"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Premio Dardos

Meu Blog recebeu hoje o Prêmio DARDOS, do blog Fritaçoes (http://personarocha.blogspot.com). Agradeço ao nobre amigo este reconhecimento e estímulo. Abraços.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O planejamento deve ser flexível

Sustos, como descobrir que a turma não está no nível imaginado, pedem uma mudança de rumos. Por mais bem fundamentado que seja o planejamento escolar, o professor precisa ter consciência de que alguns imprevistos podem surgir ao longo do ano letivo (e esses sinais não devem ser ignorados). É importante que haja uma avaliação constante do processo de ensino, com o educador sempre alerta para diagnosticar obstáculos encontrados e medir o ritmo de avanço das atividades sobre os temas programados. Os assuntos trazidos no dia-a-dia pelos alunos, como notícias da televisão ou dilemas pessoais e familiares, também precisam ter um tempo reservado para serem debatidos - se possível relacionando-os aos conteúdos curriculares, mas logicamente sem forçar conexões distantes. O cuidado de monitorar as aulas e o comportamento dos estudantes periodicamente é determinante para perceber a necessidade de pequenos ajustes, pausas, acelerações, mudanças de rota ou mesmo a retomada de algumas informações que não foram aprendidas de forma consistente pela turma. "É uma questão de bom senso. O planejamento inicial é feito sem que o docente conheça seus alunos. É com a interação e com o próprio tato que o educador vai perceber o que vai manter ou não", explica Benigna Freitas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). As avaliações são a principal ferramenta para saber quando improvisar. Depois de cada aula, o professor pode criar o hábito de fazer anotações sobre o andamento das rotinas, comparando o que foi inicialmente previsto e o que realmente aconteceu. Aqui, podem entrar observações a respeito de grupos mais avançados e até sobre conteúdos que pareciam totalmente dominados. A escrita leva a pensar. É inclusive um momento em que fica claro ao docente se suas explicações surtiram efeito ou não ajudaram no entendimento dos conceitos trabalhados. Nos registros, entram ainda as cartas que foram tiradas da manga para contornar eventuais sustos durante a aula. "Ao escrever, você cria uma distância do que foi feito, o que ajuda na ref lexão sobre os procedimentos utilizados", explica Neide Noffs, professora de Didática e Metodologia do Ensino da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "É com essa prática que o profissional consegue ter noção dos limites da flexibilidade do planejamento. Ele deve se perguntar se sua explicação surtiu efeito e os objetivos foram alcançados. Se não foram, cabe cogitar alguma alteração de rota", argumenta. A especialista cita o francês Yves Chevallard para embasar seu entendimento de que as mudanças de percurso são bem-vindas. "Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O 'trabalho' que faz de um objeto de saber a ensinar um objeto de ensino é chamado de transposição didática", escreveu o educador. Neide acredita que conhecer a realidade dos alunos é um fator fundamental nessa transformação do saber. "O conhecimento científico, por exemplo, não deve ser repetido em classe exatamente do jeito como está nos livros. As informações precisam ser trabalhadas e preparadas para serem repassadas aos estudantes. E é elementar entender quem são esses estudantes. Por isso, enquanto se aprendem quem são eles e o que sabem, podem ocorrer desvios de rota", analisa. Outros fatores, menos ligados ao nível de conhecimento dos alunos, também podem influenciar a rotina desenhada. A previsão inicial de que as atividades devem ter continuidade com tarefas como a lição de casa pode não ser concretizada. "Por motivos variados, acontece de algumas crianças não conseguirem fazer essa extensão dos estudos, o que as deixaria desamparadas no trabalho com um conteúdo que demanda teoricamente um complemento do estudo fora da escola", diz a professora da PUC-SP. Acontecimentos cotidianos relatados na mídia ou mesmo eventos marcantes na comunidade igualmente podem - e devem - ser relacionados aos conteúdos curriculares, o que muitas vezes pede uma interrupção no combinado. "Há uma falta de tempo para o educador se planejar. E os sistemas escolares burocratizam o ensino. Fica a impressão de que com um roteiro rígido e rotineiro se erra menos. O problema é que muitas vezes o aprendizado passa a ser significativo exatamente quando você faz uma pausa para contextualizar certo tema, fugindo do script", diz Newton Bryan, professor de Planejamento e Gestão Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, no entanto, devem ser tomados cuidados na hora de incluir novos assuntos na pauta. "Ignorar não é o caso. São muitos games, vídeos e seriados que podem servir de inspiração. Mas é preciso ter uma boa formação para dar guinadas consideráveis. Um docente que não tem total habilidade com a geografia poderia ser um fracasso tentando relacionar os conteúdos da disciplina com a catástrofe causada pelas chuvas em Santa Catarina", pondera o especialista. Benigna também foca nesse ponto. "A escola precisa saber o que é fundamental para ser trabalhado e o que é secundário. Não está certo deixar tudo de lado para discutir determinado assunto sem nenhuma programação nem vínculo com o currículo. O peso de cada coisa precisa ser medido pelo educador sem exageros", avalia a professora da UnB. AS DICAS PARA ATRAVESSAR A CORDA BAMBA É preciso equilíbrio para percorrer o ano letivo sabendo mesclar as atividades essenciais com eventuais mudanças de percurso que se fizerem necessárias rumo ao objetivo final. O mais importante é saber (re)planejar sempre, estabelecer prioridades e, principalmente, nunca deixar de levar em conta as características e necessidades de aprendizagem dos estudantes. Para tanto... - Considere sempre o que os alunos aprenderam até o momento, a série em que estão e a relevância do conteúdo - Avalie com que frequência o assunto estudado aparecerá novamente nos anos seguintes. Se não existe uma previsão de retomada do conteúdo no futuro, talvez não seja a hora de desviar de foco - Pergunte a si mesmo: "Quem eu estou ensinando?" Defina aonde quer chegar, o que a turma realmente precisa e o que é possível fazer - Escute com atenção os questionamentos que surgirem Por que ser flexível - O professor que não faz um planejamento maleável corre o risco de não alcançar seus objetivos - Os alunos são a referência para a elaboração de um plano. É preciso acompanhar o desenvolvimento deles - O plano é uma previsão, sujeita a erros. Daí a importância em mudar

