"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sexta-feira, 17 de julho de 2009

LEIS NATURAIS DE QUEM?

Do mesmo modo que os economistas da época da Revolução Industrial desenvolveram uma série de leis que, diziam, eram tão válidas para o mundo social e econômico como as leis dos cientistas para o mundo físico. Formularam uma série de doutrinas que- eram as “leis naturais” da Economia. Estavam convencidos de suas verificações. Não discutiam se as leis eram boas ou más. Não havia por que discutir. Suas leis eram fixas, eternas. Se os homens fossem inteligentes e agissem de acordo com os princípios que expunham, muito bem; mas se não, e agissem sem respeito às suas leis naturais, sofreriam as conseqüências. Ora, pode ser ou não verdade que esses economistas, em sua busca da verdade, fossem sublimemente indiferentes aos resultados práticos de suas pesquisas. Mas eram homens de carne e osso, que viviam num certo lugar e numa certa época. Isso significa que os problemas por eles tratados eram os mesmos que surgiam naquele lugar e naquela época. E suas doutrinas atingiram poderosos grupos na sociedade, que consequentemente as aceitavam ou rejeitavam, de acordo com seus interesses, e viam a "verdade” àquela luz. Tal como a ascensão da classe dos negociantes, após a Revolução Comercial, trouxera consigo a teoria do mercantilismo, assim como as doutrinas dos fisiocratas, acentuando a importância da terra como fonte de riqueza, se desenvolveram na França agrícola, assim a ascensão dos industriais durante a Revolução Industrial na Inglaterra trouxe consigo teorias econômicas baseadas nas condições da época. Chamamos às teorias da Revolução Industrial de “Economia clássica". O leitor já está familiarizado com algumas das doutrinas de Adam Smith, considerado o fundador da escola clássica. Outros economistas destacados dessa corrente são Ricardo, Malthus, James Mill, McCulloch, Senior e John Stuart Mill. Nem todos concordam com Smith ou entre si. Mas estão de acordo sobre certos princípios gerais fundamentais. E sinceramente de acordo com tais princípios estavam os homens de negócios da época. Por uma excelente razão: a teoria clássica se adequava admiravelmente às suas necessidades particulares. Dela podiam escolher, com grande facilidade, as leis naturais que justificassem completamente seus atos. – Os homens de negócios estavam atentos às grandes oportunidades. Estavam desejosos de lucros. Vieram então os economistas clássicos, dizendo que era isso exatamente que devia acontecer. E havia mais. Havia um conforto ainda maior para o homem de negócios empreendedor. Diziam-lhe que, ao procurar seu lucro, estava ajudando também ao Estado. Adam Smith disse isso. Eis aqui, por exemplo, um remédio perfeito para o ambicioso negociante que pudesse passar as noites em claro, às voltas com sua consciência perturbada: “Toda pessoa esta continuamente empenhada em encontrar o emprego mais vantajoso para o capital de que dispõe. É sua vantagem pessoal, na realidade, e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o estudo de sua vantagem pessoal, naturalmente, ou melhor, necessariamente o leva a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.” Perceberam? O bem-estar da sociedade está ligado ao do indivíduo. Dê a todos a maior liberdade, diga-lhes para ganharem o mais que puderem, apele para seu interesse pessoal, e veja, toda a sociedade melhorou! Trabalhe para si amo, e estará servindo ao bem geral. Que achado para os homens de negócios, ansiosos em se lançarem na corrida dos lucros cada vez maiores! Abram os sinais para o trem especial do laissez-faire! Deveria o governo regulamentar os horários e os salários dos trabalhadores? Isso seria uma interferência na lei natural, e, portanto, inútil – diziam os economistas clássicos. Qual, então, a função do governo? Preservar a paz, proteger a propriedade, não interferir. A concorrência devia ser a ordem do dia. Mantinha baixos os preços e assegurava o êxito dos fortes e eficientes, livrando-se ao mesmo tempo dos fracos e ineficientes. Segue-se que o monopólio – dos capitalistas para elevar os preços, ou dos sindicatos para elevar os salários – era uma violação da lei natural. Esses amplos conceitos, como o leitor se lembrará, foram delineados por Adam Smith em resposta à regulamentação, restrição e contenção mercantilista. Escreveu seu grande livro em 1776, exatamente no início da Revolução Industrial. Os economistas clássicos, que se assenhorearam dessas doutrinas, ampliando-as e popularizando-as, escreveram que a Revolução Industrial, do ponto de vista do aumento da produção de mercadorias e ascensão ao poder da classe capitalista, estava fazendo um grande progresso. Acrescentaram outras “leis naturais” de sua autoria, que se adaptavam às condições da época. An Essay