiava a imprensa britânica com dados e detalhes das misérias da escravidão brasileira. Acusaram-no de antipatriota por isto.
Inserir o Brasil na civilização
A luta dos britânicos contra a existência da escravidão no Brasil remontava à chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808. Desde aquela época os senhores de escravos brasileiros conseguiram protelar ao máximo as leis abolicionistas. Somente em 1850 proibiu-se o tráfico negreiro, levando-se mais dez anos depois para aprovar-se a Lei Sexagenária (que libertava os escravos velhos) e mais de vinte anos daquela para fazer a Lei do Ventre Livre passar (1871). Nabuco entendia que – desde que a escravidão fora abolida na maioria dos países e dos império ocidentais - o destino do Brasil não podia ser a marginalidade perpétua. Era preciso pensar no futuro. E neste horizonte que descortinava, bem mais amplo do que os limites das fazendas do interior do país, não se via mais a possibilidade da sobrevivência do trabalho servil. Era, acima de tudo, uma questão de inserção na civilização e para adentrar nas suas portas as nações adiantadas exigiam a decretação do fim da exploração servil. Por conseguinte, longe dele se ver como um traidor, um antipatriota, como os escravagistas o acusavam, ele se considerava o maior dos patriotas por querer elevar o patamar do Brasil à altura dos grandes países ocidentais. O nacionalismo que muitos senhores de engenho e de terras de cafezais diziam defender na verdade era um localismo obscurantista, a negação teimosa deles em fazer parte de um mundo melhor, dominado pela liberdade e pelo trabalho assalariado. Em estudo recentemente editado por Antônio Penalves Rocha ele demonstra que o envolvimento de Nabuco com a causa arrefeceu a partir de 1884 em razão da radicalização que o Movimento Abolicionista assumiu. A política de sistemática postergação adotada pelos políticos do império exasperava a juventude brasileira engajada como também os escalões da oficialidade de inclinação republicana. Nabuco, todavia, mantinha-se monarquista, acreditando poder convencer D.Pedro II a ser ‘ o nosso Lincoln’ e entrar na história como o emancipador dos escravos tal como se consagrara o presidente dos Estados Unidos com a aprovação da XIII Emenda, de 1863. Todavia, no dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, no 13 de maio de 1888, Nabuco estava ao seu lado, crente que o gesto magnânimo salvava a monarquia. Na verdade, ao emancipar o braço negro, ela assinou a sentença de morte do trono visto que ele estava firmemente assentado sobre a escravidão.
Bibliografia BETHELL, Leslie; CARVALHO, José Murilo de. Joaquim Nabuco e os abolicionistas britânicos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008. NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1976. ______ O Abolicionismo. Brasília: UnB, 2003. ROCHA, Antônio Penalves. Abolicionistas ingleses e brasileiros. São Paulo: UNESP, 2009. SALLES, Ricardo. Nabuco, pensador do império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002

domingo, 21 de março de 2010

Ética e Política

As decisões políticas devem ser tomadas em foro intimo, por meio de um grupo reduzido de privilegiados, ou, ao revés, estar em aberta sintonia dos agentes políticos para com a opinião pública? Esta é a reflexão feita pelo professor de filosofia da UNICAMP Roberto Romano exposta a seguir.
Política, a flauta de Pan
Política já foi definida como a “arte do engano”, ofício específico do demagogo, dos que enganam ou seduzem os votantes com sua retórica especial. Atuam como se soprassem a flauta de Pan, atraindo os incautos para o seu redil, emitindo apenas os sons maviosos que os ouvidos deles gostam de ouvir. Por tanto a mentira passou a ser questão da análise da ciência política em todos os tempos, sempre sendo um problema atual. Para Roberto Romano, professor de filosofia e ética, por exemplo, não se pode separar eleição da mentira, das estratégias de falsidade usadas pelos que desejam ser escolhidos nas campanhas eleitorais. Como que para melhor ilustrar sua opinião, invoca a um dos diálogos de Platão, o famoso “Górgias” (escrito em 392-1 a. C.), o qual reproduz a contundente crítica que Sócrates fez exatamente ao uso escandaloso da mentira para fins políticos. Prática a qual os demagogos recorriam com absoluta falta de cerimônia. O pior, para o filósofo ateniense, era que a adulação irresponsável estragava o povo ainda mais, aviltando-lhe o censo de ética.
A Perplexidade de Sócrates
Neste mesmo diálogo ele narra a perplexidade de Sócrates, o mais sábios dos gregos, em seu debate com Górgias, Pólo e Calicles, seus três contendores, para com o comportamento político do povo. Se bem que qualquer cidadão procure sempre o melhor profissional ou um bom especialista quando deseja que lhe prestem um serviço (arrumar uma porta, consertar o telhado da casa, fazer-lhe um móvel, construir-lhe um navio), ou ainda recorre ao mais competente dos médicos para cuidar da sua saúde, quando se trata de fazer as escolhas eleitorais (aeresis em grego), ele não age com o mesmo discernimento nem com a mesma responsabilidade. Deixa-se, em geral, levar pelo canto da sereia dos candidatos demagogos e acaba dando o seu voto aos tipos menos qualificados que se oferecem na praça. Exatamente no momento em que teria de indicar para o leme do estado aquele que fosse o mais sábio, o de maior conhecimento e habilidade para o cargo, o artesão do estado por ele escolhido era o contrário disso tudo. Quem vencia o pleito na democracia era o mentiroso, o do discurso mais enganoso. Esse foi um dos motivos para que Platão designasse o regime da maioria como uma “teatrocracia”. E tudo isso em função do que? Qual seria o motivo desta irracionalidade das coisas da política? Para ele, a resposta a essa escolha geralmente equivocada feita no sistema democrático estava no fato de que do mesmo modo que qualquer um tem apreço por sua liberdade, devota o mesmo encanto por si mesmo. Isso é que faz com que lhe agrade ser bajulado deixando-se seduzir pela lábia dos espertos. Por conseguinte, é essa paixão infantil dos indivíduos pelo seu próprio ego (hoje diríamos narcisismo) que os conduzem ao auto-engano, refugando por isso os verdadeiros estadistas que apresentam “remédios amargos” para curarem as mazelas da sociedade.
Infantilismo do povo
Numa democracia, o povo é igual a uma criança sempre pronta a se deixar levar por um oportunista ou por um aventureiro que lhe oferece confeito envolto com palavras de mel. Mas então Platão bane da política qualquer tipo de mentira? Não. Numa situação pelo menos ele a aceita: no caso da “mentira nobre”. Isso se o governante for por acaso o rei-filósofo, o sábio regente idealizado por ele no diálogo “A República”, que conduz as coisas do estado com eficácia e sensatez. As decisões mais importantes, por força das circunstâncias, devem ser tomadas na intimidade do poder, circunscritas a um grupo fechado. São acertadas por uma pequena cabala em conciliábulos ou em gabinetes secretos e que não devem chegar aos ouvidos do povo. E isso ocorre em benefício do próprio povo, pois somente o magistrado magnífico, assumindo-se como “autoridade oculta, misteriosa”, é quem realmente sabe o que é e o que não é do interesse público.
O Estado Absolutista
Esta prerrogativa, respaldada por um grande nome da filosofia como o de Platão, dado ao governante, ainda que ilustrado, abriu caminho para que a mentira dita em nome do bem geral do estado e da comunidade se transformasse com o tempo na famosa Razão de Estado, a tão exaltada Raizon d´Etat, defendida pelo Cardeal de Richelieu, primeiro-ministro de Luis XIII, guardião do Estado-Forte na França do século XVII, que desculpava até os crimes feitos pelo executivo (ver: O Príncipe de Maquiavel e o Testamento Político do Cardeal de Richelieu). Virou um pretexto para que os ministros ou chefes do executivo lançassem mão dela para não dar explicações públicas dos seus atos. Toda estrutura do poder do Estado Absolutista ancorou-se então na premissa de que o soberano e aqueles que o servem não devem explicações a ninguém, senão que “somente a Deus”. Ao concentrar em si todas as deliberações importantes e também as menos importantes, fez do segredo de estado uma arte do bem governar. Era um estado controlado por uns poucos selecionados apoiados nas largas costas do Todo-Poderoso e que conduzia os súditos como um pastor faz com suas ovelhas.
O Principio da Responsabilidade
Este comportamento – o das decisões secretas - dominante em boa parte da Europa na época do auge do absolutismo, entre os séculos XV e XVII, sofreu um formidável abalo com a Revolução Puritana na Inglaterra (1642-1649), liderada por Oliver Cromwell, pois ela introduziu a semente de uma idéia que mais tarde iria se efetivar na república norte-americana (difundindo-se então para todos os demais regimes políticos similares que surgiram na modernidade). Os ingleses a denominaram de accountability, isto é, o conceito da responsabilidade, justamente para afastar a cortina que cobria os atos governamentais e as decisões tomadas na calada da noite. Cabia ao governante, chefe do executivo ou ministro, dar satisfações públicas dos seus atos. Apresentar ao povo nos foros indicados, em geral por um pronunciamento dado frente ao parlamento, quais eram as medidas por ele tomadas e qual sua motivação ou razão de ser. Com isso invertia-se a situação anterior na qual as autoridades não apresentavam nenhuma justificativa do que faziam ou pensavam fazer. Para legitimar sua posição - o cargo que ocupavam, no executivo ou no legislativo - dali em diante eles tinham que dizer a verdade ao povo. Governar com transparência tornou-se uma obrigação. Alargou-se então o caminho para o Estado Democrático dos nossos dias.
O Estado no Brasil
Todavia no Brasil, o verdadeiro estado fundou-se ao contrário desse principio da responsabilidade adotado pelas nações anglo-saxãs. A corte de D.João VI, fugida de Lisboa. implantou por aqui, desde sua chegada em 1808, o Estado Absolutista, isto é, uma força antiliberal e antidemocrática: antipovo em suma. Quando se deu a independência, D.Pedro I em seguida, pela Carta outorgada de 1824, deturpando a idéia do Poder Moderador (concebido por Benjamin Constant, famoso constitucionalista), instituiu um estado que parecia uma cópia do Estado Absolutista. Para Constant, aquele quarto poder, além de ser neutro, deveria impedir que os demais poderes (executivo, legislativo e judiciário), cometessem qualquer tipo de abuso ou escorregão tirânico. Pois no Brasil, o Poder Moderador simplesmente foi entendido como algo bem acima dos outros, estando inteiramente à disposição do imperador, tornando-o constitucionalmente um ser superior a todos os outros: o “protetor perpétuo do Brasil”. D.Pedro I, na verdade, ao pairar como se fora um astro-rei sobre a sociedade e suas instituições, colocou-se na posição da mais absoluta irresponsabilidade visto que não tinha que responder senão que “ao Divino” sobre seus atos ou decisões. O resultado disso ao longo da história nacional (sendo que muito disso seguiu incorporado pela Republica de 1889), foi que o poder central, quase sempre forte e centralizador, interferiu sistematicamente nos estados, tornando letra morta o principio do federalismo (uma das razões da proclamação da república). No concreto, o país é dominado pela conjunção de interesses formados pelo Exército, pela Diplomacia e pelas Oligarquias regionais, que se consolidaram como sendo os autênticos três poderes do Brasil. Além disso, numa aberta rejeição ao conceito da responsabilidade, as diversas constituições mantiveram o principio do “foro privilegiado”, dando imunidade aos altos escalões políticos e administrativos, prerrogativa idêntica a que os aristocratas gozavam antes da Revolução Francesa de 1789. Formam, portanto, uma casta de irresponsáveis, visto que não precisam explicar-se para ninguém. Por conseguinte, segundo Roberto Romano, “somos uma federação que não é uma federação, nós somos uma democracia que não é democracia, nós somos uma república que não é república, porque num estado que existem seres superiores não há república”.