A crueldade democrática

O ostracismo foi criado pelos atenienses para impedir o abuso dos poderosos na cidade. Só que muitas vezes o expurgo serviu como instrumento de tirania.
A democracia, regime político no qual todo cidadão tem direitos e garantias assegurados pelo Estado, foi criada na Grécia, ainda na Antiguidade, e atingiu a sua forma mais refinada em Atenas, após os reforços propostos pelo legislador Clístenes, na última década do século VI a.C. Naquele período, os habitantes do sexo masculino nascidos na Ática ganharam o direito de exercer cargos públicos e, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento da cidade-Estado. Porém, até mesmo o sistema constitucional ateniense, que ficou conhecido como democracia direta, tinha um instrumento considerado antidemocrático que até hoje gera controvérsias entre os historiadores: o ostracismo.Segundo o filósofo Paulo Levorin, doutor em filosofia política pela Universidade de São Paulo (USP), este mecanismo legal foi criado com o objetivo de banir de Atenas os cidadãos considerados perigosos para o bem comum e para o regime democrático. Os tiranos, portanto, seriam os principais alvos. Para isso, era aberto um processo onde as pessoas deveriam indicar se desejavam banir alguém naquele ano para, em seguida, votar secretamente quem seria o eleito ao exílio.Além de expulsar políticos corruptos, o objetivo do ostracismo também era afastar de Atenas os possíveis ‘baderneiros’ e ‘agitadores’ por um período de dez anos, para evitar guerras internas - ou fratricidas. “O problema existente na introdução da democracia ateniense era a quantidade de confrontos internos: os partidos eram formados em torno de líderes e, uma vez formada uma grande força política vitoriosa, os adversários derrotados eram expulsos”, explica Levorin referindo-se à existência de uma tirania das maiorias na sociedade da Ática, ou seja, o forte acabava oprimindo o mais fraco.O fator agravante é que esse impasse entre os blocos políticos nem sempre ficava restrito às discussões filosóficas: em diversas ocasiões houve confrontos violentos que resultaram em mortes. “Muitas vezes esse conflito interno resultava em guerras sangrentas que destruíam a cidade, atrasando o desenvolvimento de Atenas”, conta Levorin.Por conta disso, o ostracismo teria sido inventado por Clístenes para impedir esses excessos: caso alguém almejasse destruir os adversários por meio da força, o próprio povo podia ostracizá-lo. Na prática, isso efetivamente ocorreu, afetando, sobretudo, tiranos e generais desonrados. O próprio povo acabava escolhendo as pessoas que causavam prejuízos à cidade-Estado e decidia afastá-las.Porém, a crítica que se faz a esse mecanismo jurídico é o excesso de repressão: qualquer heleno poderia ser condenado ao exílio sem chances de se defender, o que configura um instrumento antidemocrático. Além disso, alguns consideram que o ostracismo feria o princípio da isonomia, ou seja, todos deveriam ser tratados da mesma forma. O ostracismo, concebido com o intuito de coibir a tirania e enfrentamentos internos, acabava funcionando, em alguns casos, de forma descontrolada. APLICANDO O IMPEACHMENT O termo ostracismo deriva do grego ostraka, que significa caco. Como o papel não era um material muito comum na Hélade, os atenienses usavam pedaços de cerâmica para realizar a votação.O processo, segundo a historiadora francesa Claude Mossé, era bastante simples. As pessoas se reuniam em assembléia uma vez por ano, na ágora, para indicar se havia interessa em mandar alguém para o exílio. As pessoas escreviam o nome dos possíveis candidatos nas ostrakas. Era necessário um volume mínimo de seis mil cidadãos para legitimar a exclusão - só homens nascidos em Atenas (ou que tinham obtido cidadania local) podiam votar. O pleito era proibido para mulheres, estrangeiros e escravos.Em seguida, o nome mais indicado nas cerâmicas era colocado em votação: as pessoas teriam um prazo de cerca de dez dias, segundo Levorin, para votar secretamente se desejavam ou não que a pessoa fosse ostracizada. As ostrakas encontradas pelos arqueólogos mostram que nenhuma pessoa pública de Atenas ficou livre da desconfiança do povo: algumas peças mostram que até mesmo Péricles foi apontado como um possível candidato à expulsão, embora efetivamente isso nunca tenha ocorrido.Mesmo sendo uma decisão unilateral, o exilado não perdia completamente os laços com Atenas. Ele ficava proibido de pisar em solo ateniense por um período de dez anos, mas não perdia as posses e nem a cidadania. Após a década de exílio, a pessoa podia retornar.Sabe-se que a primeira “vítima” da fúria do povo ateniense foi o político Hiparco, chamado de “amigo dos tiranos” por Aristóteles, conforme conta Claude Mossé. O processo de banimento do político ocorreu cerca de 20 anos após a implementação do ostracismo na constituição de Atenas. Isso, inclusive, levanta outra polêmica. Segundo a historiadora, muitos especialistas argumentam que a ‘paternidade’ do ostracismo não pertence a Clístenes. “Embora Aristóteles atribua a Clístenes, os autores modernos hesitam em aceitar a afirmação do filósofo, visto que a primeira aplicação da lei não se deu antes de 488/7 a.C.”, argumenta.Sendo assim, percebe-se que o ostracismo foi utilizado pela primeira vez alguns anos depois de sua criação - um sinal de que a tirania pode não ter se manifestado durante esse período. Porém, quando a lei passou a ser usada, fez muitas vítimas.Segundo Cícero, a melhor forma de manter a influência sobre as massas era se fazer amado. Quem praticasse atitudes antidemocráticas poderia se tornar um bom candidato ao ostracismoAlém de Hiparco, outros conhecidos políticos e generais atenienses também foram condenados ao exílio forçado pelo povo por terem cometido erros estratégicos ou mesmo sofrido derrotas importantes em tempos de guerras. Alguns dos banidos foram o historiador e estratego Tucídides, que lutou contra os espartanos na Guerra do Peloponeso, e o almirante Temístocles, herói da cidade na segunda guerra contra os persas, entre 480 e 479 a.C..O poeta Cícero discorre na obra Dos Deveres sobre um caráter comum aos helenos da Idade Clássica que pode indicar um dos motivos que levou o povo de Atenas a aceitar a criação do ostracismo por Clístenes: tudo na velha Hélade girava em torno do bem comum da cidade-Estado e, portanto, atos considerados contrários aos interesses públicos poderiam ser qualificados como crimes contra o Estado. É justamente isso que o pensador francês Benjamin Constant classificou como sendo a liberdade coletiva em detrimento da vontade individual das pessoas: os cidadãos não eram livres para fazer o que quisessem, pois deviam sempre trabalhar em prol da nação. A participação política, por exemplo, era obrigatória, e quem se recusasse a exercer cargos públicos poderia ter problemas.Segundo Cícero, a melhor forma de manter a influência sobre as massas era se fazer amado. Do contrário, a fúria da população poderia ser veemente. Quem praticasse atitudes antidemocráticas desagradando, assim, o povo, poderia se tornar um bom candidato ao ostracismo. Em uma sociedade que valorizava tanto a moral cívica, qualquer comportamento pouco altruísta e mais vaidoso poderia acabar dando origem a processos de exclusão - principalmente se o alvo da discórdia fosse uma pessoa pública. PUNIDOS PELA EXTRAVAGÂNCIA Um dos casos mais emblemáticos, para o historiador M. Rostovtzeff , envolveu o general Alcibíades. “Foi um escândalo quando Alcibíades quebrou o costume e adornou a parede de sua casa com pinturas. Atenas era uma democracia e os ricos temiam tornar-se conspícuos pela exibição ou extravagância”, escreveu. “Tempos depois, o estratego ateniense foi julgado e condenado, mas desertou antes de ser capturado, buscando exílio em Esparta”.Porém, a extravagância não foi o único fator que contribuiu para o ostracismo de Alcibíades. O general era o braço direito do político estadista Péricles e teve muita influência no início dos confrontos contra Esparta, no século V a.C. Com isso, a população temia os efeitos desse excesso de prestígio. “A democracia insistia no seu direito de dispor as pessoas e vidas dos cidadãos quando os interesses do Estado assim o exigiam. A democracia temia os dirigentes demasiadamente influentes da minoria forte, como possível forma de revoluções; portanto, ela os removia pelo princípio conhecido como ostracismo e os sentenciava ao exílio”, analisa o historiador.O principal receio era de que certos líderes políticos pudessem usar da própria influência para manobrar o povo contra adversários políticos mais fracos, esmagando-os ou mesmo causando guerras civis. Antes que isso pudesse ocorrer, propunha-se o ostracismo da pessoa (muitas vezes seguindo o conselho de outros interesseiros), para expulsá-la. Supostamente, era uma forma de evitar que o indivíduo pudesse se tornar uma ameaça à democracia no futuro.Foi justamente isso que ocorreu com Temístocles (detalhes no quadro). Sua perspicácia nos mares contribuiu fundamentalmente para a vitória dos exércitos helenos contra os persas na Batalha de Salamina, dando-lhe fama e prestígio. Com isso, adversários ciumentos conseguiram lançá-lo ao ostracismo e, posteriormente, conseguiram acusar o general de alta traição.Além dele, outra célebre personalidade ateniense também caiu em desgraça mesmo tendo sido importante para a história da cidade-Estado. Trata-se do escultor Fídias, que participou ativamente do projeto arquitetônico de Atenas a pedido de Péricles. Foi ele quem concebeu a estátua de Athena Parthenos, que adornava o interior do Partenon, na acrópole, e o templo de Zeus em Olímpia, no Peloponeso - uma das sete maravilhas do mundo antigo.
O importante general ateniense Aristides (530 -468 a.c.) foi ostracisado em 483. Conta-se que um dos votantes disse-lhe que queria bani-lo apenas porque não agüentava mais ouvir o nome de “Aristides, o Justo”. Contudo, o uso do ostracismo se mostrou perigoso demais, já que, no fim, qualquer heleno poderia ser expulso da Ática sem muitos critérios para a escolha, pois um líder político eficiente poderia manipular o povo para excluir certos adversários - isso demonstrava a grande fraqueza deste instrumento político. No fim, acabava sendo um mecanismo utilizado como forma de perseguição política. Alguns pesquisadores defendem que Alcibíades, mesmo sendo um traidor, também foi vítima de discórdias políticas. “No geral, não passou de 15 o número de ostracizados em Atenas”, diz Paulo Levorin. “O ostracismo era uma instituição marginal, pois não tinha características essencialmente democráticas. Qualquer democracia poderia viver sem isso”. ALGUMAS VÍTIMAS DA LEI ATENIENSE Praticamente todos os ostracisados eram figuras de relevo na política de atenas e acabaram ficando para a história. saiba a razão da expulsão de alguns deles. TUCÍDIDES Um dos casos mais marcantes da prática do ostracismo em Atenas envolveu o general e historiador Tucídides, eleito um dos dez estrategos da cidade no combate aos espartanos na Guerra do Peloponeso, no século V a.C. Porém, sua participação no conflito foi desastrosa, o que resultou na expulsão por ostracismo. Tucídides nasceu entre 460 e 455 a.C. Filho de Olorus, que era dono de uma mina de ouro na Trácia, no norte da Hélade. Em 424 a.C. ele confrontou o exército espartano na Batalha de Anfípolis. Embora os atenienses fossem mestres no combate marítimo, as trirremes de Esparta, comandadas pelo general Brásidas, conseguiram subjugar a esquadra da Ática, conquistando a região. A derrota deixou Atenas em uma situação difícil, já que a região era estratégica. Isso desonrou Tucídides, que foi condenado ao ostracismo pelo povo.Porém, para o estratego, o exílio teve um ponto favorável: durante o tempo em que ficou afastado de Atenas, dedicou-se a escrever um livro para analisar os motivos e conseqüências do conflito tornando-se um dos principais historiadores do período Clássico ao lado de Heródoto, Xenofonte e alguns outros. Sua obra, “História da Guerra do Peloponeso”, é usada como referência até hoje por quem quer conhecer a essência dos antigos helenos, justamente pelo caráter imparcial da avaliação dos fatos.Tucídides foi anistiado em 404 a.C., quando voltou para Atenas, mas foi assassinado por volta de quatro anos depois, na Trácia, morto por assaltantes. Por conta de sua morte, a narrativa da Guerra do Peloponeso foi interrompida, já que o historiador não conseguiu concluir a obra. FÍDIAS O escultor, pintor e arquiteto Fídias, um dos maiores ícones da arte helênica do período clássico, também foi outra vítima do ostracismo ateniense. Renomado já em seu templo, Fídias foi o responsável pela construção da estátua do Templo de Zeus, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, em Olímpia, no Peloponeso. Por volta de 453 a.C., foi incumbido pelo estadista Péricles de supervisionar as obras de revitalização de Atenas com a criação de projetos arquitetônicos inovadores - que deram origem à ‘nova’ acrópole da Ática. Foi condenado por supostamente ter se apropriado de parte do ouro destinado às obras.Uma das explicações do historiador beócio Plutarco para a condenação de Fídias é que inimigos de Péricles tentaram afetá-lo politicamente acusando o escultor, um grande aliado. Sendo assim, ele teria sido capturado em Élis, por volta de 430 a.C., e morreu na prisão.Porém, a tradição clássica apontada por outros historiadores diz que Fídias foi condenado por roubo. Ao término da escultura de Athena Parthenos, uma estátua de 12 metros que ficava localizada dentro do Parthenon, na acrópole ateniense, foi considerado traidor: ele teria se apropriado de parte do ouro destinado à ornamentação da obra. Com isso, o povo ateniense decidiu bani-lo por roubo, forçando o escultor a se refugiar em Olímpia. Contudo, nem no Peloponeso ele encontrou sossego: foi acusado de ter colocado uma imagem de Péricles ao lado do escudo de Atenas, e foi caçado por sacrilégio. TEMÍSTOCLES Sem a ajuda do general Temístocles, provavelmente a Hélade teria caído durante a segunda invasão persa, que ocorreu entre 480 e 479 a.C. Foi o ateniense quem convenceu o povo a usar o dinheiro obtido da exploração de uma mina de prata no Láureo na construção de uma frota de trirremes, as embarcações de guerra da época, que serviram para destroçar os barcos de Xerxes na Batalha de Salamina. Contudo, foi condenado ao exílio por anos e, mais tarde, acusado de alta traição. Por conta de sua atuação nas Guerras Médicas, o prestígio de Temístocles logo cresceu em Atenas. Porém, com o fim dos conflitos, essa situação começou a mudar aos poucos. O herói ateniense começou a perder a confiança da população - em parte por conta de sua arrogância. Alguns historiadores defendem que a fama do general desagradava seus inimigos políticos. Eles, por sua vez, podem ter feito manobras para estimular seu ostracismo.Segundo Plutarco, Temístocles foi ostracizado entre 476 e 471 AC, quando teria se instalado em Argos, no Peloponeso, cidade-Estado inimiga de Esparta. Porém, os espartanos começaram a acusar o ateniense de envolvimento com os persas, forçando-o a se isolar na Ásia Menor. Depois disso, foi proclamado traidor de Atenas e teve todas as suas propriedades tomadas pelo Estado.Curiosamente, Temístocles buscou refúgio junto ao império Persa, que o aceitou, pois ele poderia ser fundamental em uma possível investida contra os helenos. Porém, a tradição conta que ele teria se envenenado para não ser obrigado a ajudar os asiáticos em uma nova guerra contra a Hélade. SÓCRATES O filósofo Sócrates, um dos grandes ícones do pensamento heleno, não chegou a ser banido da cidade-Estado pelo ostracismo, mas causou tanto ódio no povo de Atenas que foi condenado à morte supostamente por desrespeitar os deuses e deturpar o pensamento dos jovens. Segundo o historiador M. Rostovtzeff, Sócrates era um homem que acreditava nos deuses e, eventualmente, fazia oferendas nos templos. Ele também não se opunha ao regime democrático ateniense, mas apontava as falhas do sistema político, principalmente no que se refere ao fracasso em educar os cidadãos para assuntos governamentais. O filósofo defendia que as pessoas deveriam se dedicar ao próprio conhecimento, deixando de lado qualquer aspiração material. Ele se dedicava a tentar educar as pessoas, mas recusava-se a ter discípulos.Uma das coisas que mais desagradou os magistrados atenienses foi justamente o método socrático de filosofar. Sócrates provocava os cidadãos da Ática perguntando se eles sentiam-se verdadeiramente livres. Ao ouvir a resposta afirmativa, o filósofo contestava e, no fim, acabava provando que os indivíduos não têm liberdade tanto quanto acreditavam. Platão mostra essas discussões em seus diálogos.Rostovtzeff conta que o filósofo foi levado a julgamento sob acusações de heresia e corrupção dos jovens. Ao tribunal, tentou justificar que seus acusadores tinham uma concepção errada das coisas, mas acabou aceitando sua condenação à morte. Sócrates teve a chance de fugir de Atenas, mas preferiu beber a cicuta e seguir a determinação da justiça ateniense.