on the Principle of Population, de Thomas R. Malthus, foi um dos livros mais famosos do período, publicado primeiramente em 1798, em parte como resposta a um livro de William Godwin, sogro de Shelley. Godwin, em seu Enquiry Concerning Political Justice, escrito em 1793, afirmava que todos os governos eram um mal, mas que o progresso era possível t a humanidade poderia chegar à felicidade pelo uso da razão. Malthus desejava combater as perigosas crenças de Godwin; queria provar que um grande progresso no destino da humanidade era impossível – o que seria uma boa razão para que todos vivessem contentes, com o que havia, e não tentassem uma revolução como a da França. Malthus ataca Godwin da seguinte forma: “O grande erro em que elabora o Sr. Godwin em todo o seu livro está na atribuição de quase todos os vícios e misérias existentes na sociedade civil às instituições humanas. As regulamentações políticas e a administração da propriedade existente são para ele as fontes de todo o mal, o berço de todos os crimes que degradam a humanidade. Se assim realmente fosse, não seria tarefa impossível afastar totalmente o mal do mundo; a razão parece ser o instrumento próprio e adequado para realizar tão grande objetivo. A verdade, porém, é que embora as instituições humanas pareçam ser as causas evidentes e óbvias de muitos males da humanidade, na realidade são ligeiras e superficiais, são como simples penas que flutuam na superfície, em comparação com as causas profundas de impureza que corrompem as fontes e tornam turvas as águas de toda a vida humana.” Quais são essas “causas profundas” que fazem a miséria da humanidade? A resposta de Malthus é que a população aumenta mais depressa do que o alimento para mantê-la viva. O resultado – haverá uma época em que o número de bocas será muito superior ao alimento existente para alimentá-las. “A população, quando não-controlada, aumenta numa razão geométrica. A subsistência aumenta apenas em proporção aritmética... ... Isso significa um controle forte e constante sobre a população, provocado pela dificuldade de subsistência. Essa dificuldade deve recair nalguma parte e deve necessariamente ser fortemente sentida por grande parte da humanidade... ... “A população da Ilha [Inglaterra] é de cerca de sete milhões. Suponhamos ser a produção atual suficiente para sustentar esse número. Nos primeiros 25 anos, a população será de 14 milhões, e o alimento dobrando também, os meios de subsistência serão iguais a esse aumento. Nos 25 anos seguintes a população será de 28 milhões; e os meios de subsistência suficientes apenas para o sustento de 21 milhões. No período seguinte, a população será de 56 milhões, e os meios de subsistência suficientes para metade desse número. E na conclusão do primeiro século, a população seria de 120 milhões, e os meios de subsistência suficientes apenas para o sustento de 35 milhões. Isso deixaria uma população de 77 milhões totalmente sem abastecimento.” Isso, diz Malthus, não acontece na realidade. Porque a morte (na forma de “epidemias, pestes e pragas...... e fome”) age e recolhe sua taxa de crescimento demográfico, de forma que este se harmoniza com o suprimento de alimentos. “O crescimento superior da população é contido, e a população real se mantém em nível com os meios de subsistência pela miséria e pelos vícios.” ‘" Assim, a razão pela qual as classes trabalhadoras eram pobres, disse Malthus, não estava nos lucros excessivos (razão humana) mas no fato de que a população aumenta mais depressa do que a subsistência (lei natural). Nada se poderia, porém. fazer para melhorar a situação dos pobres? “Nada”, disse Malthus na primeira edição de seu livro: “É sem dúvida um pensamento muito acabrunhador, o de que o grande obstáculo a qualquer melhoria extraordinária da sociedade seja uma natureza impossível de superar.” "* Mas na segunda edição, publicada em 1803, ele achou uma solução. Além da miséria e do vício, um terceiro controle da população era possível – o “controle moral”. Greves, revoluções, caridade, regulamentações governamentais, nada disso poderia ajudar os pobres em sua miséria – eles é que deviam ser responsabilizados, porque se reproduziam tão rapidamente. Impeça-se que casem tão cedo. Pratiquem o “controle moral” – não tenham famílias tão grandes – e assim poderão ter esperanças de se ajudarem a si mesmos. Quem servia melhor à sociedade – a mulher que se casava e tinha muitos filhos, ou a solteirona? Malthus achava que era a segunda: “A matrona que criou uma família de 10 ou 12 filhos, que talvez estejam lutando pela pátria, pode achar que a sociedade lhe deve muito... ...Mas se a questão for imparcialmente examinada, e a matrona respeitada tiver seu peso aferido na escala da justiça, em relação à desprezada solteirona, é possível que a