quinta-feira, 18 de março de 2010

MICHELANGELO BUONARROTI - A OBRA DA PERFEIÇÃO DA BELEZA

Ao longo da história da humanidade a arte andou sempre ao lado do homem, dando emoção e beleza ao cotidiano, não importando o século ou a tendência. A arte gerou muitos artistas através do tempo, mas poucos atingiram a grandiosidade de Michelangelo Buonarroti. Sua obra, de uma beleza estética perfeita, de genialidade e sensibilidade raras, constitui um precioso patrimônio da arte, sublimemente presenteada à humanidade. De uma força humana avassaladora, as obras de Michelangelo atravessaram o tempo, cinco séculos passados, e continuam a fascinar o mundo inteiro. Suas estátuas atingiram a perfeição da beleza humana, que imóveis contemplam o mundo, como se a qualquer instante fossem falar. Sua pintura pulsa, como se tomada por uma força arrebatadora, encerrando em si, o drama do homem ante à vida, que se lhe mostra inquietante, bela, fiel à proposta do seu autor. Michelangelo procurou, incansavelmente, atingir à beleza perfeita, à promessa do ideal grego de estética. Tinha uma obsessão latente pela beleza masculina, dilatando-a e explorando-a na mais completa tradução. Por fora o artista trazia cicatrizes no rosto e na alma. Adorador do belo, o mestre viu o seu rosto deformado após ser agredido por um dos seus desafetos. Viu o corpo envelhecer e definhar-se na longevidade de vida que alcançou, quase noventa anos de uma existência angustiada. Viveu dramas políticos e ideais insólitos, amou à terra natal, Florença. Entregou-se às paixões proibidas da sua homossexualidade latente, muitas vezes dilacerando os sentimentos para proteger-se do seu tempo. Michelangelo buscava as respostas das tormentas da sua alma, era um homem instável e de arroubos tempestivos. Quando penetrava dentro de si mesmo, transbordava obras definitivas, de um poder criador magnânimo. De uma inspiração sublime, deixou-nos a melancolia irremediável que emana da “Pietá”; da perfeição humana diante de um “David” fulgente; ou do Cristo vingador e triunfante do afresco da Capela Sistina do “O Juízo Final”. Da construção da catedral de São Pedro, encomendada pelo papa Paulo III, à tumba inacabada da família Médici, a obra de Michelangelo traz a grandeza apaixonante da saga humana, conflitante com a beleza dos corpos e as imposições da alma, dos costumes e de uma sociedade caminhante para a generosidade trágica do viver. Michelangelo deixou, através da sua obra, o retrato das suas angústias, revelado na beleza fascinante de um mundo convulsivamente humano. Formação na Escola de Lourenço de Médici Michelangelo Buonarroti nasceu em 6 de março de 1475, em Caprise, na província de Florença. Nasceu em uma família de linhagem aristocrática antiga em Florença. Seu pai, Ludovico di Lionardo Buonarroti Simoni, era um homem violento, fervorosamente religioso. Aos seis anos, Michelangelo perdeu a mãe, sendo cuidado por uma ama de leite. Já na escola, Michelangelo demonstrava a sua aptidão para as artes, enchendo os cadernos de desenhos, desligando-se das matérias ensinadas. A postura rendeu-lhe a perseguição do pai e dos irmãos, que não suportavam a idéia de ter um artista na família. Por causa dos desenhos, foi muitas vezes espancado, ora pelo pai, ora pelos irmãos. Mas a sua obstinação pela arte foi mais forte e, aos treze anos, venceu à resistência paterna, ingressando como aprendiz, no estúdio de Domenico Ghirlandaio, em Florença. Ghirlandaio era considerado um mestre da pintura de Florença. A permanência de Michelangelo em seu estúdio foi curta, durando apenas um ano. Os motivos da sua saída seguem duas vertentes narrativas, uma de que teria sido pelo artista considerar as aulas de pintura lentas e limitadas, de preferir a escultura à pintura; outra versão é de que movido pelo ciúme, Ghirlandaio afastou o seu aluno, ao perceber que os trabalhos deste eram melhores que os seus. Nenhuma das versões são confirmadas por documentos históricos. Ao deixar Ghirlandaio e à sua pintura, Michelangelo entrou para a escola de escultura que o mecenas Lourenço de Médici, o Magnífico, rico senhor e protetor das artes, matinha nos jardins de São Marcos, em Florença. Lourenço de Médici interessou-se pelo talento do novo estudante, hospedando-o em seu palácio. Michelangelo encontrou-se com a plenitude do Renascimento italiano, vivendo em um ambiente de atmosfera erudita e poética, ao lado da elite nobre e intelectual de Florença. Seria no convívio do palácio dos Médici, que Michelangelo assimilaria os alicerces renascentistas que caracterizariam as suas obras, abraçando o apego à natureza e ao ideal do homem perfeito, que deveria ser belo, bom e verdadeiro. Surge o seu primeiro trabalho na pedra, trazendo adolescentes atléticos, de beleza impassível, como deuses olímpicos envolvidos na perfeição dos corpos. Ao produzir “O Combate dos Centauros”, Michelangelo demonstrava a obsessão que o perseguiria para sempre, a de arrancar corpos carnosos e vivos do mármore, projetando dimensões espetaculares. Michelangelo traduzia, desde o inicio, a sua paixão pela escultura. Do Profano ao Sacro Michelangelo sempre demonstrou uma inquietude latente, sem muita paciência para o que considerava medíocre. Sua genialidade destacava-o dos demais alunos dos jardins de Lourenço de Médici, o que lhe fazia tempestivo e sem cordialidade com os menos talentosos, a quem ironizava sem diplomacia alguma. O temperamento franco valeu-lhe o confronto com Torrigiano dei Torrigiani, um vaidoso e agressivo companheiro de escola, que ao ver o seu trabalho ridicularizado, desferiu um golpe tão violento no rosto de Michelangelo, desfigurando-o para sempre o nariz. Amante da beleza e da sua perfeição, a deformação no rosto atormentaria Michelangelo para sempre, sem que jamais pudesse deixar de arranhar a sua sensibilidade. O apogeu renascentista de Florença sofreu um grande golpe, em 1490, quando o monge Savonarola começou uma inflamada pregação mística, apregoando o ascetismo religioso, condenando a arte profana e perseguindo aos seus adeptos. Para piorar a situação, Lourenço de Médici morreu, em 1492, forçando Michelangelo a deixar o palácio. A revolução fanática de Savonarola explodiu em 1494, obrigando o artista, um mês antes, a fugir para Veneza. Ele só retornaria a Florença na primavera do ano seguinte, encontrando um ambiente tomado pelo fervor religioso, assistindo à queima de livros e quadros considerados como vaidades ofensivas à religiosidade. A inquietação rebelde de Michelangelo, fez com que ele, neste ambiente hostil, seguisse na contramão dos preconceitos, esculpindo “Cupido Adormecido”, uma obra pagã. Diante de uma atmosfera tão conservadora e de fanatismo religioso, Michelangelo deixou Florença, seguindo para Roma, onde esculpiria duas belas obras, “Baco Bêbado” e “Adônis Morrendo”. A lembrança de Florença e do seu esplendor na época de Lourenço de Médici jamais abandonaria o artista. Com o tempo, Savonarola e os seus seguidores passaram de perseguidores a perseguidos. Em 1498, após desafiar o papa Alexandre VI, o monge é queimado em praça pública. Nesta época Michelangelo já se tornara um homem triste e melancólico, tristeza esta expressada na melancolia sem fim da figura da sua obra “Pietá”. Por um instante, ele deixou o profano, debruçando-se com maestria sobre um tema clássico e religioso. A alegria esvaída não invalida a beleza cada vez mais perfeita de uma obra que parece jamais deixar de atingir um apogeu a cada novo trabalho. Na época da criação da Pietá, ninguém acreditava que um artista tão jovem pudesse conceber uma obra tão intensa, talhada para ser uma das mais belas já produzidas sobre o tema. Um jovem que, precocemente, entristecera a sua alma, mergulhando em um trabalho a vislumbrar obsessivamente a perfeição. Obras Perfeitas Arrancadas do Mármore Mesmo com a morte de Savonarola, Michelangelo continuou em Roma, envolto cada vez mais em uma tristeza crônica e numa ansiedade de moldar obras grandiosas, de belezas perfeitas, arrancadas da frieza do mármore, convertidas em figuras pulsantes, quase vivas. Na primavera de 1501 Michelangelo retornou a Florença, para executar a obra que refletiria o amadurecimento da sua arte. Tomou para si um imenso bloco de mármore abandonado há quarenta anos, pertencente à catedral da cidade. O bloco tinha sido entregue a Duccio, para que nele fosse talhada a figura de um profeta, mas o escultor morrera repentinamente. Michelangelo trabalhou no bloco, modelando a grandiosidade da sua obra monumental. Usou a sua força física, com golpes intensos de martelo, que deixavam o mármore aos poucos, tomar forma de um homem perfeito, de plena exuberância das suas formas, surgia “David”, jovem e vigoroso a vencer o gigante Golias. A estátua colossal deslumbrou uma comissão de artistas, que incluía Botticelli, Leonardo da Vinci, Perugino e Pilippino Lippi. Cercado pelo fascínio de todos, Michelangelo explicava a sua técnica diante do mármore bruto e da concepção da figura: “A figura já está na pedra, trata-se de arrancá-la para fora.” Ao ser questionado onde que se iria pôr a estátua de David, Michelangelo foi categórico, deveria ficar na praça central de Florença, a Piazza Della Signoria (Praça da Senhoria), em frente ao Palazzo Vecchio (Palácio Velho). Assim foi feito, a estátua ficou neste local de 1504 até 1873, quando foi transferida para a Galleria dell’Accademia, protegendo-a da depredação dos ataques constantes do povo, que consideraram a nudez do David um atentado à moral. Encontro com o Papa, em Roma Após o término da estátua colossal de David, concluída em 1504, Michelangelo retornou a Roma, em 1505, chamado pelo papa Júlio