As primeiras escritas

A escrita surgiu, aproximadamente, em 4000 a.C. Já as origens do alfabeto são bem mais recentes: vestígios encontrados em 1990 indicam que as primeiras letras foram criadas em 2000 a.C. Ideogramas e hieróglifos Pode parecer incrível, mas os historiadores acreditam que a escrita foi inventada quatro vezes, quase que simultaneamente! Por volta de 4000 a.C., China, Egito, Mesopotâmia e povos da América Central começaram a desenvolver os primeiros sistemas para registrar a comunicação. Nada de letras, sílabas ou palavras. Apenas desenhos. Naquela época, se alguém quisesse escrever "boi", provavelmente desenharia uma cabeça de boi em um tijolo de barro ou em um pedaço de cerâmica. Por isso, esses sistemas foram chamados pictóricos ou ideográficos.
Hieroglifos. Um exemplo muito conhecido desse tipo de escrita é o hieróglifo egípcio. Vestígios antigos As mais antigas inscrições descobertas até hoje datam de 3300 a.C. Localizadas em Uruk, região do sul do Iraque, são formadas por uma sucessão de sinais em forma de cunha – por isso foram chamadas cuneiformes. Esse tipo de escrita se espalhou pelo Oriente Próximo, registrando não apenas a língua dos sumérios – primeiro povo a habitar a região –, mas também a dos semitas, dos assírios e dos babilônios. Com o passar dos séculos, esses símbolos, que antes representavam objetos, foram se tornando mais e mais abstratos e passaram a representar sílabas ou o som predominante do nome do objeto. Era o início de uma nova fase da escrita humana. A evolução não pára Com a evolução da escrita, os símbolos deixaram de representar apenas objetos, como cavalos, bois ou carneiros, e começaram a representar a linguagem humana. Atualmente, alguns arqueólogos afirmam poder localizar o mais antigo registro dessa transformação: uma tábua suméria de 3000 a.C., encontrada na cidade de Jemdet Nasr, no Iraque. Nela, os pesquisadores encontraram o desenho de um bambu no início de uma lista de objetos do templo. O que um bambu estaria fazendo numa relação de objetos sagrados? Até que um dos responsáveis pela tradução da tábua percebeu que o mesmo som que significava "bambu" na língua dos sumérios – gi – também significava "fornecer" ou "pagar". O responsável pela contabilidade do templo percebeu a semelhança entre os sons das duas palavras e "pegou emprestado" o símbolo do bambu para criar outra palavra, em outro contexto. Escrita silábica Esse mesmo princípio passou a ser usado para escrever partes de palavras. Em português, por exemplo, usaríamos o desenho de um boi para escrever uma palavra que começasse com a sílaba "bo". Isso não apenas sofisticou o sistema de escrita como criou um gigantesco leque de símbolos que deviam ser aprendidos. E, para minimizar as possíveis ambigüidades, ainda foram criados símbolos determinativos, que especificavam o conceito de cada palavra – para diferenciar, por exemplo, vela, do verbo velar, e vela de parafina. A revolução das letras Apesar de utilizadas durante séculos, as escritas ideográfica e silábica, além de difíceis de aprender, deixavam margem a muitas dúvidas. Mas isso tudo foi resolvido com a criação do alfabeto. O que isso quer dizer? Imagine só a dificuldade de escrever uma carta na época das escritas ideográficas. Milhares de símbolos, todos desenhados um a um. Pois além de complicada, essa escrita também era muito imprecisa. Afinal, os desenhos podiam ser lidos de maneiras diferentes por leitores distintos. A necessidade de precisão foi aperfeiçoando o método. Os egípcios, por exemplo, chegaram a utilizar 26 sinais ? representando os sons das consoantes ? para facilitar a compreensão dos hieróglifos. Só não perceberam que esses símbolos poderiam ser usados independentemente, tornando obsoletas todas as centenas de pictogramas até então utilizadas. A escrita proto-sinaítica A sistematização do alfabeto é geralmente atribuída aos fenícios. Apesar disso, no final da década de 1990, pesquisadores encontraram na península do Sinai vestígios de um alfabeto anterior: o proto-sinaítico. São inscrições que datam de 1600 a.C., provavelmente influenciadas pelos hieróglifos egípcios. "Imagine um escriba asiático no Egito estudando a melhor forma de escrever a sua própria língua semítica", especula o historiador John Man. "Muitos dos símbolos, aqueles que representam sílabas que hoje escrevemos com duas ou três letras, não têm utilidade, porque a escrita semítica não possui o mesmo conjunto de sílabas. Ele também deixa de lado os determinativos, porque eles servem às ambigüidades somente em egípcio. Resta-lhe apenas um núcleo de símbolos egípcios com os quais poderá trabalhar. Cerca de 26 sons isolados têm os seus próprios sinais, facilmente memorizáveis por simbolizarem o seu som inicial, de acordo com o princípio da acrofonia: net (água) passa a ser n, mu (coruja) vira m." Nada de vogais Esses "alfabetos pré-históricos" ainda não tinham vogais. Apenas as consoantes eram representadas. Hoje, os arqueólogos identificam 31 inscrições proto-sinaíticas, nas quais algumas letras são inequívocas: B, H, L, M, N, Q, T e dois sons hebraicos, aleph e ayin. Mas o mais importante dessa escrita é que ela foi a responsável pela difusão da "idéia de alfabeto". Em algum momento, entre 1650-1550 a.C., várias comunidades que viviam na área que compreende atualmente Líbano, Síria e Israel já tinham assimilado o conceito de que era possível representar a linguagem humana com alguns poucos símbolos. É aí que os fenícios entram na nossa história. Da Fenícia para o mundo Os comerciantes fenícios precisavam de um sistema de escrita prático, que lhes permitisse manter os registros de suas transações. Nascia o alfabeto. A cor púrpura Os fenícios viviam em um conglomerado de cidades-Estado e jamais se viram como uma nação ou uma unidade política. Eram chamados fenícios pelos gregos, por causa da tinta cor de púrpura (phoinix, em grego) que comerciavam. Graças à tinta púrpura, os fenícios tinham enriquecido e, para manter seus registros econômicos sob controle, precisavam de um sistema de escrita prático e preciso. As escritas cuneiforme e hieroglífica tinham uma desvantagem óbvia: eram complexas demais para simples comerciantes. Quando o alfabeto proto-sinaítico, que já se disseminava pela região, chegou ao seu conhecimento, os fenícios perceberam que haviam encontrado o que tanto procuravam. Expansão das letras Os fenícios viajavam muito para comerciar. E levavam consigo sua mais nova invenção, o alfabeto: 22 sinais com os quais era possível escrever qualquer coisa. Logo, esse sistema de escrita se espalhou pelo mundo antigo e inspirou outros povos a criar seus próprios alfabetos. O mais famoso deles? O alfabeto grego. Adaptado do fenício, o alfabeto grego tem uma característica importante: a introdução de vogais. O sistema de escrita grego acabou se tornando a maior contribuição cultural para o mundo ocidental, pois originou a família dos alfabetos que até hoje dominam o mundo ocidental. Etruscos e romanos Mas o alfabeto ainda teria de sofrer a influência de outros povos, antes de se tornar o que conhecemos atualmente. Primeiro, dos etruscos, povos que ocupavam a costa ocidental da Itália e entraram em contato com os gregos no século VIII a.C. Os etruscos transmitiram esse sistema de escrita para os povos que habitavam a península Itálica, entre eles os romanos. O alfabeto romano, que utilizamos até hoje, surgiu por volta do século VII a.C. Os romanos usavam 21 dos 26 símbolos etruscos, e escreviam da direita para a esquerda. Algum tempo depois, inverteram o sentido da escrita, da esquerda para a direita. Com a expansão do Império Romano e a conquista da Grécia, foram criadas as letras Y e Z, para representar sons gregos. O mundo latinizado O alfabeto latino ganhou a Europa ocidental durante as conquistas romanas. Cristalizou-se com a expansão do cristianismo. Chegou à América juntamente com os navios espanhóis e portugueses. Depois, atingiu a África, pelas mãos dos missionários. Foi para a Índia, para as Filipinas, para a Indonésia, muitas vezes convivendo lado a lado com antigas escritas.