matrona leve a pior.” Boa notícia para os ricos, a de que os pobres eram os únicos culpados de sua pobreza. Depois de Adam Smith, o mais importante dos economistas clássicos foi David Ricardo. Era um judeu londrino que fizera grande fortuna nas ações da Bolsa. Seu livro The Principles of Political Economy and Taxation, publicado em 1817, é considerado por muitos como o primeiro a tratar a Economia como uma ciência. A Weadth of Nations de Adam Smith é leitura fácil, em comparação com o trabalho de Ricardo. Uma das razões: Smith é muito melhor como escritor. Outra, e talvez mais importante, é a objetividade de Smith, sua citação de exemplos familiares para ilustrar suas idéias. Ricardo, por outro lado, é abstrato e usa exemplos imaginários que podem, ou não, ter alguma aparência de realidade. Os livros científicos são, de modo geral, difíceis e monótonos. Ricardo não constitui exceção. Não obstante, o que tinha a dizer era tremendamente importante, e ele se classifica como um dos maiores economistas do mundo. Em nosso limitado espaço só podemos examinar algumas de suas doutrinas, e muito rapidamente. A primeira é conhecida como “a lei férrea dos salários”. O que os trabalhadores ganhavam pela sua atividade já recebera a atenção de autores antes de Ricardo. Em 1766, Turgot, num pequeno livro intitulado Re-flections on the Formation and Distribution of Wealth, dizia: “O trabalhador simples, que depende apenas de suas mãos e sua indústria, não tem senão a parte de seu trabalho de' que pode dispor para os outros. Vende-a a um preço maior ou menor ; mas esse preço alto ou baixo não depende apenas dele; resulta de um acordo que fez com a pessoa que o emprega. Esta lhe paga o menos possível, e, como pode escolher entre muitos trabalhadores, prefere o que trabalha por menos. Os trabalhadores são por isso obrigados a reduzir seu preço em concorrência uns com outros. Em toda espécie de trabalho deve acontecer, e na realidade acontece, que os salários do trabalhador se limitam apenas ao que é necessário à mera subsistência.” ‘" Turgot não foi além. Ricardo desenvolveu a idéia, e por isso a lei de férias dos salários está ligada a ele. Assim, afirma que o trabalhador ganha apenas o salário necessário para manter vivos a ele e à família. “O preço natural do trabalho... depende do preço do alimento, necessidade e conveniências necessárias à manutenção do trabalhador e sua família. Com um aumento no preço dos alimentos e das necessidades, o preço natural do trabalho se eleva. Com a queda o preço natural do trabalho cai.” Mas eu e o leitor sabemos que há épocas em que os trabalhadores recebem mais do que o necessário para viver, e outras em que recebem menos. Ricardo leva isso em conta. Distingue entre o “preço do mercado” do trabalho e seu preço natural: “O preço do mercado do trabalho é o preço realmente pago por ele, resultado da operação natural da proporção entre a oferta e a procura : o trabalho é caro quando escasso, e barato quando abundante. Por mais que o preço do mercado do trabalho se possa desviar de seu preço natural, ele tem, como as mercadorias, a tendência de se conformar a ele.” Para mostrar a exatidão dessa ultima frase, de que o preço do mercado tende a se conformar ao preço natural, Ricardo toma emprestada uma folha do livro de Malthus. Diz que quando o preço do mercado é alto, quando os trabalhadores recebem mais do que o bastante para a manutenção de suas famílias, então a tendência é aumentar o tamanho dessas famílias. E o aumento do número de trabalhadores reduzirá os salários. Quando o preço do mercado é baixo, quando os trabalhadores recebem menos do necessário para manter as famílias, então seu número se reduz. E um número menor de trabalhadores eleva os salários. Essa, pois, a lei de salários de Ricardo – com o tempo, os trabalhadores não poderão receber mais que o “necessário para lhes permitir.. ....viver e perpetuar a raça, sem aumentar nem diminuir.” Para melhor compreensão da lei da renda, a mais famosa das doutrinas de Ricardo, devemos examinar a controvérsia sobre as Leis do Trigo, que varria a Inglaterra na época em que apareceram os Principles de Ricardo. Os antagonistas da disputa eram os donos de terras e os industriais. As Leis do Trigo eram uma espécie de tarifa protetora do trigo. O trigo não poderia ser importado enquanto o preço do produto não atingisse, internamente, determinado nível, que variava de tempos em tempos. A finalidade disso era estimular seu cultivo, para que a Inglaterra tivesse bastante sortimento dele, em caso de emergência. O cultivo foi estimulado assegurando-se ao agricultor inglês um bom preço. Não precisava temer a concorrência externa, porque nenhum trigo entraria no país até que o produto interno tivesse atingido certo preço. Isso significava bons lucros, a menos