II. O pontífice encomendou-lhe um mausoléu monumental, digno da época áurea da Roma Antiga. Entusiasmado, o mestre partiu para Carrara, onde ficou oito meses, a conceber o projeto e a escolher o mármore que nele iria usar. Enormes blocos de pedra foram enviados para Roma, acumulando-se na Praça de São Pedro. Um desentendimento do escultor com Júlio II, fez com que este suspendesse a obra, em janeiro de 1506. No lugar do mausoléu, o papa decidiu reconstruir a Praça de São Pedro, sem consultar Michelangelo. O artista sentiu-se humilhado, além de ter ficado endividado. Sem alternativas, Michelangelo voltou para Florença. A reconciliação com Júlio II viria algum tempo depois, quando este lhe encomendou uma estátua de bronze para a fachada da Igreja de São Petrônio, em Bolonha. Michelangelo protestou, pois não tinha técnica com o bronze, mas Júlio II insistiu no capricho, e durante quinze meses, o artista trabalhou arduamente na estátua, que seria erigida em 1508. A estátua de bronze de Júlio II teve apenas quatro anos de vida, sendo destruída, em dezembro de 1511, por políticos inimigos do papa, sendo o material usado para a construção de um canhão. Ao voltar a Roma, Michelangelo teve, mais uma vez um pedido que não lhe agradou, vindo de Júlio II, o de decorar a abóbada da Capela Sistina. O artista menosprezava a pintura, não escondendo a sua paixão pela escultura. Tentou declinar da encomenda do papa, vociferando: “Não sou pintor, sou escultor.” Mas não conseguiu desvencilhar-se do trabalho e dos caprichos do papa. No dia 10 de maio de 1508, ele começou a produzir uma das mais grandiosas obras da sua autoria e da humanidade, os afrescos da Capela Sistina. Michelangelo Pinta os Afrescos da Capela Sistina Michelangelo dispensou os pintores que lhe haviam sido dados como ajudantes. Sozinho, começou a executar um trabalho fustigante, que lhe consumiria a alma e a saúde. Tornou-se herói de si mesmo, numa luta árdua entre a sua intuição criativa, a reprodução da criação e os limites do corpo e da existência. Michelangelo mergulhou nas entranhas da sua inspiração, arrancando dela um vasto cenário da existência do homem, com as suas tragédias, esperanças e promessas eternas. Mais do que decorar uma abóbada, ele retratou a própria humanidade, desde o princípio da criação às profecias da existência. Michelangelo sofreu todas as vicissitudes de quem estava disposto a erigir uma obra grandiosa. Decidiu pintar não só a abóbada da capela, como às suas paredes. O trabalho era lento, exaustivo, quase imperceptível em seu avanço, o que fez com que Júlio II não lhe pagasse um tostão por mais de um ano. Michelangelo foi atormentado pela falta de dinheiro. Sofreu com a cobrança constante de Júlio II, que lhe perguntava, impacientemente, quando teria a capela pronta, aa que ele respondia com ironia: “Quando eu puder!”. Os momentos de tensão foram tão intensos entre dois, que o artista chegou a ser agredido pelo pontífice com golpes de bengala. Diante das animosidades, Michelangelo tentou fugir de Roma, mas foi impedido pelo papa, que lhe pediu desculpas e mandou que lhe fosse entregue a quantia de quinhentos ducados. Após longos quatro anos de agonia, sofrimento e criatividade única, Michelangelo concluiu a sua obra. No dia 2 de novembro de 1512, o artista retirou os andaimes que encobriam a perspectiva total da obra, permitindo a presença do papa à capela, para que pudesse ver o resultado. A pintura trazia toda a trajetória humana, guiada pela plenitude do Criador. Trezentos personagens do Antigo Testamento desfilavam pela abóbada da capela, de 40 metros de largura por 13 de altura. Figuras dramáticas moviam-se em multidão, umas sentadas, outras que flutuavam. Michelangelo retratava Deus com um corpo vigoroso e retorcido, retesado no ato de criação do universo, a dar o toque vivificador, com a ponta do dedo, em Adão, primeiro ser vivente. Assim, os afrescos traziam os episódios do Gênesis, “A Criação”, “O Pecado” e o “Dilúvio”, acompanhados dos profetas. Nos quatro ângulos, reproduzia a libertação de Israel: a “Serpente de Bronze”, os “Triunfos de David”, “Judite” e “Ester”. Júlio II foi o primeiro a ter a visão de um esplendor criativo de beleza e genialidade jamais pensadas até então, imagem que conquistaria milhões de visões por mais de cinco séculos, atraindo e fascinando pessoas de todas as raças, credos e ideologias. Esplendor nas Estátuas dos Mausoléus Após quatro anos de sofrimentos, Michelangelo pôde, finalmente, sentir-se um vencedor diante da excepcional obra da Capela Sistina. Pôde respirar um pouco e descansar o corpo e a sua angústia existencial. Mas o descanso durou pouco. Com a morte de Júlio II, em fevereiro de 1513, o artista assinou um contrato com a família do papa para executar, em sete anos, o antigo projeto do seu mausoléu. A obra final teria 32 grandes estátuas, constituindo o projeto que Michelangelo mais amou fazer. Logo criou a primeira estátua, “Moisés”, em cujos traços insinuou a fisionomia do papa. “Moisés” é considerada a mais perfeita obra de escultura de Michelangelo. Além desta figura, esculpiu para o mausoléu de Júlio II os dois célebres “Escravos”. Infelizmente a obra ficou inacabada. Sobre ela, Michelangelo falou, quando tinha 67 anos de idade: “Acho que perdi toda a minha juventude ligado a ela.” Michelangelo voltaria a ser chamado pelo papa Clemente VII, para um novo trabalho grandioso, construir a capela e a tumba dos Médici, em Florença. Para executar o trabalho, receberia uma pensão três vezes superior a que ele pedira. Assim, de 1523 a 1531, Michelangelo esculpiu as estátuas de Juliano e Lourenço de Médici, que alegoricamente representavam a Ação e o Pensamento, e as quatro sombrias estátuas de base, “O Dia”, “A Noite”, “A Aurora” e “O Crepúsculo”. Durante este período, Michelangelo interrompeu o trabalho em 1527, quando eclodiu uma guerra contra os Médici, em Florença e o artista ajudou os rebeldes, projetando a defesa da cidade, atitude que o fez fugir para Veneza. Restabelecida a paz, foi perdoado por Clemente VII, e voltou a trabalhar nas estátuas com furor. As obras do mausoléu dos Médici são magníficas, elas refletem a amargura, a perda da juventude e a melancolia calcada na alma do artista ao longo dos anos, das perdas e dos amores diluídos nas mentiras dos preconceitos. O Juízo Final de Michelangelo Com a morte de Clemente VII, em 1534, Michelangelo deixou Florença. O ódio que o Duque Alexandre de Médici lhe dedicava, impediria-o de retornar a Florença, sem que jamais pudesse rever à terra natal. Após vinte anos de ausência, Michelangelo regressou a Roma, onde viveria até a sua morte. Era um homem de quase 60 anos, longe da juventude e sem saúde. Vivia amargurado, numa solidão cortante, sem a vitalidade e o prazer que dantes retirava da criação da sua arte.
Em Roma, travou amizade com Tommaso dei Cavalieri e com a Marquesa Vittoria Colonna, que lhe deu um certo alento diante da solidão à qual agarrara-se com fervor. Foi neste período que aceitou a oferta do papa Paulo III, que o nomeou, em 1535, arquiteto-chefe, escultor e pintor do palácio apostólico, passando a idealizar um novo planejamento para a Colina do Capitólio, em Roma, obra que jamais concluiu. Sob o pontificado de Paulo III, Michelangelo pintou, entre 1536 e 1541, um grande afresco na parede do altar da Capela Sistina, o “Juízo Final”. Na obra, um belo e vigoroso Cristo aparece no plano superior, ladeado pelos escolhidos, trazendo consigo a vingança implacável contra os seus inimigos, Maria, assustada, não ousa a contemplar a cena; os anjos travam uma luta imarcescível contra os condenados. No plano inferior, os que não se salvaram caem nos domínios infernais. Todos os movimentos da humanidade estão retratados neste afresco, feito para ser um retrato religioso, mas que traz um sabor profano, já que o autor só pintou nus. Este fato causou tanta polêmica, que se chegou a cogitar a destruição da obra, pensada pelo papa Paulo IV. Felizmente, o pontífice decidiu-se por mandar o pintor Daniel de Volterra obscurecer os órgãos dos nus mais ousados. Só em 1993, quando o afresco foi restaurado, que a nudez original voltou a imperar, deixando algumas figuras ainda cobertas como registro histórico. Cansado e envelhecido, Michelangelo continuou a esculpir obras, mesmo já avançado na idade. Durante toda a vida foi perseguido pela família de Júlio II, que através de inúmeros contratos assinados, exigiam o término do seu mausoléu. A obra, jamais acabada, consumiu anos do artista. No fim da vida, Michelangelo voltou-se para o misticismo religioso, negando o mundo e o profano, perdidos no tempo, como a sua juventude. Passou os últimos anos a dedicar-se às cenas da paixão de Cristo. Aos 88 anos, elaborava uma nova “Pietá”, mas uma doença prendeu-o definitivamente à cama, onde se iria definhar. No leito de morte, ditou com absoluta lucidez, um comovente testamento, pedindo para regressar, ainda que morto, à Florença, sua terra natal, inesquecível palco da sua juventude e aprendizado. Em 18 de fevereiro de 1564, Michelangelo doou o seu corpo à terra e a alma a Deus, morrendo em Roma. Homem feio, de rosto desfigurado, Michelangelo reproduziu externamente a beleza que tinha interiormente, transformando as dores humanas em um idílio visual. Além de pintor e escultor, era um poeta, registrando em seus poemas uma sublime linguagem homoerótica. Viveu imerso nas angústias e no trabalho, próximo da morte registrou em um poema: “Na verdade, nunca houve um só dia que tenha sido totalmente meu”. Os dias de genialidade criativa de Michelangelo foram doados à humanidade, através da beleza universal das suas obras.