A era da desatenção

Após epidemia de diagnósticos de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade em crianças, adultos encontram nas drogas Ritalina e Concerta, os nomes comerciais do metilfenidato, a tábua de salvação para o baixo desempenho na era multimídia -1,2 milhão de caixas de remédio foram vendidas no Brasil em 2008 HUCKLEBERRY FINN, protagonista das aventuras do romance de Mark Twain (1835-1910) que leva seu nome, daria um sério candidato, nos dias de hoje, à domesticação com base na droga metilfenidato (Ritalina e Concerta são as marcas disponíveis no Brasil). Isso, claro, se algum orientador da escola conseguisse capturar o menino para encaminhar a um consultório de psiquiatria infantil. Já o negro Jim, se caísse nas mãos de um psiquiatra de passagem pelo Mississippi em meados do século 19, seria provavelmente devolvido a ferros com um diagnóstico de drapetomania (do grego drapetés, fugitivo). A especialidade médica tinha menos de meio século e se empenhava em cunhar suas próprias "doenças". Huck, o amigo do escravo fujão, preencheria facilmente o mínimo de 6 dos 18 critérios de diagnóstico para o Transtorno de Deficit de Atenção e a Hiperatividade (TDAH), alvo do metilfenidato. Não era propenso a seguir instruções, ficar quieto ou pensar antes de responder. Reações precipitadas eram com ele mesmo. Lição de casa, nem pensar. A viúva Douglas e a srta. Watson bem que tentavam civilizar o garoto impulsivo e agitado, mas ele fugiu -só para terminar nas garras do pai bêbado, que o trancou numa cabana. Huck fugiu de novo. Seguem-se 349 páginas de hiperatividade pura, que terminam com Huck anunciando nova partida, para territórios indígenas a oeste. Huck, na nossa era multimídia, faria companhia aos 2,7 milhões de americanos entre 6 e 17 anos que tomam estimulantes como o metilfenidato e outros medicamentos psicoativos, entre os 4,6 milhões de diagnosticados com TDAH (8,4% da população nessa faixa etária). O consumo per capita de metilfenidato nos EUA é oito vezes maior que em países europeus. Estima-se que, no mundo, 5,3% dos jovens tenham TDAH. Por aqui, o preguiçoso e irrequieto Macunaíma, de Mário de Andrade, talvez recebesse o mesmo diagnóstico (ou estigma). Nas escolas particulares e escritórios da cidade grande que fascinaram o herói sem nenhum caráter, seus descendentes descobriram o metilfenidato. No Brasil, de 2000 a 2008, as vendas passaram de 71 mil caixas anuais para 1,2 milhão. Quantidade suficiente para medicar dezenas de milhares de adolescentes e crianças.
SUPERDIAGNÓSTICO
Há alguma coisa errada nesses números, segundo Luis Augusto Rohde, psiquiatra da infância e da adolescência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E não é por excesso, mas por falta de diagnósticos. "Em termos de saúde pública, não existe no Brasil problema de superdiagnóstico e supertratamento", afirma Rohde, autor principal de um influente artigo sobre TDAH publicado em 2007 no periódico "American Journal of Psychiatry", citado por quase 300 especialistas em outros trabalhos. Foi desse estudo que saiu a cifra de 5,3% de prevalência mundial. O Brasil tem 47 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 18 anos; 5% deles seriam 2,35 milhões. "Não temos mais do que 100 mil crianças usando a medicação", estima Rohde. "Há escolas privadas no país com um número excessivo de tratamentos, mas é uma realidade pontual." Para o grupo gaúcho, existe uma epidemia de uso indevido da medicação por adultos. O metilfenidato estaria sendo empregado para melhorar o desempenho de estudantes e profissionais em tarefas pesadas e monótonas, como a leitura e a redação de textos longos -preparação de exames, relatórios, e por aí vai. "Há muitas mães que usam [o metilfenidato] para emagrecer", agrega o também gaúcho Guilherme Vanoni Polanczyk, atualmente na Faculdade de Medicina da USP, primeiro autor do artigo liderado por Rohde, que foi seu orientador. Um estudo que eles fizeram em escolas públicas de Porto Alegre constatou que só 2% dos alunos que satisfazem os critérios do TDAH recebiam medicação.
SINTOMAS VAGOS
Outra causa provável do aumento exponencial de vendas de Ritalina e Concerta é a automedicação como consequência de autodiagnósticos. Pouca gente deixaria de se reconhecer na lista oficial de 18 sintomas compilada no "Manual de Diagnóstico e Estatística", da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-4), segundo o qual portadores de TDAH frequentemente: 1. Deixam de prestar atenção a detalhes ou cometem erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; 2. Têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; 3. Parecem não escutar quando lhe dirigem a palavra; 4. Não seguem instruções e não terminam deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais; 5. Têm dificuldade para organizar tarefas e atividades; 6. Evitam, antipatizam ou relutam em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante; 7. Perdem coisas necessárias para tarefas ou atividades; 8. São facilmente distraídos por estímulos alheios à tarefa; 9. Se esquecem de atividades diárias; 10. Agitam as mãos ou os pés ou se remexem na cadeira; 11. Abandonam sua cadeira em sala de aula ou quando se espera que permaneçam sentados; 12. Correm em situações inapropriadas; 13. Têm dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividade de lazer; 14. Agem como se estivessem "a todo vapor"; 15. Falam em demasia; 16. Dão respostas precipitadas, antes de concluídas as perguntas; 17. Têm dificuldade para aguardar sua vez; 18. Interrompem conversas ou se metem em assuntos dos outros. "Alguém que age e reage de maneira diferente, que aprende diferente, já é tachado como doente", diz Maria Aparecida Moysés, professora titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela vê um processo "muito intenso e extenso" de medicalização do comportamento. Só 1% de seus colegas de especialidade encara o TDAH como uma doença real, que deve ser tratada por médicos, segundo uma pesquisa de opinião de 2007. "Quando você vê os critérios diagnósticos, não tem como não se enquadrar. É de uma imprecisão absurda, não tem nada de evidência científica", diz ela. "Se for por aí, todo mundo tem deficit de atenção."
MENTES INSACIÁVEIS
A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva descobriu ser portadora 24 anos atrás, aos 19, quando era estudante de medicina na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). "O diagnóstico de TDAH dividiu minha vida em antes e depois", conta. "Foi similar a quando descobri que era míope e usei óculos pela primeira vez -eu via o mundo como uma pintura impressionista. A partir dali, comecei a vê-lo cheio de detalhes, barroco." A descoberta ocorreu durante um congresso médico em Chicago, quando a acadêmica de medicina se reconheceu na descrição dos sintomas. Hoje, a médica ainda recorre a pílulas (bupropiona) para trabalhos que exigem muita concentração, como a revisão de textos longos. Medicada, disciplinou-se a ponto de escrever um livro inteiro. "Mentes Inquietas", a obra, vendeu cerca de 50 mil exemplares desde que foi relançada pela editora Objetiva em setembro de 2009 (das vendas da primeira versão, de 2003, não há cifra precisa; segundo a autora, ultrapassaram 150 mil cópias). O TDAH abriu um filão para a escritora, que depois lançou "Mentes Perigosas", "Mentes com Medo", "Mentes Insaciáveis", "Mentes e Manias" e o recém-publicado "Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas". Mais três volumes da série "Mentes..." vêm aí.
TEMPOS DA BENZEDRINA
Não resta muita dúvida de que o metilfenidato aumenta a produtividade e contribui para o avanço da literatura -pelo menos a de autoajuda. No passado, escritores de estirpe diversa recorreram aos préstimos de estimulantes para turbinarem atenção e redação. W.H. Auden, James Agee, Graham Greene, Jack Kerouac e até Jean-Paul Sartre teriam recorrido a estimulantes para ler e escrever mais, relata Joshua Foer num artigo para a revista eletrônica "Slate". Eram os tempos da benzedrina (tipo de anfetamina). O próprio Foer conduziu um experimento de uma semana com Aderall, um dos medicamentos mais populares nos EUA para tratar TDAH (e, ao lado da Ritalina, consumido por 20% dos universitários americanos). Os resultados foram "miraculosos". De uma sentada, Foer leu 175 das 1.386 páginas de "A Estrutura da Teoria Evolucionista", do grande biólogo Stephen Jay Gould. "Eu me sentia menos eu mesmo", escreveu. "Embora pudesse lançar mais palavras por hora na página com o Aderall, tive uma suspeita incômoda de que estava pensando com viseiras." Em conversa com amigos escritores, confirmou que outros também sentiam a criatividade tolhida pelo remédio. A benzedrina não parece ter prejudicado a escrita de Kerouac no clássico da literatura beat "On the Road - Pé na Estrada" (L&PM) -ao contrário, dirão seus cultuadores. Mas contribuiu, segundo Foer, para baixá-lo ao hospital com uma tromboflebite.
DISFUNÇÃO MÍNIMA
Os usuários habituais de metilfenidato precisam tomar cuidado com efeitos colaterais como aumento moderado da pressão arterial e da frequência cardíaca. Em jovens e crianças, a droga parece capaz de retardar o crescimento, talvez até 1,2 cm por ano. Theodor Lowenkron, da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, recomenda cautela na prescrição de drogas psicoativas, em especial para crianças. "Para indicar ou não a droga, os prós e os contras devem ser bem avaliados -caso a caso", enfatiza. "E a intervenção terapêutica não deve se limitar à prescrição de remédios." Apesar das manifestações adversas, o metilfenidato foi aprovado pela poderosa FDA (agência de alimentos e fármacos dos EUA) já em 1955, para tratar sintomas hoje enfeixados como TDAH. A epidemia de vendas só deslanchou depois de 1999, quando um estudo clínico pioneiro mostrou a superioridade do tratamento com remédios sobre a terapia comportamental com envolvimento de pais e mestres. Anos depois, o acompanhamento do grupo de pacientes revelou que a suspensão do metilfenidato faz voltarem os sintomas. No longo prazo, a vantagem do medicamento sobre outros tratamentos decai. Na Europa, prevalece o nome "transtorno hipercinético", ou HKD na abreviação em inglês. Antes, o complexo de comportamentos recebia nomes como "síndrome da criança hiperativa", "reação hipercinética da infância" ou "disfunção cerebral mínima". HKD é a classificação da Organização Mundial da Saúde, que usa uma lista de sintomas parecida com a do DSM-4, mas exige 10 deles, e não 6, para o diagnóstico. O critério restritivo, associado com diferenças culturais, é apontado como responsável pela discrepância na proporção de casos dos dois lados do Atlântico.
CUMPLICIDADE O componente cultural é refutado pelo estudo estatístico dos brasileiros Rohde e Polanczyk, que atribuem a variação nas cifras de prevalência pelo mundo ao uso de metodologias díspares. Eles rejeitam tanto a ideia de que o aumento de TDAH seja fruto das condições da vida contemporânea quanto a de que se deva ao sucesso de uma "construção social", mancomunando psiquiatras com a indústria farmacêutica para ampliar mercado. Rohde atende hoje cerca de 500 adultos em seu serviço de TDAH em Porto Alegre. Não se trata de nova expansão "medicalizante", afirma, mas da manutenção dos sintomas em 70%-80% das crianças e jovens diagnosticados quando chegam à maturidade. "Não é só no trabalho, é aquele adulto que dirige de forma imprudente, que tem mais acidentes, mais envolvimento com álcool e drogas", ressalva Rohde. Polanczyk rejeita também a explicação pelo estigma: adultos não permanecem com dificuldades de desempenho só por carregar o suposto fardo de terem sido apontados como crianças problemáticas e recorrido a remédios. "É ilusório pensar que o estigma surge só com o medicamento." Alívio Os pais já não iam a restaurantes, antes do remédio. Os colegas não convidavam para as festas. Os castigos se repetiam na escola. E as peças de teatro interativas estavam há tempos fora de questão. "O medicamento alivia o estigma", diz Polanczyk. O psiquiatra se retrai igualmente diante da possibilidade de que o TDAH seja fruto do estilo de vida em que crianças e jovens são bombardeados com uma profusão de estímulos de informação e entretenimento por meios eletrônicos -a geração videogame. Não rejeita de todo a explicação, mas se refugia num eufemismo científico para defender o caráter substancial do transtorno: "Não vejo evidências de que a cultura cause o TDAH". Os críticos dessa "fabricação de doenças", outro rótulo dos adeptos da construção social, soam mais incisivos. Thomas Szasz, velho combatente anti-TDAH nos EUA, fala de uma "aliança ímpia da psiquiatria com o Estado" para reprimir comportamentos desviantes (partiu dele o exemplo da drapetomania usado mais atrás). "Diagnósticos não são doenças", costuma dizer. "Nenhum comportamento ou mau comportamento é doença ou pode ser doença." Ele classifica a psiquiatria na mesma categoria inconfiável dos governos. Como o fogo, na metáfora de George Washington, ambos são "servos perigosos e amos temíveis".
SEM TESTES
Para os defensores da realidade do TDAH, a hipótese da "construção social" do transtorno se apoia numa limitação real da psiquiatria e na incompreensão da natureza dos sintomas com que ela lida. Em seu jargão, eles são de tipo "dimensional", não "categórico". Em outras palavras, querem dizer que os 18 quesitos apresentados mais atrás procuram delimitar, num contínuo de comportamentos variados, e com o máximo de objetividade possível, a faixa de manifestações socialmente sancionadas como patológicas ou intoleráveis. Não há exames de sangue, testes genéticos ou ultrassonografias para diagnosticar categoricamente o TDAH. "Não existe o grupo dos ansiosos e dos não-ansiosos, dos atentos e dos desatentos. Sintomas atencionais de hiperatividade qualquer pessoa vai ter em situações de estresse, de conflito, de cansaço", concede Rohde. "A diferença é que indivíduos com TDAH têm isso como marca registrada, faz parte do seu dia a dia." Há estudos com pares de gêmeos indicando que o TDAH independe, em grande medida -80%, segundo Rohde-, do modo como os jovens são criados. Vários outros relacionam o transtorno com genes envolvidos na regulação de neurotransmissores e no desenvolvimento deficiente de áreas do cérebro. Mas não se formou consenso sobre eles, muito menos para padronizar exames. O fato de não existirem testes, contudo, não significa que o transtorno não seja real, que não tenha base fisiológica. Ausência de evidência não é evidência de ausência, poderiam dizer.
CALVINISMO
"Depressão também não tem correlato biológico, mas ninguém duvida que a depressão exista. As pessoas se matam", pondera Polanczyk. O sistema nervoso é complexo, e o acesso ao cérebro para estudo, muito mais difícil que a outros órgãos. "Na psiquiatria, estamos muito atrás da medicina como um todo." Como disse outro médico do Rio Grande do Sul, Olavo Amaral, que comentou o estudo de Rohde e Polanczyk em carta aos editores do American Journal, "o conceito de transtorno e seus critérios diagnósticos são construções sociais por definição". Os defensores do TDAH tampouco se incomodam com a acusação de serem propagandistas remunerados pela indústria farmacêutica. O grupo de Rohde recebe financiamento de pesquisa das empresas Bristol-Myers Squibb, Eli Lilly, Janssen-Cilag e Novartis. O psiquiatra também dá palestras sob patrocínio das empresas, mas declara que a remuneração pessoal por serviços prestados à indústria não ultrapassa US$ 10 mil anuais. O mesmo argumento desconfiado, segundo ele, pode ser voltado contra os inimigos do TDAH. "Recebo pacientes que faziam psicanálise e que, quando melhoram os sintomas com medicamentos, se sentem desmotivados a seguir com a psicanálise", diz Rohde. "Vai me dizer que não existe conflito de interesse em manter o cara no consultório dele por anos?" Em 2008, o Centro Hastings, nos EUA, dedicado a questões de bioética e políticas públicas, organizou seminários sobre os controversos distúrbios emocionais e comportamentais em crianças, como o TDAH. A discussão resultou num artigo que dá o que pensar sobre a querela dos construcionistas com os psiquiatras. O título é: "Fatos, Valores e TDAH - Uma Atualização da Controvérsia". Os autores, Erik Parens e Josephine Johnston. O trabalho, que saiu no periódico "Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health" (2009), faz uma apresentação equilibrada dos dois lados na disputa bizantina. O artigo alerta para o risco de distorcer as categorias diagnósticas do DSM. Essas categorias seriam abstrações, não entidades encontradas na natureza. Mas ressalva: "Nossa descrição das complexidades e da indefinição das fronteiras não foi feita para sugerir que o TDAH não seja real. Os sintomas de TDAH podem causar sofrimento significativo em crianças, nas famílias e nas escolas". Diante desse sofrimento, o "niilismo diagnóstico" não seria uma opção. Só a adesão irrefletida a um calvinismo farmacêutico -que enfatiza o culto moralista do sofrimento como alternativa à solução fácil dos comprimidos- poderia servir-lhe de justificativa. Huck Finn e Macunaíma não cairiam nessa.
Conflito de interesses: o autor deste texto declara que não contou com apoio de drogas psicoativas, exceto cafeína.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O boi brasileiro é imbatível