que a colheita interna fosse excessiva para o consumo – o que não ocorria na Inglaterra desde 1790. Devido às guerras napoleônicas, o trigo teve seu preço elevado e uma área de terras cada vez maior foi dedicada ao seu plantio. Os agricultores queriam o preço alto, porque isso representava maior renda, e mais dinheiro no bolso. Os industriais não queriam o preço alto, porque isso representava um aumento no custo da subsistência dos trabalhadores, e, portanto, descontentamento, greves, e finalmente salários mais altos, ou seja, menos dinheiro em seu bolso. Travou-se uma polêmica, os donos de terra pedindo proteção e os industriais defendendo o comércio livre. Ricardo estava no meio dessa luta. Suas simpatias eram dos industriais, pois pertencia a classe da nascente burguesia. Não é de surpreender, portanto, que entre outras coisas, as leis naturais por ele descobertas expliquem a natureza da renda, mostrem que “todas as classes, portanto, com exceção dos donos de terras, serão prejudicadas pelo aumento do preço do trigo”. Como chegou a essa conclusão? Provando que quanto mais alto o preço do trigo, tanto mais altas as rendas. Aumentam estas, argumenta Ricardo, porque o solo é limitado e sua fertilidade difere. “Se toda a terra tivesse as mesmas propriedades, se fosse ilimitada em quantidade e uniforme em qualidade, não seria possível cobrar pelo seu uso...... portanto, somente porque a terra não e de quantidade ilimitada nem de qualidade uniforme e porque, devido ao aumento da população, terra de qualidade inferior... ... é posta em cultivo, que se paga renda pela sua utilização. Quando, na evolução da sociedade, terras de segundo grau de fertilidade são postas em cultivo, a renda imediatamente começa a ser cobrada pela terra de primeira qualidade, e o total dessa renda dependerá da diferença de qualidade nessas duas partes da terra. “Quando a terra de terceira qualidade é posta em cultivo, a renda imediatamente começa na segunda, e é determinada, como antes, pela diferença em sua capacidade produtiva...... Com os aumentos da população, que obrigarão o país a recorrer a terras de pior qualidade para que consiga o volume de alimentos de que necessita, a renda sobre a terra mais fértil começara a ser cobrada.” Segundo Ricardo, as Leis do Trigo, elevando o preço do produto, fizeram os agricultores procurar terras mais pobres para seu plantio. Quando isso ocorreu, pagaram-se arrendamentos pelas terras mais férteis. Com o passar do tempo, o solo mais pobre foi sendo cada vez mais cultivado e os arrendamentos subiram. Tal renda ia para os donos da terra não porque trabalhassem. Nada faziam – e mesmo assim a renda subia. “O interesse do dono de terra está sempre em oposição ao do consumidor e do fabricante. O trigo só pode desfrutar permanentemente um preço alto porque um trabalho adicional é necessário para produzi-lo, porque seu custo de produção aumenta. O mesmo custo invariavelmente aumenta a renda; é portanto do interesse do dono da terra que o custo da produção do trigo aumente. Isso, porém, não interessa ao consumidor; para ele é desejável que o trigo seja barato em relação ao dinheiro e às mercadorias, pois é sempre com mercadorias ou dinheiro que o trigo é comprado. Nem é do interesse do fabricante que o trigo tenha preço alto, pois o alto preço provocará aumento de salários, mas não aumentará o preço de suas mercadorias.” Esse último ponto é que era o problema, naturalmente. Enquanto os trabalhadores fossem obrigados a um salário de subsistência, segundo a lei mesma de salários de Ricardo, não lhes importava que o preço do trigo fosse alto ou baixo – seus salários subiam quando o trigo subia, caíam quando o trigo caía. Mas importava aos industriais que não podiam vender suas mercadorias por mais apenas por ser mais caro o trigo, e com isso se elevarem os salários. Ricardo continua, comparando os serviços prestados pelos industriais e pelos donos de terra, constatando a inutilidade destes: “Os negócios entre o dono de terra e o público não são iguais às relações do comércio, pelas quais tanto vendedor como comprador têm de ganhar, pois no caso deles a perda recai totalmente sobre uma das partes, e o lucro totalmente sobre a outra.” Os industriais acrescentaram as leis naturais de Ricardo a suas armas contra a proteção. Queriam a abolição das Leis do Trigo e o comércio livre. O Parlamento, porém, era controlado pelos donos de terra, e por isso aquelas leis duraram muito, até 1846. Enquanto isso, alguns donos de terra, que não viam qualquer vantagem para o país em ter trigo barato, começaram a se preocupar com as condições de trabalho e os horários das fábricas. Humanitários, que gritavam pela correção dos males do industrialismo, viram-se ajudados pelos poderosos latifundiários, que desejavam vingar-se dos