"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pai com certificado - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 29/02/12


A primeira vez que escutei sobre a importância do nome do pai no registro de nascimento foi no ano passado, durante uma entrevista do empresário Luiz Fernando Oderich, fundador da ONG Brasil Sem Grades, que luta brava e insistentemente para diminuir a criminalidade atual.


Sou admiradora desse cidadão que, a exemplo de outros homens e mulheres que perderam seus filhos de forma estúpida (o filho único de Luiz Fernando foi morto há 10 anos durante um assalto), dedicam grande parte de suas vidas a dignificar a sociedade em que vivemos. É com gratidão e respeito que o menciono.


Agora, o Fantástico inicia uma série em que bate na mesma tecla, a da importância do nome do pai na certidão, citando projetos semelhantes, como o Pai Presente e o Pai Legal. Num país onde cerca de 30 milhões de pessoas não possuem o pai identificado, conscientizar sobre esse assunto pode ajudar a reduzir o número de delinquentes nas ruas.


Claro que importa o tipo de pai que se é, mas antes de tudo: houve um pai? Quem ele é? Por mais que as mulheres estejam ocupando um duplo papel em muitos lares, e dando conta do recado, existe um componente psicológico nessa questão que não pode ser ignorado.


Há vários motivos para que o pai esteja registrado na certidão do filho (requisição de amparo material na falta da mãe, por exemplo), porém o mais importante é o sentimento de inclusão em um núcleo familiar completo, sem espaços em branco, e o orgulho e a responsabilidade que disso advém.


O lado bom da história é que, se existem pais-fantasmas, por outro lado há uma infinidade de pais protagonizando cenas impensáveis décadas atrás. No último domingo, estive no supermercado e vi um pai ensinando sua filha de uns 11 anos a avaliar se um tomate está maduro ou passado.


Os dois se divertiam fazendo compras juntos, e fiquei pensando que essa garota pode nem vir a ser uma boa cozinheira, mas sua estabilidade emocional promete.


No mesmo dia, vi da sacada do meu apartamento (que dá para um clube) um pai brincando com dois filhos na piscina, formando com os braços uma cesta de basquete para que os guris jogassem a bola.


A cena pode parecer meio boba, mas garanto que aqueles guris preferirão lembrar disso quando adultos, ao invés de um pai que se mantém na borda, prometendo que verá as cambalhotas do filho na água, mas que assim que a criança mergulha volta a conversar com os amigos, sem ter prestado um segundo de atenção.


A emancipação da mulher gerou um equívoco: a de achar que os pais tornaram-se desnecessários. Absurdo. Bem pelo contrário, nossa emancipação permitiu que o papel dos pais na criação dos filhos fosse ampliado.


Eles deixaram de ser meros provedores para tornarem-se essenciais participantes da educação moral, social e afetiva dos pirralhos. Mas é preciso partir do começo: o reconhecimento de que esse pai existe.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

GANHEI CORAGEM

Por Rubem Alves


 Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, ledor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido“: é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos.
E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre...“ Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras. As mentiras são doces. A verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro O Homem Moral e a Sociedade Imoral observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis“ por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo... Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o Volkswagen. Volk, em alemão, quer dizer “povo“...
O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno“, à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...“ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

SEM ADVOGADO, NÃO HÁ JUSTIÇA

Por: LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO (http://avaranda.blogspot.com)

Hostilizado pelo público ou pela mídia, o criminalista não deve ser confundido com o cliente; quem já foi acusado e sofreu processo sabe o valor da defesa .
Uma das referências históricas mais emblemáticas sobre a importância da missão do advogado está em uma frase de Napoleão Bonaparte, que dizia preferir cortar a língua dos advogados a permitir que eles a utilizassem contra o governo.
Esse tipo de pensamento demarca que a advocacia definha nas sombras do autoritarismo, porque o confronta, e só prospera dentro do Estado democrático de Direito.
O papel social e institucional do advogado é imprescindível nos regimes democráticos. Ele assegura, na esfera jurídica, a todos os cidadãos a observância a seus direitos constitucionais e legais.
Quem já foi acusado de algum ilícito e sofreu processo penal conhece a importância do trabalho da defesa, visando aclarar os fatos, superar as arbitrariedades e fazer triunfar a justiça.
Os julgamentos de crimes com grande repercussão popular, quando o clamor público não admite ao acusado nem mesmo argumentos em sua defesa, se tornam combustível para os erros judiciários.
Nesses casos, o que nem sempre é claro para a sociedade é que o advogado tem a missão de buscar um julgamento justo no interesse de seu constituinte, com base no direito e nas provas. Sua missão é chegar à verdade e à justiça, anseios de todos.
Por mais grave que seja o crime, o advogado tem o dever de promover sua defesa. Rui Barbosa é muito incisivo ao afirmar que ninguém é indigno de defesa.
"Ainda que o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova. Ainda que a prova inicial seja decisiva, falta não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, mas também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas", afirmou em carta ao advogado Evaristo de Morais Filho.
O advogado criminalista não pode ter sua figura confundida com a do seu cliente, não deve ser hostilizado pela opinião pública e pela autoridade judiciária ou sofrer "linchamento moral" por parcela da mídia.
A sua atuação acontece no âmbito do devido processo legal. Ele deve garantir a ampla defesa e o contraditório ao acusado, observando o princípio da presunção de inocência, até decisão judicial com trânsito em julgado. O advogado não busca a impunidade do seu cliente, mas tem a obrigação de assegurar que seja feita justiça.
Assim sendo, os direitos contidos no ordenamento jurídico nacional não podem sucumbir ante a opinião pública "convencida" da culpa de alguém. Não pode também a defesa ter sua atuação cerceada pela intensa reação popular, guiada pela emocionalidade e pelo sensacionalismo, pois isso constitui grave violação ao Estado de Direito.
A profissão de advogado foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988, reconhecendo o legislador a sua indispensabilidade à administração da Justiça e a inviolabilidade do advogado por atos e manifestações no exercício profissional.
Quando a opinião pública, comovida, negar-se a ver e a ouvir os fatos, o advogado criminalista deve manter os olhos bem abertos e os ouvidos atentos para conduzir o seu constituído pelos caminhos do Estado de Direito.
Com independência e arrojo, ele deve promover a sua defesa, independentemente de ser amado ou odiado, e cumprir com dignidade a função tutelar do direito.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