Com um rebanho de quase 200 milhões de cabeças e faturamento de mais de US$ 28 bilhões por ano, a bovinocultura representa a maior fatia do pujante agronegócio brasileiro, além de responder por cerca de 7,5 milhões de empregos. No ano passado, em função da restrição ao crédito e da queda no consumo, ainda reflexos da crise econômica que teve início em 2008, houve redução de exportações de carne in natura de 23% (de US$ 5,3 bilhões para US$ 4,1 bilhões). Passado esse período difícil, no entanto, a retomada do comércio mundial da carne brasileira já vem ocorrendo, como mostram os resultados dos dois primeiros meses deste ano. A receita das exportações do setor em fevereiro de 2010 foi de US$ 973 milhões, o que representou um aumento de 24,5% em relação ao mesmo mês de 2009 (US$ 781 milhões). “Isso é reflexo da demanda antes reprimida sobretudo de dois países, o Irã e a Rússia”, diz Otávio Hermont Cançado, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). “O Irã é o segundo maior importador de carne bovina in natura do Brasil e paga melhor que o primeiro, a Rússia”, explica. “A demanda iraniana no primeiro bimestre do ano elevou-se em 216% sobre os valores faturados no mesmo período do ano anterior, e a da Rússia subiu 35%”. Para o final de 2010, a Abiec prevê um crescimento total de 10% a 15% na receita das exportações. Ao mesmo tempo, a cadeia produtiva do couro, que abrange os setores de curtumes e calçados, gera mais de 500 mil empregos e movimenta receita superior a US$ 21 bilhões por ano. As exportações brasileiras de couros somaram US$ 234 milhões nos dois primeiros meses deste ano, registrando crescimento de 59,18% em relação ao mesmo período de 2009. O cálculo é do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), com base na prévia da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em fevereiro, os embarques foram de US$ 130 milhões, representando um aumento da ordem de 75,68%, ante o mesmo mês do ano passado e de 25% em relação a janeiro de 2010. A demanda pela carne brasileira, que mantém o país no primeiro lugar entre os exportadores mundiais, não decorre, apenas, da retomada da economia. Nesta última década, a pecuária deixou de ser uma atividade defasada tecnologicamente para incorporar modernizações em todos os seus aspectos: da seleção genética das matrizes até as metodologias de recuperação de pastos e desenvolvimento sustentável, do combate às doenças como a febre aftosa até sistemas de rastreabilidade capazes de garantir o controle total sobre a história do animal destinado à exportação.“Tudo caminha para tornar a carne brasileira um produto destacado, com valor agregado, e não simples commodity”, diz Lygia Maria Pimentel, veterinária e consultora de mercado da Scot Consultoria, empresa de coleta e análise de informações de mercado para o campo. Lygia observa, porém, que o caminho a percorrer ainda é longo. Atualmente, o Brasil cria 1,16 cabeça de gado por hectare de pasto, o que é pouco quando se leva em conta a tecnologia disponível para o campo. Mesmo assim, esses números colocam a média nacional bem acima da mundial, que é de 0,4 cabeça por hectare. “Somos exemplo para outros países, mas quando as práticas de manejo já disponíveis forem realmente adotadas será possível quase quadruplicar a produção”, afirma ela. Vale lembrar que a criação de gado no Brasil é, sobretudo, de pasto. O confinamento, sistema em que os bovinos ficam fechados em piquetes ou currais e os alimentos e a água são fornecidos em cochos, é usado apenas na fase de produção que antecede o abate, o que corresponde, em geral, a 8% da vida do animal, ou seja, 75 dias dos 30 meses que ele vive em média. Essa modalidade é usada na época seca do ano e exige investimentos e logística, uma vez que a produção regional dos grãos que servirão de alimento e os frigoríficos com abatedouro que adquirirão o gado precisam estar situados a razoável proximidade da fazenda, para que haja compensação econômica. A notoriedade do gado brasileiro tem provocado reação dos concorrentes, o que muitas vezes prejudica nosso comércio externo. Nenhum outro país, porém, tem quantidade ou preços mais competitivos que o Brasil, que apresenta ainda um grande potencial de expansão. A China, embora disponha de uma grande área territorial e um dos consumos mais baixos do mundo, não tem recursos hídricos para intensificar a exploração da pecuária e promete tornar-se um forte cliente brasileiro. A Europa enfrenta problemas de espaço e luminosidade. Produtores menores, como a Irlanda, fazem eventualmente pressão contra a importação de carne brasileira, como aconteceu no final de 2007, quando nossas vendas para a Europa foram embargadas durante algum tempo.
Sustentabilidade nos pampas
A pecuária evoluiu nesta década graças à tecnologia desenvolvida pela iniciativa privada e, principalmente, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que desde sua criação, em 1973, estuda o segmento. Hoje, o rebanho nacional de gado de corte é de aproximadamente 137,5 milhões de cabeças. Porém, ainda há arestas a aparar. Para toda a cadeia produtiva da carne se organizar eficientemente no Brasil, é necessário não só implementar uma forte política de incentivo ao pecuarista e à indústria como estimular ainda mais a pesquisa científica. No sul do país, em particular no Rio Grande do Sul, a pecuária sempre foi feita sobre pastagens naturais, num ecossistema único no planeta, com uma extensa diversidade vegetal, que recebe em nosso país o nome de bioma pampa e é responsável pela alimentação de cerca de 90% do rebanho de produção de carne daquele estado. São campos que se estendem para além das divisas territoriais, até a Argentina e o Uruguai. Nenhum dos três países, até recentemente, deu importância a um manejo correto do meio e a sua recuperação. Foi a Embrapa Pecuária Sul, unidade da empresa ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que iniciou um importante estudo sobre o tema, ainda em desenvolvimento. Daniel Montardo, chefe adjunto de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Embrapa Pecuária Sul, alerta para o fato de que os pampas não têm o mesmo potencial produtivo das pastagens cultivadas, mas ainda assim permitem a exploração econômica aliada à sustentabilidade, já que não são resultantes de desmatamentos, mas a vegetação original daquela região. Ela persiste durante todo o ano, sem necessidade de semeadura, o que traz vantagens econômicas para o pecuarista, que pode diminuir seus gastos com a alimentação do rebanho. Com manejo adequado, segundo Montardo, é possível reduzir o uso de ração, pelo menos durante os seis meses da “estação quente”, e baratear o custo da criação. No período mais frio, o campo nativo fica crestado pela geada. Para resolver o problema, estuda-se a introdução de espécies de plantas que ofereçam uma concentração de nutrientes adequada. “A ideia é manter a biodiversidade, por meio de manejo correto e preservação do conjunto de espécies existentes, sem grande adubação, mas com a inclusão de outras variedades naturais”, diz ele. A questão da sustentabilidade se tornou prioridade no Brasil não apenas por consciência ecológica dos agroindustriais brasileiros, mas por pressão externa. Organizações não governamentais eventualmente veiculam na mídia europeia anúncios-denúncia que sugerem evitar o consumo de carne brasileira, de modo a não contribuir (segundo os ativistas) para a derrubada da floresta amazônica. Esse tipo de pressão fez o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) buscar alternativas para evitar a continuidade do desmatamento e a expansão da fronteira pecuária na Amazônia. Desde o ano passado, o agente financeiro adotou novas exigências para concessão de financiamentos aos frigoríficos, que estão obrigados a comprovar sua adesão ao sistema de rastreabilidade.
A vida do gado no computador
O engenheiro agrônomo Márcio Vinícius Ribeiro de Moraes, diretor da Pantanal Certificadora e Identificadora, empresa autorizada pelo Mapa a identificar e certificar bovinos de acordo com as normas impostas pelos importadores para a compra da carne brasileira, explica que nenhum quilo de carne pode ser exportado se o gado correspondente não tiver sido rastreado. Para isso, o bezerro recebe uma espécie de brinco ou button, que é fixado na orelha do animal e contém um código de barras com informações sobre sua origem, sexo, raça e condição sanitária, além da produção e da produtividade das fazendas por onde passou. Por enquanto, cerca de 3 mil propriedades pecuaristas realizam esse controle no Brasil, para poder vender bois para a indústria exportadora. O sistema, chamado Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), é gerido pelo Mapa. O procedimento exige o credenciamento de um médico veterinário, constantemente avaliado e monitorado pelos auditores do governo federal. É esse profissional que faz as vistorias nas propriedades rurais e as relata ao ministério, para que sejam acrescentadas às informações que constam do código de barras. Em âmbito mundial, as origens desse sistema remontam a 1995, após o registro de um episódio de intoxicação humana por salmonela na Inglaterra. Em 1999, na Bélgica, cientistas descobriram que a carne bovina estava contaminada com dioxina, uma substância tóxica derivada de processos industriais e que poderia