domingo, 14 de março de 2010

O Decálogo de Lenin

Em 1913, Lênin escreveu o "Decálogo" que apresentava ações táticas para a tomada do Poder. a) Qualquer semelhança com os dias de hoje, não é mera coincidência. b) Tendo a História se encarregado de pôr fim à questão ideológica, a meditação dos ideais, então preconizada, poderá revelar assombrosas semelhanças nos dias de hoje, senão vejamos: “1.. Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual; 2.. Infiltre e depois controle todos os veículos de comunicação de massa; 3.. Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais; 4.. Destrua a confiança do povo em seus líderes; 5.. Fale sempre sobre Democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o Poder sem nenhum escrúpulo; 6.. Colabore para o esbanjamento do dinheiro público; coloque em descrédito a imagem do País, especialmente no exterior e provoque o pânico e o desassossego na população por meio da inflação; 7.. Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do País; 8.. Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam; 9.. Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não-comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da causa socialista; 10.. Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa...”

sábado, 13 de março de 2010

A normalidade da violência em Roma

Os jogos de gladiadores fornecem um bom exemplo dos intrincados percursos sociais do espetáculo no mundo romano. As disputas de gladiadores eram um fato normal da vida cotidiana havia muito tempo. Durante o Império, os combates de gladiadores aumentaram de freqüência e se difundiram por todo o mundo romano. Surgiu um tipo especial de edifício, o anfiteatro, que funcionava como palco das lutas entre gladiadores e de outras formas de espetáculo. Em Roma, assim como nas províncias, as lutas de gladiadores estavam sempre ligadas à pessoa do imperador. Era ele que as oferecia em Roma e, nas províncias, eram os sacerdotes do culto imperial os responsáveis por sua realização. Os anfiteatros eram uma espécie de microcosmo da sociedade romana, como parte e reflexo do cotidiano. Os assentos eram repartidos segundo as classes da população, e o próprio anfiteatro era um local onde a população não apenas via, mas se fazia ver e ouvir, no qual imperador e plebe, dirigentes e dirigidos se confrontavam face a face, onde o anonimato da massa conferia força e consistência para o apoio ou para as reivindicações da plebe. Nesse espaço, sagrado e mundano, as lutas entre gladiadores ocupavam um lugar especial. O anfiteatro era, para os romanos, parte de sua normalidade cotidiana, um lugar no qual reafirmavam seus valores e sua concepção do “normal”. Nos anfiteatros eram expostos, para serem supliciados, bárbaros vencidos, inimigos que se haviam insurgido contra a ordem romana. Nos anfiteatros se supliciavam, também, bandidos e marginais, como por vezes os cristãos, que eram jogados às feras e dados como espetáculo, para o prazer de seus algozes ou daqueles que defendiam os valores normais da sociedade. Mas os combates de gladiadores ocupavam um lugar à parte, um lugar de honra. Embora, de início, os gladiadores tenham sido, em sua maioria, prisioneiros de guerra ou escravos, na época do Império boa parte era de origem livre, os auctorati, que se ofereciam como gladiadores, colocando-se sob o poder de seu mestre (o lanista), ao qual prestavam juramento sagrado. Esse juramento transformava o gladiador num ser para o qual a dor e a morte deixavam de ser ameaças terríveis para transformar-se em parte corriqueira da vida: um simples momento, o momento da verdade, que deixava de ser objeto de angústia para se tornar objeto de honra. Honra e vergonha são palavras-chave para entendermos a paixão que os gladiadores suscitavam no mundo romano. O gladiador vencido, em vez de lutar inutilmente pela vida, oferecia graciosamente o pescoço a seu adversário e à platéia. Transmutava, assim, a vida num combate glorioso, cujo fim, necessário para todos, podia ser uma morte digna. A figura do gladiador era um belo espelho de realização humana, um modelo para filósofos e religiosos. Não era o massacre, a vista do sangue, a dor alheia que seduziam os espectadores, mas um uso, todo próprio, todo especial, todo romano, do que nós mesmos consideramos uma violência absurda.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Para entender a Guerra da Bosnia e do Kosovo