"CHUTZPAH"

Um exemplo extremo do que os judeus chamam de “chutzpah” é o cara que mata o pai e a mãe e no tribunal pede clemência para um pobre órfão. “Chutzpah” é algo que ultrapassa o cinismo e provoca até uma certa admiração pela audácia. Se houvesse um prêmio para a “Chutzpah do Ano” de 2012 o vencedor já estaria decidido, pois ninguém poderia concebivelmente igualar o primeiro ministro britânico David Cameron este ano. Quando Cameron chamou de “colonialista” a pretensão da Argentina de incorporar as ilhas Malvinas, Falklands para os ingleses, ao seu território, estabeleceu um novo parâmetro para o “chutzpah” que humilha até o do órfão que pede clemência. As ilhas Falklands são os últimos farelos do maior sistema colonial que o mundo já conheceu. Um sistema que levou a espoliação comercial, a prepotência e a morte – junto com o parlamentarismo, o críquete e o chá com bolinhos – a todos os limites da Terra, e ainda se apegava aos seus domínios, muitas vezes por puro orgulho imperial, quando outras potências coloniais já tinham desistido. Se há alguém que não pode xingar ninguém de colonialista é um inglês. Pelo menos não sem corar.
Você não precisa torcer pela Argentina para lamentar os ingleses no caso das Malvinas/Falklands. Ou vice-versa. As barbaridades de lado a lado se equivalem. A tentativa de tomada das ilhas pelo governo militar argentino de 1982 – decidida, segundo o folclore, durante uma bebedeira do general Galtieri – foi uma aventura desastrada, tornada ainda mais trágica pela desproporção de forças. As consequências da aventura também se equilibram. A derrota humilhante decretou o fim do regime militar argentino. A vitória fácil decretou a reeleição da Margaret Thatcher na Inglaterra. Entre os quase mil mortos argentinos e ingleses na rápida guerra, as razões geopolíticas e eleitorais para o seu sacrifício não fizeram nenhum sentido.
Num plebiscito, a população das ilhas certamente escolheria continuar fazendo parte do Reino Unido. Este é o principal argumento inglês para continuar lá. Tudo bem. Mas o David Cameron poderia ter ao menos corado um pouco.

FUGA

Não quero ser alarmista, mas as abelhas estão dando o fora. Não sei se você já leu. Começou nos Estados Unidos, onde as abelhas estavam saindo das suas colmeias e não voltando. Mas o fenômeno se repete no mundo todo. Ninguém sabe para onde vão as abelhas que não voltam. Não morrem, o que poderia ser atribuído aos agrotóxicos. Desaparecem. Se veículos espaciais estão vindo buscá-las (talvez os mesmos que as trouxeram), ainda não se viu nenhum.
As abelhas têm um apurado senso de orientação e poder de comunicação. Transmitem ao resto da colmeia as exatas coordenadas de um campo florido descoberto, através de uma dança. Talvez os apicultores já estivessem notando há tempo notado uma mudança nos movimentos das danças, e não dado a devida importância. Talvez as abelhas já estivessem dançando pavanas para um mundo em agonia há algum tempo.
A verdade é que elas parecem saber algo que nós não sabemos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