estar na ração que alimenta o gado. Contudo, a gota de água para a implantação da rastreabilidade foi a notícia da contaminação de carne canadense pelo mal da vaca louca, doença provocada sobretudo pela ingestão de ração com restos animais. No Brasil, esse “passaporte” da carne, que dá garantias quanto ao registro, controle, identificação e inspeção dos animais e seus produtos, vem sendo exigido pelos importadores desde 2000. Aqui o gado é totalmente vegetariano e, portanto, a doença da vaca louca é praticamente impossível. Contudo, dois casos emblemáticos reforçaram essa exigência: em 2005, um foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e no Paraná e, em 2008, a notícia da adulteração de laticínios com soda cáustica, formol e água oxigenada. Além do controle sanitário, os importadores exigem que os animais cujos dados constam do sistema do Sisbov não sejam criados em locais que constem da relação de áreas embargadas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) devido a desmatamento nem da “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego e que não tenham origem em fazendas condenadas por invasão de terras indígenas, violência agrária ou grilagem de terras. Todos os países da União Europeia, além de Chile, Albânia e Suíça, estabelecem a rastreabilidade para a importação da carne. Outras nações já acenaram com a possibilidade próxima da imposição, como Rússia, Japão, China, Egito e outros.
O controle do desmatamento
A cada ano, 43,1 milhões de cabeças de gado são abatidas no Brasil. A produção anual de carne in natura está estimada em 9,15 milhões de toneladas, e a exportação em 2 milhões de toneladas. O consumo per capita de carne no Brasil é bastante superior ao da União Europeia: 36,7 quilos, enquanto na Europa é de cerca de 17 quilos. Existem 225 milhões de hectares de pastagens espalhados pelo país, 750 indústrias frigoríficas de médio e grande porte, 560 indústrias de curtume e 4,2 mil empresas fabricantes de calçados. A grande maioria dos animais (85%) está livre da febre aftosa. A principal meta das associações de criadores, agora, é reduzir ao mínimo a degradação ambiental na Amazônia. A pecuária aparece como a principal causa de desmatamento do bioma amazônico, que se espalha por nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. O engenheiro agrônomo Judson Ferreira Valentim, chefe geral do Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre, da Embrapa, e membro do conselho diretor da Oscip Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, diz que o grande problema da pecuária na Amazônia ainda é o baixo nível tecnológico da atividade na maioria das propriedades. “De qualquer forma, a situação melhorou bastante nos últimos anos”, diz ele. Em 2009, o Ministério do Meio Ambiente anunciou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com a menor taxa de desmatamento da Amazônia desde 1988: um recuo de 45% no período de 2008 a 2009, em relação a 2007-2008. “Houve um aumento da eficiência das ações de controle governamentais”, diz Judson. “O governo identificou 36 municípios onde o desmatamento era intenso e os puniu com restrições a financiamento. Além disso, a criação de novas tecnologias, como a eletrificação de cercas por painéis de energia solar, barateou a implantação de sistemas de manejo e rotação do gado.” Judson observa que 70 milhões de cabeças são criadas na Amazônia em 61 milhões de hectares de pastagens nativas e cultivadas. “Com o uso adequado de tecnologias já validadas pela Embrapa em diferentes condições ambientais, é possível converter os atuais sistemas de produção extensivos em sistemas intensivos capazes de sustentar um crescimento de 175% do rebanho atual de bovinos e outros, sem necessidade de desmatar novas áreas”, afirma ele. “O que se discute, agora, é como pagar melhor o produtor que adotar essas tecnologias”, diz.
A predominância do nelore
No mundo, há aproximadamente mil raças de bovinos, das quais 250 têm alguma relevância. No Brasil, são cerca de 60 as que podem ser exploradas comercialmente. Elas podem ser divididas em três grupos: para produção de leite, de carne ou com dupla aptidão (corte e leite). Com exceção de algumas regiões da Amazônia e do sul do país, a raça mais popular no Brasil é o nelore (ou anelorado, resultante de cruzamento), cujo rebanho, de cerca de 110 milhões de cabeças, corresponde a 80% do total de gado de corte. Da família zebuína, o nelore tem origem indiana e chegou ao país ainda no século 19, pelo porto de Salvador. André Locateli, gerente executivo da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, conta que na Índia, onde o boi é sagrado, a raça é chamada de ongole. No Brasil, ficou conhecida como nelore porque as primeiras reses que vieram para cá foram embarcadas num antigo porto indiano que tinha esse nome. Depois, já no início do século 20, algumas cabeças que chegaram ao Rio de Janeiro foram se multiplicando, passando a ser criadas também em São Paulo e Minas Gerais e, em 1938, foi possível dar início ao registro genealógico da raça no Brasil. As últimas importações de reprodutores de nelore da Índia aconteceram no começo da década de 1960. A partir daí foram proibidas pelo governo, por razões sanitárias. Como tem pelo curto e grosso, o nelore resiste bem ao calor e aos parasitas. Além disso, consegue extrair muitos nutrientes de capins grosseiros, pouco atraentes para outras raças, como as europeias. As fêmeas são excelentes mães e, por sua rusticidade, são a base para cruzamento com todas as variedades criadas no Brasil. Locateli explica que o nelore tem uma fisiologia diferente do gado europeu: sua gordura fica embaixo da pele, restrita à área externa ao músculo, enquanto nas raças europeias a gordura é intramuscular, o que contribui para maior maciez da carne. Durante muito tempo essa característica fez o nelore ser menos valorizado, mas hoje, com técnicas de melhoramento genético e mudança de hábitos alimentares, sua carne magra tornou-se bastante prestigiada e é exportada para quase 150 países. A novidade entre os criadores, agora, é a compra de embriões, já autorizada pelo governo, que permitirá um “refrescamento” do sangue e o surgimento de uma linhagem genética nova de nelore, segundo informa Locateli. Essa medida deverá ampliar o percentual de venda de sêmen de nelore para inseminação, que, em 2009, correspondeu a 51% desse mercado. Em segundo lugar, com 25%, ficou a venda de sêmen de angus (e de red angus), raça europeia originária do norte da Escócia. Por enquanto, a angus é a mais testada. Em cruzamentos com nelores nascem reses que podem ser abatidas jovens – uma exigência do mercado moderno. O fato é que a complexidade desse setor, em todos os seus aspectos, exige cada vez mais da cadeia produtiva e dos cientistas brasileiros. O improviso foi abandonado de vez e em seu lugar o que se vê é o requinte e a sofisticação técnica. E, com essas vantagens competitivas, o país caminha para se tornar imbatível no mercado mundial.
Leite também é exportado
O leite é um dos mais importantes alimentos para a nutrição humana. Segundo cálculos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês), serão produzidos no mundo, em 2010, cerca de 578 bilhões de litros. A Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios (CBCL) estima que, desse montante, 28,6 bilhões serão ordenhados no Brasil, o que coloca nosso país no sexto lugar entre os maiores produtores globais. Vicente Nogueira Netto, diretor da CBCL e presidente da Federação Pan-Americana de Leite, explica que o setor foi beneficiado por recentes medidas do governo relativas às compras externas, que incluíram, entre outras, a adoção de mecanismos de proteção aceitos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 2008, o Brasil alcançou um saldo positivo de US$ 300 milhões – foram US$ 540 milhões em exportações, invertendo a tendência anterior. “Em 2009 voltamos a ter déficit, mas posso afirmar que essa foi apenas uma eventualidade”, diz Nogueira Netto, creditando os problemas à crise mundial. “Avançamos bastante em termos de qualidade, tanto da genética bovina quanto de outros elos da cadeia produtiva”, afirma ele. Cerca de 80% do leite brasileiro vem da agricultura familiar, que, atualmente, mantém estrutura para resfriar o produto imediatamente após a ordenha. O manejo é também um dos principais fatores para explicar o aumento da produção, uma vez que o leite, por ser altamente perecível, já não se perde na etapa do transporte. O crescimento do número de indústrias de derivados lácteos e o aprimoramento de suas atividades influenciaram decisivamente esse processo. Sob fiscalização rigorosa dos órgãos de controle de higiene alimentar, a cadeia produtiva brasileira exporta mais de 40 tipos de queijos, iogurtes e outros lácteos. A melhoria na qualidade de vida do brasileiro é outro fator que deve ser levado em conta. No início desta década, o consumo per capita no país não ultrapassava 98 litros. Hoje, atinge 148 litros por habitante/ano, um índice considerado razoável, embora a recomendação da Organização Mundial da Saúde para países em desenvolvimento seja de 200 litros por ano. O gado nelore não é adequado para a produção de leite. As principais raças leiteiras exploradas no Brasil são as que provêm de gado mestiço holandês-gir (cerca de 70% da produção).