A Região dos Balcãs ao longo da História foi palco de grandes disputas pelos diferentes povos que passaram a habita-la. No final do século XX duas guerras ocorreram dando o contorno atual da região, A Guerra da Bósnia e Kosovo. Ao final da Primeira Guerra Mundial o Império Turco foi obrigado a ceder regiões para a criação de novas nações. Dentre esses países estava os reinos da servia, croata e esloveno. Em 1929 esses países passaram a forma uma única nação, a Iugoslavia. Durante a Segunda Guerra Mundial a Iugoslavia foi invadida pelas Tropas Nazistas. Ao final do confronto os Comunistas liderados por Josep Bros Tito libertaram a Servia. Uma vez nomeado líder da Iugoslavia, Bros Tito formou a federação socialista Iugoslavia tendo como republicas participantes a Servia, Bósnia e Herzegovina, Eslovénia, Macedónia e Montenegro. A Iugoslavia passou a ser uma nação com grandes diferenças culturais e religiosas. No pais havia praticantes do Catolicismo Romano, Catolicismo Ortodoxo e Islamismo. Apesar das diferenças étnicas entre sua população, a Iugoslavia conseguiu manter sua unidade politica. A instabilidade politica da federação iugoslava acabaria com a morte de Bros Tito em 1980. As republicas que formavam a Iugoslavia passaram a exigir maior autonomia politica. Para solucionar o problema o governo jugoslavo adotou o sistema de rotação presidêncial. Cada republica indicaria um presidente que governaria a Iugoslavia por um período de 1 ano. O novo sistema de governo foi ineficaz para acabar com os movimentos nacionalistas das diferentes republicas. Em 1991 Croácia e Eslovénia declararam -se nações independentes. Depois foi a vez da Bósnia e da Macedônia se separarem. A Guerra da Bósnia A Servia na qualidade de principal nação confederada a Jugoslavia se opôs a essas separações. O líder nacionalista sérvio Slobodan Milosevic pretendia formar a “Grande Servia” unindo as populações de origem servia. Milosevic buscou anexar regiões com populações servias existentes na Croácia, Eslovénia e Bósnia. O fato gerou uma serie de conflitos armados contra esses países. O maior combate ocorreu na Bósnia, possuidora de um grande numero de sérvios. Para separar as Populações servia da convivência com os croatas e mulçumanos os soldados sérvios praticaram ações de terror esperando que tais etnias fugissem das regiões habitadas pelos sérvios. A Capital Sarajevo foi palco de uma grande carnificina. A ação militar servia ficou conhecida como limpeza étnica. Na Guerra da Bósnia morreram aproximadamente 250 mil pessoas. A Guerra da Bósnia chegaria ao fim somente em 1995 com a assinatura do Acordo de Dayton promovido pela ONU. Em 1997 foi criado a nova Iugoslavia, formado apenas por Servia e Monte Negro. A Guerra de Kosovo Em 1996 a guerra se estenderia para a região servia de Kosovo que possuía uma população predominantemente Albanesa. Com o apoio da Albânia as comunidades locais criaram o Exercito de Libertação de Kosovo (ELK) que passou a lutar pela independência da região. Em resposta a Servia envia suas tropas para Kosovo na busca da aniquilação total dos rebeldes kosovares. Em 1999 a ONU interveio novamente nos Balcãs após a recusa de Milosevic de acabar com os ataques sérvios a Kosovo. Recusada a proposta de Paz, as tropas da OTAN lideradas pelos Estados Unidos atacaram o território Sérvio. Terminada a guerra em 2001 Milosevic foi preso acusado de cometer Crimes contra a Humanidade. Em 2003 a Iugoslavia passou a se chamar Servia e Montenegro. Após um plebiscito em 2006 ficou decidido o fim da Iugoslavia. Servia e Montenegro passaram a ser países independentes. Já a Região de Kosovo ficou sob a tutela da ONU

Filha da Terra?

Há 4,5 bilhões de anos, nascia um astro.
A estreia foi digna da grandeza que ele ganharia mais tarde. Houve uma explosão enorme, muito barulho e poeira. A Terra, sua mãe, era uma jovem de 50 milhões de anos. Um dia, a efervescência que tomava conta de seu interior rompeu sua superfície e o fenômeno lançou um trilhão de toneladas de pedras derretidas e em forma de vapor no espaço. Esses detritos orbitaram em torno do planeta, se aglutinaram e formaram o que chamamos de Lua.
Eis a nova teoria para o surgimento do nosso único satélite natural, capitaneada pelo geofísico Rob de Meijer e pelo geólogo Wim van Westrenen, da Universidade Livre de Amsterdã. A versão mais aceita até hoje é um pouco diferente. Muitos cientistas concordam que um corpo celeste do tamanho de Marte teria se chocado com a Terra há mais de quatro bilhões de anos. Tal impacto teria sido 100 milhões de vezes mais poderoso do que o do meteorito que acabou com os dinossauros 65 milhões de anos atrás. O calor gerado pelo choque teria vaporizado uma grande parte da crosta e do manto terrestre – as camadas mais superficiais da Terra.E, aí sim, lançado a poeira que em menos de um século teria se convertido na Lua.
O conceito da nova teoria de De Meijer é controverso.
Ele afirma que partes da crosta afundaram através do manto, quase líquido naqueles tempos, e formaram uma camada entre ele e o núcleo do planeta. Essa mistura tornou-se rica em urânio, plutônio e tório – formando o que os cientistas chamam de georreator. Quando um desses reatores naturais chegou a um ponto crítico, a temperatura local subiu rapidamente para 13 mil graus Celsius. A atividade gerou uma explosão que teria ejetado o manto e a crosta para os ares. Só aí todo esse material teria chegado ao espaço para formar a Lua.
A hipótese da fissão, como é chamada, tem sido estudada há 150 anos. Um de seus mais célebres defensores foi George Darwin, filho de Charles Darwin, autor da histórica obra “A Origem das Espécies”. Em 1930, porém, chegou-se à conclusão de que a pressão dentro do globo era insuficiente para gerar uma explosão capaz de criar um corpo como a Lua. De Meijer agora contraria tal afirmação. Resta saber se ele conseguirá reunir provas concretas para confirmar sua teoria e reescrever o caso de reconhecimento de maternidade mais antigo da história.

terça-feira, 9 de março de 2010

A Tragédia no Haiti-Algumas Considerações

A árvore acima, presenciada em Guaxupé, Minas Gerais, no começo deste ano, exemplifica as relações mundiais. Cada galho simboliza um país. E todos os galhos estão vinculados ao tronco e as raízes. O tronco e as raízes estabelecem relações entre as partes da árvore. Com tal analogia, o presente Blog chama a atenção para a corresponsabilidade dos países. Uma corresponsabilidade que, se pensada de forma ecohumanorrespeitosa, pode evitar catástrofes mundiais, como a ocorrida no Haiti. A irresponsabilidade mundial gera desastres São de lamentar as situações vivenciadas pelos povos do Haiti. No entanto, cumpre destacar alguns fatos. Os países considerados desenvolvidos gastam milhões para manter o poder e a exploração dos bens da natureza. Agem sem escrúpulos dentro dos países à margem da economia mundial. Causam desequilíbrios em todo o mundo e usam desculpas esfarrapadas. Promovem longas guerras em países menores, apenas para saquearem os elementos naturais, chamados por eles de recursos naturais. Para uma boa parte dos líderes mundiais, os países pouco desenvolvidos formam uma lixeira do mundo, um espaço onde se extrai a preço de banana as matérias-primas e, em seguida, se despeja as mazelas ecológicas e sociais. A causa de desastres ecológicos como o terremoto é a ação sem freios de países com uma predominância de comportamento egoísta, como os Estados Unidos. A Terra reage com toda a ira por causa das alterações inconsequentes sofridas nos âmbitos mineral, vegetal, animal e hominal. As nações poderosas cada vez mais criam brinquedos assassinos. Máquinas incapazes de praticar o perdão, o afeto, o respeito e a sensibilidade. Instrumentos como esses são silhuetas da mentalidade humana sem cabrestos éticos e morais. O solo está desgastado, fraco, a pedir misericórdia. E o homem cada vez mais introduz máquinas na terra, na água, no ar, no fogo. O maquinário já prevê até animais artificiais e softwares com inteligência autônoma. Nos séculos vindouros, apesar do caos ecológico em estado de emergência, principalmente nos países desprovidos do favorecimento financeiro mundial, a Ciência pode prometer até a escolha de bebês e animais artificiais, sob encomenda com os robôs das gôndolas dos hipermercados. Essas questões fazem lembrar Blade Runner: O caçador de andróides, filme do diretor Ridley Scott sobre 2019. A película é de 1982 e mostra como o mundo pode se tornar um ambiente de trevas através da ação sem limites. O homem tem por vocação de alma o ato de servir à humanidade. Não cabe ao homem ser um servo da tecnologia. A tecnologia praticada com voracidade se constrói num posicionamento de superioridade a tudo, a ponto de se contrapor a uma das funções da natureza: A conservação das condições de continuação dos seres vivos. Por outro lado, a tecnologia, quando cimentada com um propósito de ser aliada do homem, pode colaborar com a vida no Planeta. A tecnologia precisa ser praticada com uma ética capaz de colocar o bem-estar, a harmonia e a dignidade dos seres vivos acima de todas as tendências de desenvolvimento. Entre os exemplos, através do empenho na busca de cura para as doenças e de novas formas de alívio e cuidado para os sofrimentos vivenciados pelas pessoas em estado de enfermidade. É visível a prática de uma solidariedade falsa e açucarada pela maioria dos países fortes em desenvolvimento tecnológico. Isso ocorre com a finalidade de conservarem o status, a reputação, a imagem, a aparência de comprometimento com as causas sociais. No entanto, uma solidariedade construída apenas de longos discursos não pode ser vista sem atenção pelos povos do Haiti e por todo o mundo. Ora, os amantes e defensores da vida universal não podem negligenciar a culpa dos países poderosos em relação a tal catástrofe.