AS CORRENTES CORROMPIDAS

Na lista que faz de coisas das quais a morte o livraria, Hamlet inclui the laws delay, a demora da lei. A indolência da justiça daquele tempo já fazia as pessoas pensarem em suicídio, portanto não sejamos tão impacientes com a nossa.
Hamlet, na sua dúvida entre ser ou não ser, só não se mata de medo do que encontraria no país desconhecido da morte, do qual nenhum viajante jamais voltou. Prefere não trocar desgraças conhecidas por pavores novos.
Outro personagem da peça, o rei usurpador Claudius, também teme o que o espera do outro lado, mas por outra razão. Ele matou o irmão e ficou com as suas duas coroas – seu reino e sua viúva – e sabe que a justiça que certamente receberá no céu não é tão maleável quanto a da Terra. No solilóquio em que prevê a condenação da sua alma, Claudius lamenta que ela não terá o mesmo privilégio que ele tem em vida, e faz um resumo deste seu poder:

“Nas correntes corrompidas deste mundo
A mão cheia de ouro do ofensor compra a justiça
E muitas vezes é o produto da ofensa
Que a paga. Mas não é assim lá em cima.”

Para Claudius, no Além não tem arreglo. E a justiça não se corrompe.
Nem Hamlet nem Claudius duvidam que exista algo depois desta vida. Hamlet imagina a morte como um longo sono, e o que detém sua adaga é a perspectiva de que tudo que atormenta sua vida voltará a atormentá-lo em pesadelos intermináveis. O que mais assusta Claudius na morte é a perspectiva de uma justiça rápida, e incorruptível, lá em cima. No fim é o solilóquio de Claudius, o seu ser ou não ser castigado depois da morte, sem recurso à propina e à sentença comprada, o mais relevante e atual dos dois. No Brasil dos juízes sob suspeita e por onde mais passam as correntes corrompidas deste mundo.

BAHIA DE TODOS OS MEDOS

"Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá!"

O estribilho do samba de Dorival Caymmi (quem não se recorda?) é o eco de um passado em que "nas sacadas dos sobrados da velha São Salvador" o visitante se deparava com "lembranças de donzelas do tempo do imperador" e "um jeito que nenhuma terra tem". A plácida Bahia de Todos os Santos, imortalizada por Jorge Amado, seu maior escritor, é hoje (quem diria?) um território banhado de sangue. Na esteira da greve de policiais militares (PMs), iniciada em 31 de janeiro, a bela cidade da ladeira do Pelourinho, do Senhor do Bonfim, dos Oxalás e babalorixás exibe um rastro de morte: 136 pessoas assassinadas. Banalizada pela criminalidade que se expande nas metrópoles, a estatística passa despercebida, a denotar a violência que esgarça o tecido social, multiplicando mortos, espalhando medo e afetando o modo de vida das pessoas. A greve na Bahia chama a atenção pela teia de questões que levanta, a partir do número de homicídios, cuja dimensão agride a imagem de uma terra pacífica e acolhedora, como parecia Salvador. É chocante ver uma onda criminal espraiando violência numa comunidade harmoniosa de "prosa calma, gestos comedidos, sorrisos mansos e gargalhadas largas", como descrevia o baiano Amado.
O fato é que a cultura das gentes e a morfologia das cidades não resistem às agressões da modernidade. Ou, para usar os termos duros do filósofo Sérgio Paulo Rouanet, "como a civilização que tínhamos perdeu sua vigência e como nenhum outro projeto de civilização aponta no horizonte, estamos vivendo, literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie". Se a Bahia rasga o retrato de placidez, é porque foi levada a navegar nas águas do paradigma do caos, que dá abrigo a comportamentos desbragados, vandalismo, arruaças, quebra da ordem, desrespeito, fraturas sociais de todo tipo.
Dito isto, coloquemos a greve dos PMs na panela que a cozinhou por muitos dez dias. O que abre a polêmica é a questão salarial, que se liga ao bolso e, por conseguinte, ao estômago. A planilha de ganhos dos PMs do País mostra uma gradação, que vai da escala mais baixa (pasmem, Rio de Janeiro), com R$ 1.031,38, à mais alta, no valor de R$ 4.129,73 (Distrito Federal). A Bahia ocupa, nessa relação, a 11.ª posição, com o salário de R$ 1.927. Pode um PM, com três filhos, viver dignamente com esse dinheiro? Salta à vista a discrepância entre os proventos nas 27 unidades da Federação.
Nesse sentido, é racional o propósito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 300, centrada na meta de harmonizar os salários dos policiais, evitando as diferenças absurdas que se veem na planilha. Pode ser que o nivelamento por cima (tendo como referência o valor pago no DF) mereça ajustes, levando em conta condições e custo de vida nas diversas regiões do País, mas é injusto que para as mesmas funções e obrigações - e riscos - policiais sejam remunerados de modo tão diferente. Por que não se tentou equacionar essa pendenga antes, quando se sabe que a PEC 300 tramita na Câmara desde 2008? Só agora, sob os incêndios grevistas ocorridos no Rio e em outros três Estados (CE, MA, PI), o tema volta ao foro de debate, podendo até, como atestam gravações, transformar-se em estopim de ampla mobilização, cujas consequências se projetarão sobre o carnaval, chegando, mais adiante, à cena político-eleitoral, atingindo atores de todos os partidos. Como o problema diz respeito aos entes estaduais, a cobrança recairá sobre a policromia partidária, não devendo ser considerada ganho de um lado e perda de outro. Importa aduzir que os governos estaduais deveriam ter debatido a situação e, ante a magnitude da demanda, solicitado amparo da esfera federal. No momento em que se exibem supersalários, gorduras e quadros excedentes em estruturas governativas, a precária condição dos policiais torna-se mais escandalosa.
O segundo ponto diz respeito ao direito de greve dos policiais militares. Podem fazer greve? Não, nos termos da Constituição. A greve é um direito com eficácia limitada. Para ser realizada carece de respaldo legal do Estado. Os quadros militares, como outros servidores públicos, ainda não foram abrigados pela força da lei em matéria de greve. Não são escudados pela regulamentação que atinge apenas funcionários celetistas, fato que gera muita polêmica. No foco da discussão está a natureza do serviço público. A sociedade não pode ser desprovida dos serviços essenciais do Estado, como educação, saúde e segurança. Como devem agir os PMs se o Estado, por omissão, não lhes dá cobertura legal para realizarem um movimento paredista? Com bom senso, antes de tudo. Significa que podem fazer uma mobilização parcial de quadros, sob disciplina, não compactuando com ações violentas, ocupações de prédios, sequestros de autoridades, vandalismo. Não é o que tem ocorrido. A violência campeia. Portanto, por omissão, o Estado tem culpa. Por atos insensatos, servidores em greve perdem a razão. Dá empate na régua da insensatez.
E o que fazer? Regulamentar a lei de greve do servidor público, instrumento que determinará os porcentuais que devem continuar a exercer as funções do Estado nas instâncias federativas e nas áreas da administração direta, autárquica e fundacional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em termos imediatos, inserir na agenda o projeto de lei sobre a matéria, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). No mais, tentar resgatar a confiança social, o diálogo harmônico entre os atores, sob o lume da justiça.
Quem sabe não veríamos novamente a Bahia com todos os santos em seu devido lugar, sob o enlevo boêmio do poetinha Vinicius de Moraes? "Um velho calção de banho/ O dia pra vadiar/ Um mar que não tem tamanho/ E um arco-íris no ar/ Depois na praça Caymmi/ Sentir preguiça no corpo/ E numa esteira de vime/ Beber uma água de coco"...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