domingo, 13 de junho de 2010

Os Erros da Política Externa

O chanceler Celso Amorim usa o argumento da altaneria para explicar o voto brasileiro contra as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU ao Irã. "Nossa posição foi independente, não foi quixotesca. Dizer não, em vez de se abster, era a única posição honrosa, honesta e justa. Se tivéssemos votado de outra maneira, teríamos perdido totalmente a credibilidade." O problema é que dois erros não fazem um acerto. E o erro original foi o governo brasileiro, tomado por absurda soberba, ter julgado que poderia levar o Irã a abandonar pela via negociada o seu programa nuclear, e que a comunidade internacional, penhorada e agradecida, passaria a acreditar nos bons propósitos de Teerã. Resultou daí o acordo de troca de urânio levemente enriquecido, patrocinado pelo Brasil e pela Turquia, que só embarcou na aventura na undécima hora, que o Itamaraty exaltou como o início de conversações de boa-fé entre as grandes potências mundiais e o Irã, e as ditas grandes potências, calejadas no trato com a república islâmica, consideraram ser apenas mais um expediente para ganhar tempo. O fato é que o acordo de Teerã reproduziu uma oferta feita pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) um ano antes, e rejeitada pelo Irã, e o presidente Lula achou que essa seria a chave para a afirmação da influência do Brasil no Oriente Médio, melhor dizendo, no mundo muçulmano. Seus assessores deixaram que ele incorresse no erro, ao não alertar que a oferta da AIEA fazia sentido quando foi feita, mas não mais um ano depois, quando o Irã havia praticamente dobrado o seu estoque de urânio enriquecido. Além disso, não há no acordo uma única palavra que sugira que o Irã se submeterá de bom grado às inspeções da AIEA, e sem isso não se desfarão as suspeitas de que o objetivo do programa nuclear é a construção da bomba. A diplomacia lulista cometeu mais um grave erro de avaliação quando tentou se imiscuir nos assuntos do Oriente Médio. Primeiro, Lula ofereceu seus bons serviços para obter a paz entre palestinos e israelenses ? oferta que foi recusada com rascante ironia pelas duas partes. Depois, foi a vez do, digamos, equívoco iraniano. Esses e outros fiascos se devem a uma interpretação enviesada da evolução e da tendência dos acontecimentos mundiais. Em seu antiamericanismo visceral, os assessores internacionais de Lula acreditam que a superpotência está em declínio, que o mundo experimenta uma fase de multipolaridade e que do diretório multipolar fazem parte os países emergentes, com grande destaque do Brasil. E que essas transformações já estão ocorrendo, e em velocidade vertiginosa. Ocorre que, se é verdade que as linhas gerais desse cenário são corretas, o ritmo das transformações é lento, como quase tudo na história. O declínio dos Estados Unidos é lento e relativo, o país continua sendo, de longe, a maior potência militar e econômica do mundo, e o multilateralismo ainda cede às demandas e imposições da política de poder, como comprovam os fatos do dia a dia. Não bastasse isso, o Brasil não tem condições objetivas de agir em regiões que estão fora de sua área de influência direta. Somente a reconhecida capacidade de articulação dos diplomatas do Itamaraty e o prestígio conferido ao presidente Lula por sua inegável popularidade no exterior não são suficientes para fazer do Brasil o interlocutor universal e o peacemaker à outrance que a propaganda oficial exalta. Veja-se, a propósito, que o governo Lula nunca pretendeu, justamente por saber que não dispõe dos instrumentos para esse tipo de tarefa, resolver, por exemplo, o contencioso entre Argentina e Uruguai, a respeito das papeleras, ou consertar os desarranjos estruturais do Mercosul, ou buscar soluções para a virtual guerra civil colombiana. E tais contenciosos afetam diretamente os interesses brasileiros. O presidente Lula e o Itamaraty, no entanto, sentiram-se à vontade para querer resolver problemas no outro lado do mundo, e justamente aqueles que, há anos ou décadas, tiram o sono das grandes potências, incapazes de promover a paz nessas regiões. A intromissão no caso palestino-israelense foi apenas patética. Já o envolvimento com o Irã é perigoso porque afeta graves questões de segurança internacional, que o Brasil não está preparado para enfrentar

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PELOTAS, MINHA CIDADE Sérgio A. O. Siqueira

Minha cidade é uma enorme sala de recordações... De alma, de vida e emoções. É um pouco de mim mesmo correndo pelas artérias do tempo; um pouco de brisa e muito de vento. Luz do sol encobrindo colinas a beleza infinita de suas meninas e estrelas vadias passeando na noite. É brilho de lua, gota de orvalho; paz de mil sonhos e um velho carvalho. É praça e esporte, arte e cultura; paz e amor na forma mais pura. Minha cidade é o carro-de-lomba de uma criança que tomba; riso de gente, gente que sente é tradição de velhos e moços, de pai e irmão, dos amores com brilho da mãe que "parte o seu coração e entrega sorrindo um pedaço a cada filho". Minha cidade é muito de mim de campos em flores, de muitos amores, de rosa e jasmim] de uma paixão dessas sem fim. É fé e orgulho, som e barulho; pedra e cascalho, asfalto e cimento e o mito concreto que vence o lamento. Minha cidade é História é a minha memória que um dia falece em dado momento. É trânsito doido, egarrafamento e o carro de boi que um dia se foi no rumo da Sorte. É um canto do Sul que vive a olhar de frente pro Norte. Minha cidade é um céu sempre azul é uma pátria pequena que eu tenho no Sul.