A resistência popular às internações hospitalares na cidade do Rio de Janeiro do século XIX

Nos dias de hoje, quando alguém se sente mal ou se acidenta, costuma procurar um médico ou, dependendo da gravidade do caso, um hospital. Há um forte consenso de que os médicos são as pessoas mais indicadas para tratar dos doentes e que um hospital dispõe dos melhores recursos para prestar socorro aos enfermos em estado de saúde mais delicado. Mas nem sempre foi assim. “Deixai toda esperança. Ó vós que entrais!”: estes versos, gravados na porta do inferno imaginado por Dante Alighieri em A Divina Comédia, exprimem perfeitamente a angústia que a perspectiva de uma internação hospitalar despertava entre as camadas populares cariocas no século XIX. A maioria dos hospitais existentes na cidade do Rio de Janeiro até meados do novecentos era formada por instituições de caridade dirigidas por religiosos. Voltado para os pobres, o socorro hospitalar se destinava a acolher a população carente – deserdada de toda sorte. Na grande maioria das vezes, só se dirigiam espontaneamente a um hospital aqueles que não dispunham de um teto ou não podiam contar com o auxílio de parentes. Somente quando os doentes não tinham qualquer condição de conduzir o tratamento em suas próprias casas é que costumavam ser remetidos à força para os hospitais. Locais de isolamento e reclusão, os hospitais – como todos sabiam – não passavam de depósitos de infelizes em sua última escala antes da morte. As classes mais altas, quando recorriam à assistência médica, faziam-no em suas próprias casas. Os pobres, por sua vez, em geral não simpatizavam muito com os médicos, nem possuíam os recursos necessários para pagar uma consulta domiciliar. Fatalmente, o contato com os médicos quase sempre ocorria, para desgosto do enfermo, num hospital. Malvistas e temidas pela maior parte da população da época, estas instituições eram o último lugar para onde os doentes desejavam ir. Devido à presença das tropas portuguesas no Rio de Janeiro, o socorro aos doentes que não podiam contar com o auxílio de parentes tornou-se um problema para a Metrópole desde o início da colonização. Após uma longa viagem, muitos soldados já desembarcavam doentes ou então tombavam feridos. Por determinação da Coroa, eram conduzidos para as residências particulares e, posteriormente, para o hospital construído pela irmandade da Misericórdia. Somente a partir do século XVIII é que outras irmandades e Ordens Terceiras abriram hospitais para atender a seus confrades. Em 1768, a Santa Casa passou a exigir o pagamento diário de quatrocentos réis por soldado internado. O conde de Azambuja, na época vice-rei, ordenou que se improvisasse um estabelecimento, que seria o primeiro Hospital Militar da cidade. Inicialmente situado no Morro de São Bento, o hospital foi transferido mais tarde para a sede do antigo Colégio dos Jesuítas, no Morro do Castelo. No Ocidente cristão, pelo menos até meados do oitocentos, o acompanhamento da doença e da agonia que antecede a morte ainda não estava sob o poder da medicina. O tratamento das enfermidades era geralmente conduzido em casa pelos próprios parentes do doente. Por força do catolicismo, quase sempre quem estava à cabeceira de um moribundo era um padre. Mesmo se, porventura, um médico acompanhasse uma pessoa da doença até a morte, seu trabalho se restringia a ajudar o enfermo a se curar ou a morrer. Em uma época em que combater a morte era para muitos uma verdadeira blasfêmia contra as intenções de Deus, a função da medicina não podia assumir um caráter de luta contra a natureza. Fazia parte do imaginário coletivo da época que a doença e a hora mortis deviam ser vivenciados no interior das residências. Temia-se, acima de tudo, a morte súbita. A crença na necessidade da preparação para o bem morrer era muito difundida, o que significava o cumprimento de rituais religiosos para garantir a salvação da alma. Só assim o moribundo poderia deixar o mundo com a consciência tranqüila perante Deus e os homens. Causava horror a qualquer pessoa pensar em adoecer ou morrer longe dos parentes ou sem amparo religioso. A preferência, comum a todos os segmentos sociais, é bastante compreensível, considerando-se que, quando um indivíduo adoecia de uma moléstia mais grave, a probabilidade de que este viesse a falecer era muito grande. Com a institucionalização da medicina acadêmica no Brasil, os hospitais assumiram aos poucos uma nova dimensão na prática e na consciência médica, em sintonia com a crescente onda cientificista que caracterizou o mundo ocidental ao longo do século XIX. Dispostos a transformar o que acreditavam ser um verdadeiro “caos urbano” – uma cidade “suja” e “doente” – em um espaço “civilizado”, os intelectuais que integravam a Academia Imperial de Medicina passaram a recomendar às autoridades públicas uma reordenação das instituições hospitalares existentes na Corte. Na opinião médica, os hospitais deveriam ser reestruturados para garantir o isolamento dos enfermos. Na época, acreditava-se que certas substâncias que exalavam dos corpos doentes faziam daquelas instituições um foco de infecção ou de contágio. Para tentar conter a disseminação das doenças, passou-se a recomendar o trancamento das portas dos hospitais no intuito de isolar os enfermos. Assim, as instituições foram transformadas em verdadeiras prisões, o que só aumentou ainda mais a desconfiança e o pavor da população pobre. Os membros da Academia Imperial de Medicina, que discutiam as condições de salubridade pública em suas reuniões e publicações, passaram a tachar de insalubres e impróprias não só as instalações hospitalares, mas também muitos hábitos da população que até aquele momento não haviam despertado maiores inquietações no que se refere à saúde pública. É, portanto, à luz dessa nova consciência que devem ser compreendidas as terríveis descrições contidas nos diversos relatórios elaborados pelas comissões médicas nomeadas para diagnosticar as condições de insalubridade da Corte. A Santa Casa de Misericórdia era o maior hospital da cidade no século XIX, recebendo cerca de 4.500 doentes por ano, segundo uma estimativa feita em 1833. Mesmo assim, as pessoas mais pobres tentavam evitar ao máximo a internação, tamanho era o quadro de penúria reinante ali. Havia ainda o medo e a certeza de que dificilmente escapariam da morte – como atestavam os elevados índices de mortalidade ali verificados. Dependendo da enfermidade, o doente já sabia de antemão que suas chances de sobrevivência seriam muito pequenas. Este foi o caso das vítimas da explosão do vapor Especuladora, ocorrida em 1844. Do total de 42 feridos queimados no acidente, nada menos que 39 faleceram nas primeiras 48 horas após a entrada na Santa Casa. As possibilidades de saírem vivas dali também não eram nada promissoras para as pessoas internadas com tuberculose. Segundo um relatório médico da época, dos 1.225 tuberculosos recolhidos na Santa Casa entre 1839 e 1841, nada menos do que 77,7% faleceram. O que mais espanta é que a grande maioria sucumbiu antes do primeiro mês de internação. Segundo os médicos que atuavam na Misericórdia, a voracidade com que a tísica consumia os doentes era explicada pelo fato de que a maioria deles só era internada depois de esgotadas todas as tentativas não-hospitalares de cura. Ao avaliar o índice de mortalidade apresentado pelo resumo estatístico da Clínica de Cirurgia da Faculdade de Medicina relativo ao ano de 1844, o doutor Roberto Jorge Haddock Lobo comentou que “... é só no último recurso que os doentes, de ordinário dominados pelo horror que erroneamente lhes inspira o hospital, se determinam a recolher-se a essa Pia Casa, tarde e a más horas”. Diante da dor, do isolamento e do receio de uma morte solitária, não é de se estranhar que a fuga de doentes dos hospitais fosse um fato corriqueiro, segundo as freqüentes denúncias feitas pelos médicos da época. O pavor inspirado pela Santa Casa era ainda mais acentuado pela expressiva quantidade de enterros diários que ocorriam no cemitério mantido pelo hospital. Reservado aos escravos e aos indigentes, o campo santo da Misericórdia sepultou no biênio 1838-1839 nada menos do que 3.194 pessoas! Não se pode deixar de sublinhar que números tão elevados alimentavam, e muito, a desconfiança dos cativos em relação aos médicos e aos hospitais. Levando em conta a opinião corrente sobre a relação entre doença e feitiço, a historiadora Mary Karash levantou a hipótese de que, para os africanos da cidade, a morte rápida no hospital poderia resultar da feitiçaria dos brancos contra sua gente. É bastante plausível supor que, entre a população escrava, os médicos pudessem ser identificados negativamente como “feiticeiros brancos”, sobretudo para os doentes recém-traficados, que, não raro, eram remetidos para a Santa Casa de Misericórdia, onde a grande maioria vinha a falecer. Se nos casos de doenças endêmicas a possibilidade de ter que ir a um hospital despertava pavor nas pessoas, o que dizer das épocas dos grandes surtos epidêmicos de cólera e de febre amarela, quando os índices de internação e de mortalidade atingiram níveis até então nunca vistos? Os próprios médicos reconheciam que, além de padecer de sofrimentos físicos desumanos, os enfermos ainda tinham de enfrentar o desconforto das acomodações oferecidas pelas instituições e pelas enfermarias improvisadas na cidade. Nessas ocasiões, os hospitais geralmente ficavam abarrotados com pessoas que tombavam doentes pelas ruas ou com marinheiros em trânsito, recolhidos pelas Comissões de Polícia Médica, sendo internados independentemente ou contra sua própria vontade. A voracidade com que as epidemias devoravam os adoentados reforçava a idéia do caráter súbito deste tipo de enfermidade. Dos vinte primeiros doentes de febre amarela tratados pelo doutor Roberto Lallemant, em 1850, nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia, quase todos morreram no prazo máximo de 48 horas após darem entrada no Hospital. O doutor José Pereira Rego era um dos que acreditavam na instantaneidade do ataque provocado pela cólera. Por ocasião do surto epidêmico ocorrido em 1855, o médico assegurava que pessoas saudáveis eram acometidas repentinamente pela doença e tombavam enfermas pelas ruas. Por conta dessa crença em seu caráter fulminante e da proporção tomada pela epidemia, notou que “o mal, apesar dos cuidados prodigalizados pelo governo, pela classe médica e pelos cidadãos encarregados de distribuir os socorros públicos, progredia em sua marcha destruidora, espalhando o terror e a consternação em todos os habitantes desta populosa cidade”. No imaginário popular do século XIX, era bastante difundida a crença de que as doenças tinham uma natureza sobre-humana, e eram associadas, por exemplo, à feitiçaria, à ação de um “mau-olhado” ou como conseqüência de um pecado. Sendo assim, a cura dos enfermos dependeria, em última instância, da vontade de Deus, e não dos remédios, pois a enfermidade seria um castigo divino ou fruto das artimanhas do demônio. Muitas pessoas buscavam a proteção ou o restabelecimento da saúde por meio das mais variadas práticas mágico-religiosas. Estes procedimentos eram uma complexa combinação entre o auxílio espiritual e a aplicação de diversas mezinhas domésticas (remédios caseiros), sangrias, ou de alguns “remédios secretos” – fartamente anunciados nos jornais da época e que prometiam tudo curar. Freqüentemente, a cura era atribuída a talismãs, objetos de devoção, sacramentos ou a interferências divinas da Virgem Maria ou dos santos – como atesta o relato do viajante Thomas Ewbank sobre a enorme quantidade de ex-votos depositados nas igrejas da cidade. Até meados do século XIX, os profissionais da medicina eram alvo de profunda desconfiança e de descrédito, posto que não gozavam de reconhecimento social suficiente para lhes assegurar o “monopólio da competência” na arte de curar. Afinal, no imaginário popular, as explicações para as origens das doenças e as possibilidades de cura passavam longe daquelas apresentadas pela ciência médica. Em lugar dos médicos, a maioria das pessoas costumava recorrer aos saberes práticos e ao poder espiritual atribuídos àqueles que tradicionalmente se dedicavam à arte de curar. Barbeiros, parteiras, boticários, benzedores e os famosos cirurgiões negros: todos estes se encontravam distantes da formação acadêmica em Medicina, tendo sido quase sempre desqualificados pelos médicos como “curandeiros” ou “charlatões”. Apesar de todo o poder e a influência conquistados aos poucos pelos médicos ao longo da segunda metade do século XIX, a resistência dos segmentos populares às novas concepções e práticas ditadas pela medicina permanecia muito grande, adentrando as primeiras décadas da República. Para os médicos, o grande problema a ser resolvido era a “ignorância” dos doentes, que insistiam em adiar ao máximo a entrada ou em fugir dos hospitais. Mas, para os pobres, era a própria internação que representava uma grande probabilidade de apressar o encontro fatal com uma indesejada morte solitária.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Mad Maria: os trilhos do diabo