PEQUENAS GRANDES COISAS

Devo confessar: impressionou-me profundamente ver na televisão a entrevista que o estudante Vitor Soares Cunha deu ao sair do hospital, depois de ser agredido covardemente por jovens como ele.
Vitor, 21, aluno de desenho industrial, passeava com um colega na Ilha do Governador, no Rio, quando viu cinco rapazes bem alimentados espancando um mendigo. Filho de uma assistente social, não pensou duas vezes ao tentar impedi-los. A violência irracional voltou-se contra ele. .
Foram socos e pontapés violentos e ininterruptos, atingindo, sobretudo, a cabeça e o rosto de Vitor mesmo quando ele já estava caído no chão, totalmente indefeso.
Depois de horas de cirurgias, placas de titânio na testa e no céu da boca, 63 pinos para recompor os ossos da face e ainda com o risco de perder os movimentos do olho esquerdo, Vitor saiu com sua mãe do hospital e disse, com uma simplicidade atordoante, que não se sentia heroico e que faria tudo novamente. .
"Pelo menos uma, duas, três pessoas vão pensar alguma coisa, vão ensinar para os filhos deles. Não adianta pensar que uma atitude vai mudar o mundo, mas pequenas coisas vão mudando", declarou.
Não podemos nem devemos desperdiçar episódios, personagens e frases assim, fundamentais para reforçar que, além do Estado, dos poderosos e dos ídolos, cada um de nós tem de dar o exemplo e ter responsabilidade diante do país e do outro. Uma delas, possivelmente a mais nobre, é a de criar os filhos para o bem.
A comparação entre Vitor e seus agressores nos faz refletir. O Brasil e o mundo serão muito melhores quando pais e escolas educarem as crianças para fazer a coisa certa sem se sentirem heróis, não para se arvorarem fortes e machos ao trucidar um ser humano -ou um animal- jogado na rua, no abandono e na dor.

QUANTO FALTA PARA O COLAPSO?