industriais pela sua hostilidade às Leis do Trigo. Nomearam-se Comissões Parlamentares para examinar as condições fabris e apresentar relatórios. Houve tentativas de aprovar leis, reduzindo as horas de trabalho. A oposição por parte dos industriais foi, naturalmente, tremenda, pois previam a ruína se seus trabalhadores não continuassem presos às máquinas, tal como antes. Mas os esforços conjuntos dos trabalhadores, humanitaristas e donos de terra tiveram êxito, e Leis Fabris, limitando as horas e regulando as condições, foram aprovadas. E a agitação em prol de mais restrições e regulamentos continuou. Um dos economistas clássicos, Nassau Senior, elaborou uma doutrina provando que as horas não podiam ser mais reduzidas, porque o lucro obtido pelo empregador vinha da última hora de trabalho – tirada esta, estaria eliminado o lucro, e destruída toda a indústria. “Sob a lei atual, nenhuma fábrica que emprega pessoas com menos de 18 anos pode trabalhar mais do que 12 horas por 5 dias na semana, e 9 aos sábados. Ora, a análise seguinte mostrará que numa fábrica sob tal regime o lucro líquido é obtido da última hora.” A análise de Senior baseava-se num exemplo puramente imaginário, no qual a aritmética estava certa, mas as conclusões erradas. Isso se provou sempre que uma fábrica reduzia suas horas de trabalho – t continuava em funcionamento. Muito mais prejudicial aos trabalhadores do que a última hora de Senior foi a doutrina do fundo de salário. Foi mais prejudicial porque foi adotada e ensinada pela maioria dos economistas. O princípio da última hora foi empregado para combater a agitação em favor do menor dia de trabalho; a doutrina do fundo de salário foi usada para combater a agitação em favor de salários mais altos. Os trabalhadores formavam sindicatos t faziam greve porque desejavam um aumento de salários. “Pura tolice”, diziam os economistas. Por quê? Porque havia um certo fundo posto de lado para pagamento de salários. E havia um certo número de assalariados. O total que os trabalhadores ganhavam em salários era determinado por esses dois fatores. Era isso. E os sindicatos nada podiam fazer. John Stuart Mill assim explicou a coisa: “Os salários não dependem apenas do total relativo de capital e população, mas não podem, no regime de concorrência, ser afetados por mais nada. Os salários...... não podem elevar-se, a não ser pelo aumento dos fundos conjuntos empregados na admissão de trabalhadores, ou na diminuição do número de concorrentes à admissão, nem podem cair, exceto pela diminuição do fundo de pagamento do trabalho, ou pelo aumento do número de trabalhadores a serem pagos.” Muito simples. Nenhuma esperança para os trabalhadores, a menos que o fundo de salário aumentasse ou o número de trabalhadores diminuísse. Se qualquer dos trabalhadores fosse teimoso e insistisse em que salários mais altos eram necessários para que se pudessem manter vivos, podiam dar-lhe uma lição de Matemática elementar : “É inútil argumentar contra qualquer uma das quatro regras fundamentais da Aritmética. A questão dos salários é uma questão de divisão. Reclama-se que o quociente é muito pequeno. Bem, então, quais são as formas de torná-la maior? Duas. Aumente-se o dividendo, permanecendo o divisor o mesmo, e o quociente será maior; reduza-se o divisor, permanecendo o dividendo o mesmo, e o quociente será maior.” Tudo muito simples. Duas formas de conseguir maiores salários. A segunda forma “reduza o divisor” – isto é, decresça o número de trabalhadores – era um velho conselho. Malthus lhe dera o nome de “restrição moral”. A primeira forma, “aumente o dividendo”, isto é, aumente o volume do fundo de salários, poderia ser realizada, segundo Senior, “permitindo que todos se empenhassem da forma que, pela experiência, lhes parecesse mais benéfica: libertando a indústria da massa de restrições, proibições e tarifas protetoras, com as quais a Legislatura por vezes, numa ignorância bem intencionada, por vezes com pena, e por vezes graças a um ciúme nacional, tem procurado esmagar ou dirigir mal seus esforços”. Deixem os negócios em paz e o resultado será mais dinheiro no fundo reservado aos salários. Os homens de negócios concordavam. A teoria do fundo de salários era a resposta pronta dos industriais e economistas às reclamações dos trabalhadores e sindicatos. Os trabalhadores não se importavam com ela, porque sabiam-na falsa. Sabiam que a ação dos sindicatos lhes conquistava melhores salários. Simplesmente não acreditavam haver um fundo fixo reservado antecipadamente ao pagamento de salários. O que haviam aprendido na prática foi confirmado na teoria por Francis Walker, economista norte-americano que escreveu em 1876. Walker destruiu a teoria do fundo de salários com este argumento: “Uma teoria popular de salários...... baseia-se