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, construída no coração da floresta Amazônica entre 1907 e 1912, foi uma das mais ousadas obras da engenharia ferroviária em todos os tempos. Estendida por mais de 300 km, foi aberta em meio a incríveis dificuldades climáticas e sanitárias, comuns à selva tropical, para prover a Bolívia de uma saída comercial pelo Atlântico. Poucos anos depois da sua inauguração em 1912, com o declínio da extração da borracha, ela foi desativada, restando por lá algumas locomotivas e outros trastes ferroviários como testemunhas mudas do enorme esforço inútil despendido na construção daquela que foi chamada de Ferrovia do Diabo, ou simplesmente Mad Maria (Maria a louca) O isolamento da Bolívia A pobre Bolívia não é um lugar muito feliz de se viver. Encerrada em meio às altíssimas montanhas dos Andes, uma infeliz guerra contra o Chile privou-a do acesso ao Oceano Pacífico desde 1879. Do outro lado, da fronteira voltada para o Brasil, é a muralha da floresta Amazônica que a deixa ainda mais isolada. Não só isso, o único rio que poderia ser aproveitado por ela para alcançar o Atlântico, cortando a selva e desaguando no rio Amazonas, é o rio Madeira, conhecido pelas suas perigosas e intransponíveis cachoeiras. Foi Raposo Tavares, numa bandeira organizada em 1647 no interesse de El Rei, quem por primeiro chegou a percorrê-lo na totalidade. Navegar no alto Madeira, meter-se de canoa e carga nele, era suicídio. Duzentos anos depois do bandeirante, o engenheiro boliviano José Augustin Palácios, um entusiasta da saída pelo Atlântico, num relatório aprontado em 1846, apresentou como solução a construção de uma estrada que contornasse as quedas d’água da confluência Madeira-Mamoré, como se ainda fosse fácil enfrentar depois os 3.300 quilômetros restantes, as febres, e os índios que não davam trégua a ninguém. Na medição feita pelo engenheiro brasileiro Silva Coutinho, em 1861, da primeira à última cachoeira do rio Madeira, percorria-se 70 léguas (ou 462 km), algo que somente poderia transposto por uma estrada–de-ferro construída ao longo das margens (sugestão que também foi apresentada pelo general boliviano Quentin Quevedo). Passado o trajeto dos limites bolivianos até Porto Velho, o rio Madeira tornava-se apto à navegação. Impulso para a construção da madeira-mamoré Foi a Guerra do Paraguai (1864-1870) quem por igual convenceu o governo brasileiro a planejar algum tipo de saída amazônica para o estado do Mato Grosso, tão afastado do restante do pais como a Bolívia da América do Sul e do mundo. Todavia, tudo isso ficou letra morta até dar-se a explosão da borracha no final do século 19. Então, milhares de seringueiros vindo do Brasil invadiram aquelas selvas desertas que separavam a Estado do Amazonas da Bolívia. O Acre, área boliviana, encheu-se de caucheiros sangrando tudo o que viam pela frente. Parecia, por fim, que havia-se encontrado o tão lendário El Dorado, o tesouro no meio da floresta que pusera a perder Francisco Orellana e o celerado do Lopo de Aguirre, ainda no século 16. Portanto, evitada a guerra entre a Bolívia e o Brasil pelo controle do Acre (Tratado de Petrópolis de 1903), foram as exigência da nascente industria dos transportes, automóveis e caminhões, faminta pela borracha para fazer pneus, transformada num ouro negro, quem forçou a que a estrada-de-ferro sonhada antes por tantos tomasse forma pelas mãos de Percival Farquhar, um empreendedor norte-americano que fazia de tudo naquela época e que havia ganho a concessão do govenro brasileiro para a sua construção. Construindo a estrada A partir de 1907, aquela parte da região amazônica virou um formigueiro com mais de 3 mil trabalhadores vindos de todos os cantos do mundo. Até uma loja maçônica, a dos “Temporários”, fundou-se por lá. Vindas de Nova York, modernas máquinas à vapor foram instaladas para ajudar os trabalhadores na derrubada da paisagem paleozóica que cercava os trilhos da temerária e desabrida ferrovia que, segundo seus detratores “ ligava o nada a lugar nenhum”. A bexiga, a beribéri, a diarréia, a pneumonia, a malária e enxames de mosquitos os devastou. Eram os anti-corpos usados pela floresta para expelir os invasores. Metade dos médicos morreu ou adoeceu com gravidade. Pavorosas ainda eram as chuvas. As trombas d’água, uma a cada 24 horas, dissolvendo tudo, punham o trabalho de meses a perder. Partindo do cais de Porto Velho em direção à fronteira boliviana, o primeiro trecho de 90 km da estrada de ferro Madeira-Mamoré foi inaugurado em 1910. No ano seguinte a Madeira-Mamoré Company, controlada por Farquhar, importou mais de 5 mil braços para afundá-los nos igarapés e pântanos que cercavam os trilhos da ferrovia, já conhecida então como Mad Maria (“Maria louca”), como a imprensa estrangeira começou a referir-se a ela. No total dos quatros anos e meio que durou sua construção foram contratados 21.817 operários que se espalharam ao longo do trajeto, habitando ranchos de folhas de palmeiras ou precários galpões, tudo supervisionado por uma equipe de engenheiros americanos sob a liderança do superintendente Harry Meyer. Manoel Rodrigues Ferreira, engenheiro paulista, historiador e sertanista que escreveu o mais detalhado e confiável livro sobre a ferrovia (“A Ferrovia do Diabo”, 1962) assegura que a mortandade dos operários não foi tão elevada como espalharam na época. Na verdade, pelo menos pelos registros oficiais, os óbitos foram de 1.552, ou seja 7% do total de trabalhadores empregados na obra, bem longe dos propalados 6 mil mortos que disseram que ela provocara. Em 1º de agosto de 1912, com 366 km completados, finalmente a inauguraram, encerrando assim um dos maiores feitos da engenharia do nascente século 20. A outra grande obra que se fazia naquele momento era a abertura do Canal do Panamá, construção mastodônica que de certo modo ofuscou o da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Naquele ano da sua inauguração a borracha correspondia a 39% das exportações brasileiras (equivalente a 60% da exportada no mundo inteiro). No ano seguinte, em 1913, Farquhar estava falido. Uns anos depois, superada os tormentos que o pagamento da ferrovia custou ao governo brasileiro (62 mil contos ou 28 toneladas de ouro), os trilhos que pareciam ser de ouro, com a estrada abandonada, viraram trilhos do diabo. A concorrência dos seringais do sudeste asiático e, depois, a invenção da borracha sintética, fizeram a extração amazonense entrar em crise definitiva. Tal como depois deu-se com Henry Ford (Fordlândia) e Daniel Ludwig (Projeto Jari), Percival Farquhar mediu forças com a floresta amazônica e perdeu. A Bolívia, enquanto isto continuou na mesma.