Sistemas vivos passam por transições abruptas. A morte é a mais conhecida. Em um momento estamos vivos, no seguinte, mortos. Mas existem inúmeros exemplos de pontos de transição abruptos. Qual o momento em que a devastação de uma floresta a condena ao desaparecimento? Qual o número mínimo de baleias necessário para a sobrevivência da espécie? Determinar o ponto exato em que essas transições ocorrem e quão longe estamos delas é um problema ainda não resolvido.
Isso é difícil de fazer porque todos os sistemas vivos possuem mecanismos de autorregulação. Imagine que um animal coma cada vez menos; intuitivamente, sabemos que chega um momento em que ele morre. Mas determinar esse momento é difícil porque, à medida que ele come menos, ele também se movimenta menos, diminui seu metabolismo e passa a necessitar de menos alimento. Processos semelhantes tornam difícil prever o tamanho mínimo de uma população de baleias ou o abuso que uma floresta aguenta antes de desaparecer.
Por volta de 1980, foi proposta uma teoria que permite medir a distância entre o estado presente e o ponto de colapso de um sistema biológico. A ideia é que o tempo que um sistema vivo leva para se recuperar de um trauma aumenta à medida que o sistema se aproxima do ponto de colapso. Se você abre uma clareira em uma floresta virgem, ela se fecha rapidamente. À medida que a floresta se aproxima do ponto de colapso, a teoria prevê que o tempo necessário para a clareira fechar aumenta. Você tira o alimento de um animal. Se ele estiver saudável, ao ser alimentado, a recuperação é rápida. Mas, se ele estiver se aproximando do ponto de colapso, o tempo de recuperação aumenta. O mesmo princípio se aplicaria a uma população de baleias ou a um paciente na UTI.
Na prática. O problema é que essa teoria nunca havia sido testada. Agora, um grupo de cientistas demonstrou que ela funciona na prática.
O experimento foi feito com microalgas. Esses seres unicelulares necessitam de luz para fazer fotossíntese e produzir seu alimento, mas luz em excesso os mata. Para evitar o excesso de luz, eles crescem todos juntos - assim, um faz sombra para o outro. Regulando a distância entre eles (sua densidade no oceano), regula-se a quantidade de luz que recebem. Os cientistas colocaram essas algas em um recipiente de vidro em condições ideais: muitas algas por litro e uma quantidade de luz fixa.
Estabelecida a condição ótima, os cientistas adicionaram mais líquido ao recipiente, mantendo a mesma quantidade de luz incidente. Inicialmente, as algas, com menos vizinhos para diminuir a incidência de luz, diminuem sua taxa de crescimento, mas rapidamente se dividem de modo a otimizar novamente o sombreamento.
Os cientistas mediram o tempo que o sistema leva para se recuperar. Mas, antes que ele estivesse totalmente recuperado, adicionaram mais líquido, forçando as algas a se adaptar ao novo ambiente. As algas novamente se recuperaram. Ao longo de 30 dias, os cientistas foram aumentando o estresse e a cada vez as algas se recuperavam.
Mas o tempo de recuperação foi ficando mais longo. Até um momento em que eles adicionaram um pouco mais de líquido e o sistema colapsou: todas as algas morreram. Haviam atingido o ponto de transição abrupta.
Após medir a velocidade de recuperação em função do estresse aplicado no sistema, os cientistas demonstraram que é possível prever quão distante o sistema está do colapso medindo seu tempo de recuperação. Estes resultados demonstram que a teoria proposta em 1980 é verdadeira.
Nos próximos anos, é provável que diversos grupos, usando diversos sistemas biológicos, tentem demonstrar que medir a variação do tempo de recuperação permite prever quão distante um sistema vivo está do colapso. Se essa teoria for confirmada, teremos uma arma poderosa. Estudos de impacto ambiental finalmente terão um embasamento científico mais sólido e programas de recuperação ambiental poderão ter seus resultados medidos de forma objetiva.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O BICHO HOMEM