na suposição de que os salários são pagos com o capital, com os resultados obtidos pela indústria no passado. Portanto, argumenta-se, o capital deve constituir a medida dos salários. Pelo contrário, sustento que os salários são pagos com a produto da atual indústria, e portanto que a produção constitui a verdadeira medida dos salários...... Um empregador paga salários para comprar trabalho, não para gastar um fundo que possa ter... ... O empregador compra o trabalho com o objetivo de ter o produto desse trabalho; e o tipo e o total do produto determinam quais os salários que pode pagar...... É, portanto, para a produção futura que os trabalhadores são empregados, e não porque o empregador esteja de posse de um fundo que deve gastar. E é o valor do produto que determina o total de salários que pode ser pago, e não o total de riqueza que o empregador tenha ou possa comandar. E, portanto, a produção, e não o capital, que fornece o motivo do emprego e a medida dos salários.” Prova excelente a favor da exatidão do argumento de Walker, de que os salários não são um adiantamento pago ao trabalhador pelo capital, é proporcionada pela prática comum hoje na indústria têxtil do Japão e Índia, onde os salários são “retidos”. No Japão, “os salários ganhos pelas moças que trabalham na indústria da seda ou na pequena indústria do algodão são habitualmente pagos diretamente a seu país...... Esses salários podem ser pagos semestralmente, ou, no caso da indústria da seda, no fim de um ano de trabalho, [e na Índia] os salários são pagos com um mês ou seis semanas de atraso...... As fábricas chegam a cobrar 90% de juros no caso de fazerem pequenos adiantamentos sobre o próximo pagamento, e isso de salários já ganhos”. Mas não foi necessário aguardar a prova, dada no século XX, da falsidade da teoria do fundo salarial. A classe trabalhadora a denunciou desde o começo como contrária à sua experiência. Walker deu em 1876 numerosos exemplos da vida norte-americana para provar que não havia nenhuma exatidão na teoria E sete anos antes que lançasse a última pá de terra no caixão do fundo salarial, até mesmo os economistas admitiam que essa lei natural não era absolutamente uma lei. John Stuart Mill fora o homem cujo Principles of Political Economy, publicado em 1848, muito contribuíra para popularizar a doutrina. Ao comentar um livro para a Fortnightly Review, em maio de 1869, publicou sua retratação: “A doutrina ate agora ensinada por todos, ou pela maioria dos economistas (inclusive eu próprio), negando a possibilidade de que as combinações comerciais pudessem elevar os salários, ou que limitassem suas operações a esse respeito a obtenção, um tanto anterior, de um aumento que a concorrência do mercado teria produzido sem elas – essa doutrina é destituída de base científica, e deve ser posta de lado.” Foi um ato de coragem de J. S. Mill. Cometera um erro e o confessava honestamente. Mas para os trabalhadores, era tarde demais – essa denúncia de uma doutrina que os perseguira por mais de meio século. De pouco lhes servia uma ciência que proporcionava ao inimigo todo um arsenal, sempre que os trabalhadores procuravam conseguir algum progresso; de pouco lhes servia uma ciência que praticamente não lhes oferecia esperança de melhorar de vida; de pouco lhes servia uma ciência que a todo momento servia aos interesses da classe patronal. Um dos mais destacados adeptos da escola clássica, o Professor J. E. Cairnes, admitia que os trabalhadores têm razão de desconfiar da Ciência da Economia. Em seu Essay in Political Economy, publicado em 1873, Cairnes assinalava que a Economia se tinha tornado uma arma da classe burguesa: “A Economia Política surge muito freqüentemente, em especial quando aborda as classes trabalhadoras, com a aparência de um código dogmático de regras rígidas, como um sistema de promulgar decretos ‘sancionando’ uma disposição social, ‘condenando’ outra, exigindo dos homens não exame, mas obediência. Quando examinamos a espécie de decretos que são ordinariamente dados ao mundo em nome da Economia Política – decretos que julgo poder dizer constituem apenas uma ratificação da forma de sociedade existente como se fosse mais ou menos perfeita – poderemos então compreender a repugnância, e mesmo a oposição violenta, manifestada em relação a ele pelas pessoas que têm razões próprias para não participar daquela admiração ilimitada pela atual organização industrial, experimentada por alguns expoentes populares das chamadas leis econômicas. Quando se diz a um trabalhador que a Economia Política ‘condena’ as greves, olha com desconfiança as propostas de limitação do dia de trabalho, mas ‘prova’ a acumulação de capital, e ‘sanciona’ a taxa de salários do mercado, não parece uma resposta imprevista que ‘como a Economia Política é contra