domingo, 7 de março de 2010

Pensamento da Semana

"Para os chineses 2009 foi o ano do BOI, 2010 é o ano do TIGRE. Felizes são aqueles que a cada ano trocam de animal. Nós estamos ha 7 anos com o mesmo JUMENTO e corremos o perigo de trocar e ficar 4 anos no mínimo com uma VACA VELHA."

sábado, 6 de março de 2010

Gengis Cã e a conquista da Europa

O que teria acontecido na historia européia e. por conseqüência, em todo o Ocidente, se aquele continente tivesse caído a partir do século XIII nas mãos dos conquistadores mongóis? O que se segue é um hipotético e imaginativo relato dos efeitos daquela conquista que não se realizou. A horda mongol Quem os viu chegando às planícies magiares ficou impressionado, simplesmente aterrorizado. Desde os tempos de Átila, o huno, que assolara a Europa no século V, ninguém mais vira algo igual. Ágeis, montados no que pareciam ser pôneis, nuvens de cavaleiros mongóis, de espada e escudo, formavam-se no horizonte, cobrindo-o em toda a sua amplitude. Num repente, a formação compacta daquela tempestade humana, como se fosse uma nuvem assediada pelos ventos, se dissolvia pela planície, separando-se em cinco ou dez outras, galopando em qualquer direção. Disciplinados por Gengis Cã, o Conquistador do Universo, que os liderava, as tribos nômades dos planaltos da Sibéria, os keraitas, os naimanos, os merkitas, os oirates, os chamados mongóis azuis, mostraram uma eficácia espantosa quando, unidas pelo grande guerreiro desde 1206, começaram a assombrar o mundo com sua marcha triunfal. Nada os detinha. Nem perdiam tempo em alimentar-se com carne cozida. Esmagavam carne crua num pote e a misturavam com pedaços de cebola, alho e sal, extraído do suor dos seus cavalos – inventaram o bife à tartar. Comiam-no a trote mesmo. Num nada as ger, as tendas mongóis, eram erguidas para que repousassem. Em seguida, de volta às selas, empreendiam a viagem sem fim a que estavam acostumados. Usavam lanças fáceis de serem manejadas e uma cortante espada curta que traziam à cinta, nada que os atrapalhasse na investida. Se, por acaso, as cidades resolviam resistir-lhes, colocavam em trabalho de sapa os seus engenheiros chineses e árabes, peritos em sítio que eles traziam consigo de longe. Gente capaz de, com um par de minas bem colocadas e com o trabalho de milhares de pás e picaretas, fazer ruir qualquer muralha. Era a maior máquina militar que o mundo já vira. O sucesso deles devia-se a dois fatores: o destemor e o movimento contínuo. No coração da Europa Foi assim que Batu Cã, o neto de Gengis Cã, penetrou no coração da Europa. A sua linha de ataque foi dividida em três direções: a nuvem norte, um enxame de cavaleiros mongóis, dirigiu-se para a Polônia, Prússia e Dinamarca, a nuvem do centro ocupou a França, sem ousar dali assaltar a Inglaterra, pois os mongóis eram avessos ao mar; mas a nuvem do sul sim chegou a Portugal, depois de devassar a Ibéria e a Itália. Por volta de 1240-45, a Europa quase que inteira estava ocupada pela gente de pequena estatura, olhos oblíquos e tez de amarelo-oliva. Em todos os lugares a paisagem logo denunciava a presença deles. As chomchong, as grandes tendas, dominavam o cenário. Batu Cã, antes de retirar-se para a margem do rio Volga na Rússia, em 1251, determinou que uma série de príncipes europeus, – nomeados por ele como Ejen, senhor - , comprometidos a pagar o tributo ao conquistador, poderiam agir em nome da Horda de Ouro, governando cada um deles um ulus, o feudo mongol. As igrejas cristãs foram fechadas e o papado abolido. Batu estimulou que o xamanismo substituísse a liturgia convencional, enquanto ordenava a demolição dos mosteiros. No lugar deles determinou que fosse celebrado o obbo, um antigo ritual nômade que se fazia em frente a uma pilha de rochas ou pedras, enquanto os párocos e outros sacerdotes foram substituídos pelos böge, os xamãs. Influências étnico-raciais As crianças européias, que cada vez mais nasceriam com olhos amendoados, puxados, e maçãs salientes, avermelhadas, impressionavam-se com as histórias de Garuda, o espírito da montanha Bogdo Ula, e, mais ainda, com as assombrações de Songgina, o velho homem escuro, senhor das quatro montanhas da Grande Mongólia. Mesmo na Inglaterra não ocupada, a Magna Carta, de 1215, foi derrogada para seguir o restante do continente obediente ao Ysak, a dura lei dos chefes nômades que servia como uma espécie de tirânica constituição mongol. A língua franca dessa Europa domada tornou-se o tártaro, escrita rebuscada feita por escribas chineses especialmente trazidos para organizar o Canato da Europa, que assim, somado aos demais - aos Canatos de Kipchak, o de Il, o de Chagatai, obedientes todos a um só Khaqan, a um só governante mongol - , integravam-se num mercado comum universal, ao Império Yuan, que se estendia das margens do Atlântico até o Mar do Japão, sendo percorrido de leste a oeste pela Rota da Seda e pela velha Estrada Imperial do Chá, tudo isso protegido pelo escudo da Pax Mongolica. Assim, no século XIII - sem poder-se conhecer o Humanismo, o Renascimento, e muito menos o Iluminismo - , começou-se a globalização, garantida pela adaga dos descendentes de Temudjin, o nome de berço de Gengis Cã, aos acordes do moriin huur, o lendário violino mongol, que fazia todo mundo dançar segundo o som das suas cordas.