Já antes de Cristo, se dizia que "nada do que é humano me é estranho", mas foi preciso o Google para evitar que a frase continuasse sendo atribuída a Karl Marx, que de tanto repeti-la foi confundido com o verdadeiro autor, o dramaturgo da antiguidade romana Terêncio.
O que interessa agora, porém, é que, mesmo se a gente admitir não ser o homem um bicho estranho, ele não deixa de assustar.
Às vezes é difícil aceitar que sejamos todos feitos do mesmo barro, isto é, de idêntica matéria-prima. Que semelhança pode haver entre o que somos e, por exemplo, o marido que matou a mulher a facadas e em seguida repetiu o gesto consigo próprio? Ou então, como nos identificar com os cinco celerados que massacraram um jovem que tentava impedir que eles fizessem o mesmo com um mendigo? Nessas horas de perplexidade, e para aliviar nossa indignação, costumamos alegar que se trata de "animais", como se alguma besta irracional fosse capaz de premeditar tanta crueldade gratuita e covarde. Não tive tempo de consultar minha psi favorita sobre o homicídio seguido de suicídio ocorrido em Belo Horizonte.
Matar a esposa a facadas, como fez o empresário mineiro, não chega a ser novidade num país de machismo violento. Em Belém, um homem esfaqueou 15 vezes a esposa e quatro vezes o filho. Depois, tentou se matar enfiando a lâmina no pescoço e no peito. No interior paulista, outro ciumento desvairado matou a mulher a facadas e em seguida golpeou o próprio pescoço e o tórax.
Socorrido, não resistiu aos ferimentos.
O que intriga no caso de Minas é a incrível persistência com que o assassino agiu contra si mesmo. Trancado sozinho num motel, ele se esfaqueou durante horas, desafiando a dor dos golpes e o instinto de conservação.
Produziu 28 perfurações no corpo até atingir um órgão vital. Para o homicídio, a motivação foi o ciúme doentio. Mas e para o suicídio, qual a explicação? Quanto aos cinco pitboys da Ilha do Governador, cuja covardia tanto chocou, há pouco o que falar, a não ser que se trata de um crime hediondo sem qualquer atenuante e com clara intenção de matar por perversa diversão, deixando a vítima em tal estado que precisou receber no rosto oito placas de titânio, 63 pinos e enxerto ósseo. Para que a punição seja exemplar, o mínimo que merecem é a pena máxima.
Para mostrar que a Justiça não perdeu credibilidade, o ministro Cezar Peluzo, presidente do STF, citou em discurso as demandas judiciais, que em 2011 teriam superado 23 milhões de sentenças. "Se não confiasse, (o povo) não acorreria ao Judiciário em escala tão descomunal", afirmou. Mas há controvérsia. Esta semana, a Fundação Getúlio Vargas publicou uma pesquisa em que 67% das pessoas consideram o Judiciário pouco ou nada honesto. Em confiança, ele ocupa o sexto lugar, atrás das Forças Armadas, Igreja Católica, MP, grandes empresas e imprensa escrita.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

DESENVOLVIMENTO

Desde Adam Smith, os economistas têm se dedicado a encontrar a fórmula que revelaria a condição "suficiente" para a realização do desenvolvimento econômico. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o progresso tem sido lento e, de fato, ainda não sabemos se a fórmula existe e se seria de aplicação universal.
Mesmo com o aperfeiçoamento das estatísticas, a construção de infindáveis modelos -muita matemática e econometria (às vezes com uma pitada de história)-, depois de dois séculos e meio na busca do graal cuidadosamente escondido (ou talvez apenas sonhado!), temos resultados práticos pífios.
Talvez tenhamos encontrado algumas condições "necessárias", mas não muito mais do que Adam Smith já conhecia...
Trata-se do mais importante problema a ser esclarecido pela economia. Afinal, por que na longa caminhada desde o neolítico até a segunda metade do século 18 a produção per capita cresceu num ritmo extremamente baixo? Talvez uma armadilha malthusiana. E por que sofreu uma rápida transformação depois de 1750?
Porque, a partir daí, pelo menos uma economia, a britânica, foi capaz de capturar a energia dispersa em seu território (água, madeira e carvão), auto-organizar-se com instituições convenientes e dissipá-la na produção de itens e serviços consumidos por uma população crescente.
Há alguns anos, Gregory Clark ("A Farewell to Alms", 2007) propôs uma interessante hipótese que continua gerando uma enorme literatura. A causa eficiente do desenvolvimento da Inglaterra teria sido a emergência de uma classe média, com seus valores de prudência, poupança e disposição para o trabalho.
Clark reduz o foco do desenvolvimento da "qualidade das instituições" ou, pelo menos, sugere que diferentes "instituições" podem produzir o desenvolvimento econômico.
A hipótese de Clark é compatível com a pesquisa de Acemoglu et. Al (2005) quando afirma que os ganhos do comércio exterior apropriados pelas classes médias da Holanda e da Inglaterra foram a causa eficiente do seu desenvolvimento. A contraprova desse fato foi a estagnação de Portugal e Espanha, onde os mesmos efeitos foram apropriados por uma pequena elite.
Infelizmente, não existe (e provavelmente nunca existirá) a receita que nos diga qual é a condição "suficiente" para garantir o desenvolvimento econômico.
Mas existem, sim, condições "necessárias" observadas na história e racionalizadas na economia, sem as quais ele não prosperará.
Para o Brasil, é muito bom saber que uma forte classe média é uma delas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