o trabalhador, compete a este ser contra a Economia Política’. Não parece absurdo que esse novo código venha a ser considerado com desconfiança, como sistema possivelmente concebido no interesse dos empregadores, e que é dever dos trabalhadores esclarecidos simplesmente repudiar e negar.” Era verdade ser a Economia Política contra o trabalhador. Era também verdade ser ela a favor do homem de negócios – particularmente o da Inglaterra. Os ensinamentos dos economistas clássicos difundiram-se pela França e Alemanha, e no primeiro quartel do século XIX os livros famosos de Economia publicados nesses países foram, em sua grande parte, traduções ou exposições dos trabalhos dos economistas clássicos ingleses. MI tornou-se aos poucos evidente aos pensadores de ambos os países que a doutrina clássica não era apenas a doutrina' do homem de negócios, mas sob certos aspectos era peculiarmente uma doutrina do homem de negócios da Inglaterra. Não que os economistas clássicos estivessem conscientemente dispostos a ajudar o homem de negócios inglês. Isso não seria necessário. Pelo fato de viverem na Inglaterra numa época determinada, suas doutrinas tinham de refletir o meio. Isso ocorreu, e os economistas e homens de negócios de outros países logo o descobriram. Tomemos, por exemplo, o comércio livre. Adam Smith o defendera, e Ricardo e outros que o seguiram, também. Eram partidários de um comércio mundial livre; não só as barreiras internas deviam ser eliminadas, mas também as barreiras entre países. Ricardo defende muito simplesmente o intercâmbio internacional livre: “Num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e trabalho aos empreendimentos que lhe são mais benéficos. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente ligada ao bem universal do todo. Estimulando a indústria, recompensando a engenhosi-dade, e usando da forma mais eficaz os poderes atribuídos pela natureza, ela distribui o trabalho com mais eficiência e mais economicamente : ao mesmo tempo, aumentando a massa geral de produção, difunde o bem geral e une, pelo laço do interesse comum e do intercâmbio, a sociedade universal das nações por todo o mundo civilizado. & esse princípio que determina ser o vinho feito na França e Portugal, que o trigo seja cultivado na América e Polônia, e que as mercadorias de ferro e outras sejam manufaturadas na Inglaterra.” Ricardo pode, nesse trecho, estar certo ou não quanto ao valor de troca livre e internacional de mercadorias. Mas não há dúvida de que estava absolutamente certo para a Inglaterra, na época em que escreveu. A Revolução Industrial ocorreu ali primeiro; os industriais ingleses começaram antes dos industriais do resto do mundo, estando à frente deles em métodos, em máquinas, em facilidades de transporte. Os ingleses podiam e estavam prontos a cobrir a terra com os produtos de suas fábricas. Portanto, o comércio internacional livre lhes servia. Por essa razão mesma não servia aos homens de negócios de outros países. Alexander Hamilton, na América, instituiu um sistema de tarifas protetoras na administração de Washington. Outros países também tinham barreiras tarifárias, mas sob a influência da Economia inglesa clássica, estavam começando a namorar as idéias do comércio livre. Em 1841, no momento em que os louvores ingleses às virtudes superlativas do comércio internacional livre se estavam tornando populares em outros países, Friedrich List publicou seu Sistema Nacional de Economia Política, atacando-o. List era alemão, e na Alemanha da época a indústria era ainda jovem e subdesenvolvida. Passara alguns anos nos Estados Unidos, onde verificara ocorrer o mesmo na indústria americana. Viu que, se o comércio internacional livre fosse estabelecido, seria necessário às indústrias dos dois países, atrasadas em relação à Inglaterra, um longo tempo para alcançá-la – se conseguissem. Disse ser a favor do comércio livre, mas somente depois que as nações menos avançadas igualassem as mais adiantadas. “Qualquer nação que, devido a infelicidades, esteja atrás das outras na indústria, comércio e navegação, embora possua os meios mentais e materiais para desenvolver-se, deve acima de tudo fortalecer sua capacidade individual, a fim de poder entrar na concorrência livre com nações mais adiantadas.” Disse que os preços baratos não eram tudo, e que coisas baratas podiam custar caro. O que tornava grande um país não era seu estoque de valores em determinado momento, mas sua capacidade de produzir valores. “As causas da riqueza são totalmente diferentes da riqueza em si. Uma pessoa pode ter riqueza... ... se, porém, não tem o poder de produzir objetos de valor superior aos que consome, torna-se mais pobre... ... O poder de produzir riqueza é, portanto, infinitamente mais importante do que a riqueza em si... ... Isso