O PÚBLICO E O PRIVADO

O Presidente da República usou carro oficial no seu comício. Usou um bem público em benefício próprio. Eureca!, encontrei a diferença entre Lula e o povo brasileiro. De quem é o bem público? Deveria ser de todos nós. Mas a cultura brasileira diz que o bem público é de ninguém e para Luiz Inácio o bem público é dele. Lula nunca soube fazer a diferença entre o que é dele, do partido ou do Brasil, não por maldade, mas por ninguém ter ensinado. Na infância e juventude isso nunca tinha feito parte dos seus pensamentos e ele ainda era povo, logo, a pracinha de perto da sua casa era de ninguém. Lula foi inventado por Zé Dirceu e alguns intelectuais. Muitos desses já deixaram o PT e hoje são anti-Lula. Perceberam que criaram não um monstro, mas um ser disforme e incompleto. Lula era um líder sindical. Sim, isso é indiscutível. Mas quem o transformou em um líder que defendia uma ideologia foi uma meia dúzia ou mais de intelectuais marginalizados pelo regime, que para passarem a existir politicamente, precisavam de um Ser com algumas habilidades: ser um bom orador para a massa de trabalhadores, que falasse a língua do povo sem compromisso com a teoria. Alguém que não possuísse capacidade de percepção de riscos e que se mostrasse tão destituído de idéia que conseguisse burlar a rígida Lei de Segurança Nacional e passasse pelo sistema sem representar uma ameaça. Alguém que mesmo com restrita habilidade intelectual, possuísse capacidade de reprodução, isto é, poderiam colocar na cabeça dele o que deveria fazer ou falar. Esse homem era Lula. Perfeito! Os pensadores do PT já tinham o líder, agora precisavam inventar a esquerda. Partiram do marco zero. Desprezaram tudo que já existia no Brasil em termos de luta revolucionária e se colocaram como os primeiros. O momento ajudou, claro. Lula foi feito presidente do partido e líder das massas. Os pensadores passavam a ele as diretrizes, cuidavam da vida dele, instruíam como deveria agir, pensar e falar. Sua família virou o partido e sua vida foi se mesclando com o PT. Não o ensinaram a diferenciar o que era dele e o que era do partido, mesmo em termos físicos, da estrutura física mesmo, dos bens do partido. A sede do partido era uma extensão da sua casa. Era seu trabalho e seu lazer. Viajava pelo Brasil e pelo mundo e nunca soube quem pagava as despesas. O partido tratava desse assunto. Tinha, e isso é fato, clara noção de como os operários/trabalhadores/militantes contribuíam com para a criação do PT. Aliás, essa é uma reclamação de muitos que hoje são senhores aposentados e vivem com míseros salários. Assim como no filme de Elia Kazan, "Sindicato dos Ladrões", os operários do ABC eram induzidos a entregar parte dos seus salários para a construção de um "ideal". Os que não aceitavam, eram marginalizados pelos outros, com eles era feita uma espécie de pressão que os fazia sentir politicamente incorretos. Não existia o meio termo, quem não contribuía era do mal e os outros do bem. Acabavam cedendo. Assim nasceu Lula. A personalidade do presidente sempre me intrigou. Procurei algumas descrições da psiquiatria tentando encaixá-lo, mas ele é um mix. Lula possui vários tipos de Transtornos de Personalidade. É um psicótico múltiplo, se é que isso existe. Apresenta traços de Transtorno Dependente, aquele que tem dificuldades para tomar decisões e necessita que os outros assumam a responsabilidade de seus atos. Por mais incrível que pareça, Lula apresenta sinais de Transtorno anti-social, descrito como aqueles que "desrespeitam e violam os direitos dos outros, não se conformando com normas. Mentirosos, enganadores e impulsivos, sempre procurando obter vantagens sobre os outros". Luis Inácio apresenta também traços de psicopatia narcisística, definida como: "auto-referência excessiva, grandiosidade, tendência à superioridade e exibicionismo, dependência excessiva da admiração por parte dos outros, superficialidade emocional, crises de insegurança que se alternam com sentimentos de grandiosidade". Esse foi o produto da invenção de Zé Dirceu e seus amigos, um ser de comportamento Psicótico, destituído de consciência moral e ética, de discernimento do que é seu ou do outro, sem limites. Essas pessoas não conseguem captar que o que é de todos não é só seu. Em termos mais simples, imagine que eu fosse governador e para conseguir algo em benefício próprio, tipo um empréstimo privado, eu desse como aval um pedaço do Estado.

Diplomacia de sonâmbulos

O elemento durável e decisivo na História são as religiões:
o Estado, a nação e, no fim das contas, tudo o que hoje se
denomina "política" são apenas a espuma na superfície de
uma corrente que se constitui, em essência, da história das
religiões.
Pergunto-me se alguém, no nosso governo, tem alguma compreensão do pano-de-fundo religioso, místico e esotérico das manobras do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad. A resposta é evidentemente "Não". A simples idéia de que em política a religião possa ser algo mais que um adorno -- ou disfarce -- publicitário é absolutamente inalcançável para os brucutus do Palácio do Planalto e para os galináceos engomados do Itamaraty. Toda vez que essa gente toma decisões em assuntos que pairam infinitamente acima de seus neurônios e arrastam o povo na direção de um destino que este compreende menos ainda, a liderança intelectual, política, empresarial e militar deste país deveria bater no peito e, genuflexa, recitar: Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. O Brasil está se transformando no instrumento mais passivo, bocó e inconseqüente de políticas internacionais desastrosas que, nas presentes condições, não podem sequer ser objeto de um debate público sério por absoluta falta de debatedores informados. A ideologia dominante no mundo moderno apregoa que a sociedade política é uma realidade auto-subsistente, dentro da qual, e como parte subordinada da qual, existe um fenômeno chamado "crenças", cujo exercício o Estado, conforme lhe dê na telha, protege ou reprime. Essa visão das coisas, hoje tida como dogma do senso comum, é diretamente contraditada pela realidade histórica. Não existe no universo um só Estado ou nação que não tenha surgido desde dentro das religiões, como capítulo fugaz da história dos seus antagonismos internos e externos. O elemento durável e decisivo na História são as religiões: o Estado, a nação e, no fim das contas, tudo o que hoje se denomina "política" são apenas a espuma na superfície de uma corrente que se constitui, em essência, da história das religiões, tomado o termo num sentido amplo que abrange os movimentos ocultistas e esotéricos, incluindo os que se travestem de materialistas e agnósticos (o marxismo é o exemplo mais nítido: leiam Marx and Satan, do pastor Richard Wurmbrand, e To Eliminate the Opiate, do rabino Marvin Antelman, e entenderão do que estou falando). Obscurecido pela ilusão da "política", o predomínio absoluto do fator religioso na História mostrou uma vez mais sua força no instante em que o projeto de governo global, muito antes de se traduzir em medidas políticas concretas, teve de se constituir, já desde os anos 50, numa engenhoca espiritual que acabaria por tomar o nome de United Religions Initiative (cito Lee Penn, False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion, leitura obrigatória para quem quer que deseje entender o mundo de hoje). Mas, se as lideranças globalistas estão bem cientes desse fator, ele continua ignorado pela massa dos analistas políticos, comentaristas de mídia e "formadores de opinião" em geral, apegados, por força da sua formação universitária, ao mito do "Estado leigo", como se a razão de ser deste último não fosse, precisamente, o advento final de algo como a United Religions Initiative. O único lugar do planeta onde a consciência do poder da religião como força modeladora da História está viva não só entre os intelectuais como até entre a população em geral, é o Islam. Por isso é que milhões e milhões de muçulmanos têm um senso de participação consciente em planos estratégicos de longuíssima escala -- em escala de séculos -- para a instauração do império islâmico mundial. Esse senso, aliado à completa invisibilidade dessa escala no horizonte histórico estreito dos políticos ocidentais, basta para explicar que o Islam tenha hoje a maior militância organizada que já se viu no mundo - um poder avassalador a cuja marcha triunfante os países mais ricos e supostamente mais fortes não sabem nem podem oferecer senão uma resistência verbal perfeitamente inútil. Habituados a raciocinar em termos de poderes estatais, militares, econômicos e burocráticos, os estrategistas do Ocidente perdem freqüentemente de vista a unidade profunda do projeto islâmico ao longo do tempo, nublada, a seus olhos, por divergências momentâneas de interesses nacionais que, para eles, constituem a única realidade efetiva. E nisso refiro-me aos estrategistas das grandes potências, não a seus macaqueadores de segunda mão que hoje constituem a "zé-lite" da diplomacia luliana. Estes não têm sequer a noção de que exista, para além dos lances do momento, um projeto islâmico de longo prazo, ao qual servem sem atinar com o sentido daquilo que fazem ou dizem. Movem-se na cena do mundo como sonâmbulos errando entre sombras, imitando o soneto célebre de Fernando Pessoa:
"Emissário de um rei desconhecido, Eu cumpro informes instruções de além, E as bruscas frases que aos meus lábios vêm Soam-me a um outro e anômalo sentido."