ADAMASTORES E COTISTAS

A UFRGS protagonizou neste início de ano duas polêmicas.
A primeira delas foi o tema da prova de redação, que abordava, em linhas gerais, o papel do idioma na formação da identidade de um país. O problema foi a utilização da palavra Adamastor no enunciado da questão, o que causou confusão aos vestibulandos e a ira de pais e intelectuais. Segundo argumentam, o jovem não está preparado para lidar com este tipo de questões. Eles estão “ligados” aos conflitos no mundo árabe ou o aquecimento global, como escreveu um pai ao jornal Zero Hora. Falar em Adamastor seria injusto, pois ninguém saberia do que se tratava.
Curioso é querer que os vestibulandos dissertassem acerca de temas complexos como as revoltas árabes e o aquecimento global, se sequer possuem a capacidade de abrir um livro de Camões ou Fernando Pessoa para, então, saber que Adamastor é um monstro mitológico que atacava as naus nos mares revoltos e que é citado na obra dos dois escritores.
Claro que nossos adolescentes não poderiam saber do que se trata. Nunca viram tal nome ser utilizado na televisão... Mas a revolta (ou primavera) árabe e o aquecimento global fazem parte da vida televisiva brasileira, mesmo que as pessoas que tratam do assunto não tenham conhecimentos mínimos para dissertar sobre eles. Sobre estes temas, uma redação de vestibular nada mais seria do que a repetição politicamente correta que é imposta por uma imprensa homogeneizada, por intelectuais imbecis e por professores militantes.
O fato é que se o tema foge da futilidade cotidiana e utiliza termos que exigem um conhecimento literário (mínimo por sinal), todos se sentem injustiçados. Pudera. Nossos estudantes não conseguem ler dois livros por ano! Ao invés de procurarem as obras clássicas da língua portuguesa por exemplo, preferem horas e horas de BBB, bailes funk, baladas e “pegação”.
São culpados? Claro que não. São apenas produtos deste nosso admirável mundo novo, onde a inversão dos padrões atinge níveis alarmantes, onde a alta cultura é discriminada e dá espaço a uma cultura popularesca, débil, desprovida de conteúdo e cada dia mais e mais imbecilizante.
Aliás, falar em alta cultura no Brasil chega a ser uma piada quando é dito que pessoas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Paulo Coelho, dentre outros, são os seus representantes. Todos são artistas cujo conteúdo da obra é popular, muito longe de ser algo que valha a pena ser estudado e analisado para ser tomado como o suprassumo da cultura nacional (embora não nos sobre muitos outros além desses mesmos).
Antes de chamarmos a banca de "pedante" (o que na certa é verdade), convém que façamos uma crítica ao ensino escolar e ao ensino doméstico, responsáveis por despertar o interesse da criança e do jovem na leitura. Fossem leitores, e alguém que vai prestar um concurso como o vestibular precisa sê-lo, saberiam o que era o "Adamastor" referenciado na questão. Aqueles que se dedicam à leitura e ao estudo certamente não se incomodaram com o tema da redação do vestibular.
A segunda, foi a redução, sem alarde, conforme reportagem do jornal Zero Hora, da exigência para cotistas, o que fez com que o acesso de negros (ops, afrodescendentes), tivesse um aumento considerável nos cursos considerados de elite. Típica solução esquerdista: “se não podemos dar um ensino decente, diminuímos as exigências”. Tudo na surdina, claro.
O fato é que acabam entrando nas universidades, estudantes que não tem capacidade para acompanhar o conteúdo ministrado em um curso superior. A universidade se vê obrigada a ter aulas de reforço para recuperar uma falha que não deveria ter acontecido. Ademais, políticas que favorecem um grupo em detrimento de outro, quebram o princípio da igualdade. “Mas a elite tem acesso à escolas de qualidade e o pobre não”, dirão os integrantes do Fórum Social Mundial (e outros acéfalos).
Não me lembro de haver restrição à entrada de quem quer que seja em bibliotecas públicas, onde o conhecimento necessário para prestar um vestibular pode ser adquirido. Tampouco ninguém é obrigado a trocar horas de estudo por horas de diversão. Se o fazem, é porque querem. Quanto àqueles que não possuem tempo para estudar porque trabalham: para quem quer alcançar um objetivo, o esforço não pode ser medido. Basta tomarmos como exemplo, a primeira oficial de origem indígena do Exército Brasileiro, que não teve uma fagulha de cota sequer, conquistando seu lugar pelo mérito, mesmo com todas as dificuldades encontradas. É muito fácil culpar os outros pelos nossos fracassos. Difícil é buscar e lutar para alcançarmos nossos objetivos.
Não precisamos de cotas. Precisamos de um ensino de qualidade, com professores qualificados e instalações decentes. Mas nem os melhores educadores do mundo somado à melhor escola do planeta adiantarão se não retornarmos ao costume da leitura e redescobrirmos a alta cultura. Enquanto continuarmos elevando os prazeres acima da responsabilidade, estaremos trancafiados numa cela lotada de ignorantes.
Cota não é solução, é apenas uma maneira de dizermos ao jovem que ele não precisa estudar e se dedicar, pois o papai Estado estará sempre por perto para lhe dar suporte.
Criam-se, assim, gerações de profissionais e pessoas vazias, que não se importam em buscar o conhecimento, desde que possam ser chamados de bacharéis, mestres e doutores.
Eis o nosso Adamastor.