é mais válido para as nações do que para as pessoas particulares.” List sugere que a Inglaterra, tendo atingido a grandeza antes que o comércio livre se tornasse seu lema, tentava agora tornar impossível às outras nações progredir: “É um recurso muito comum e muito esperto que ao se atingir o cume da grandeza se lance fora a escada pela qual subimos, a fim de impedir aos outros os meios de subir atrás.” List, portanto, defende a proteção, as muralhas tarifárias, atrás das quais a indústria incipiente, tendo assegurado o mercado doméstico, pode crescer até ficar de pé sozinha. Somente depois que reunisse forças suficientes, ela poderia aventurar-se no comércio mundial livre, para lutar. List foi um expressivo expoente do sistema nacional, em oposição ao sistema internacional, em economia. Suas idéias tiveram grande influência, particularmente na Alemanha e Estados Unidos. Ele foi, com sua forte defesa da Proteção contra o Comércio Livre de Adam Smith e seus seguidores, um dos numerosos descrentes da infalibilidade da escola clássica. A Economia clássica, tão popular e poderosa na primeira metade do século XIX, começou a perder um pouco de sua força na segunda metade. Naquela época, começaram a surgir os trabalhos de um homem que, embora aceitando alguns dos princípios expostos pelos clássicos, levou-os através de caminhos diversos até uma conclusão muito diversa. Também ele era alemão. Seu nome: Karl Marx.

4 comentários:

  1. Quais são as Leis naturais da economia clássica?

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    1. Meu caro, de acordo com a wikipedia: Economia clássica é o nome dado à primeira escola moderna de pensamento econômico. É geralmente aceito que o marco inaugural do pensamento econômico clássico seja a obra A Riqueza das Nações, do escocês Adam Smith. Seus conceitos giram em torno da noção básica de que os mercados tendem a encontrar um equilíbrio econômico a longo prazo, ajustando-se a determinadas mudanças no cenário econômico.
      Os principais economistas clássicos incluem Adam Smith, Jean-Baptiste Say, Thomas Malthus, David Ricardo, John Stuart Mill, Johann Heinrich von Thünen e Anne Robert Jacques Turgot.
      Enquanto Adam Smith enfatizou a produção de renda, David Ricardo na sua distribuição entre proprietários de terras, trabalhadores e capitalistas. Ricardo enxergou um conflito inerente entre proprietários de terras e capitalistas. Ele propôs que o crescimento da população e do capital, ao pressionar um suprimento fixo de terras, eleva os aluguéis e deprime os salários e os lucros.
      Thomas Robert Malthus usou a ideia dos retornos decrescentes para explicar as baixa condições de vida na Inglaterra. De acordo com ele, a população tendia a crescer geometricamente sobrecarregando a produção de alimentos, que cresceria aritmeticamente. A pressão que uma população crescente exerceria sobre um estoque fixo de terras significa produtividade decrescente do trabalho, uma vez que terras cada vez menos produtivas seriam incorporadas à atividade agrícola para suprir a demanda. O resultado seria salários cronicamente baixos, que impediriam que o padrão de vida da maioria da população se elevasse acima do nível de subsistência. Malthus também questionou a automaticidade da economia de mercado para produzir o pleno emprego. Ele culpou a tendência da economia de limitar o gasto por causa do excesso de poupança pelo desemprego, um tema que ficou esquecido por muitos anos até que John Maynard Keynes a reviveu nos anos 1930.
      No final da tradição clássica, John Stuart Mill divergiu dos autores anteriores quanto a inevitabilidade da distribuição de renda pelos mecanismos de mercado. Mill apontou uma diferença dois papéis do mercado: alocação de recursos e distribuição de renda. O mercado pode ser eficiente na alocação de recursos mas não na distribuição de renda, ele escreveu, de forma que seria necessário que a sociedade intervenha.
      A teoria do valor foi importante na teoria clássica. Smith escreveu que "o preço real de qualquer coisa… é o esforço e o trabalho de adquiri-la" o que é influenciado pela sua escassez. Smith dizia que os aluguéis e os salários também entravam na composição do preço de uma mercadoria.1 Outros economistas clássicos apresentaram variações das ideias de Smith, chamada 'Teoria do valor-trabalho'. Economistas clássicos se focaram na tendência do mercado de atingir o equilíbrio no longo prazo.

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  3. "'Leis Naturais' de quem?". Acabei de ler este capitulo no "História da riqueza do homem", do Leo Huberman, muito bom livro, e bem explicativo o resumo do senhor, no livro, no caso no capitulo, apenas fiquei sem entender o caso da "lei do trigo".

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