FLECHADO NO CORAÇÃO

A morte do índio peruano aculturado da tribo matsigenka, Nicolás “Shaco” Flores, flechado no coração por um índio mashco-piro, isolado, repõe o problema da dimensão trágica do encontro de culturas. A etnia de Nicolás vive no parque indígena do Rio Manu, na Amazônia peruana. Os mashco-piro, que são entre 100 e 200 indivíduos, mantinham-se isolados na mata e começaram a aparecer nas praias do rio, onde foram fotografados, aparentemente empurrados pela penetração das madeireiras, das petroleiras e das mineradoras. Estão se deslocando, portanto, para uma área devassada pela frequência de missionários, turistas e empregados das empresas nela interessadas.
Entidades de defesa dos povos indígenas, como a Survival International, têm chamado a atenção para a questão dos povos isolados nessa parte da Amazônia e da Amazônia brasileira. No lado brasileiro da fronteira do Acre com o Peru, uma tribo foi descoberta recentemente e vem sendo acompanhada. Como lembrou o sertanista José Carlos Meirelles, em entrevista à BBC, durante sobrevoo na área acreana, é preciso antecipar-se aos grupos de motivação econômica, que põem em risco a vida e a sobrevivência dos grupos indígenas isolados. Localizá-los e fotografá-los para atestar sua existência e revelá-la aos governos e à sociedade é o único modo de antecipar-se ao contato destrutivo.
Nicolás e Meirelles são personagens dessa rara estirpe que compromete a própria vida no estabelecimento de pontes de civilidade que permitam a travessia dos seres humanos que estão confinados não só na selva, mas também num outro estágio da história da humanidade. A Amazônia ainda tem 50 grupos isolados, vítimas potenciais da pouco generosa e pouco civilizada concepção que os brancos e civilizados têm de si mesmos e têm do outro, do diferente, no caso, do índio.
Há indicações de que os mashco-piro tiveram contato no século 19 com seringalistas, que deixaram em sua história marcas da violência genocida. O antropólogo Glenn H. Shepard Jr., amigo de Nicolás de muitos anos, escreveu sobre a ocorrência. O índio matsigenka conseguia comunicar-se com os mashco-piro porque era casado com uma mulher piro e com ela aprendera o suficiente da língua para estabelecer uma comunicação verbal com eles. Sua morte faz refluir o contato para estágios primitivos da complicada relação entre civilizados e indígenas.
Nicolás fizera roças à beira do território de perambulação dos mashco-piro para que eles encontrassem alimentos e foi numa dessas roças que levou a flechada . Outras mortes desse tipo ocorreram entre cidadãos dessa pequena e generosa humanidade de tecedores dos liames da condição humana, os indianistas que nos revelam ao outro para que o outro se revele a nós. Darcy Ribeiro dizia que a sociedade branca, em nossa história, tem se apresentado ao índio através dos seus piores representantes, assassinos, estupradores, bêbados, os agentes da penetração da chamada civilização nas novas terras.
Há na memória social e mítica de muitas dessas tribos isoladas evidências de problemáticos contatos anteriores. Eles criaram uma peculiar e significativa imagem dos civilizados, inscrevendo-os em suas classificações da natureza - gentes, animais e plantas. Os xavantes, do Mato Grosso, escaldados da violência que os brancos lhes impuseram, ao classificá-los em sua estrutura imaginária do cosmos, incluíram-nos na família das onças. O branco se apresentou a eles como um animal predador, que mata por matar.
Muitos habitantes da fronteira étnica entendem ainda hoje que o índio não é gente. Ouvi isso várias vezes, nos anos 70/80. Em 1911, um bugreiro negro que dirigira o extermínio de uma aldeia inteira de índios kaingang, na região noroeste do Estado de São Paulo para passagem da estrada de ferro, disse com espanto ao oficial do Exército que o interrogou: “Até parecia gente, senhor tenente!”
Não é estranho que um cacique suruí, de Rondônia, nos anos 1970, ao deparar-se com o grupo de indigenistas que procurava sua tribo para o primeiro contato, aterrorizado, ergueu a mão em gesto de paz e exclamou: “Branco, eu te amanso!”
Em 1982, Nicolás e alguns índios piro capturaram um velho mashco-piro e seu filho e os levaram à sua aldeia para mostrar-lhes os benefícios da civilização. O velho disse apenas, antes de ser devolvido à mata:
- Deixem-me em paz.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O MEDO DO FIM E O SENTIDO DA VIDA

Para um cientista que gosta do seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido à vida.
No mesmo dia em que li o artigo de Haque, assisti pela internet uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa "previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia acaba e, com ele, o mundo.
Aveni demonstrou a falácia dessa história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras culturas.
Em termos de causas cósmicas, não há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de centímetro.
Mais interessante é a origem do medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já foi examinado por Marcelo Gleiser no livro "O Fim da Terra e do Céu"* (Cia das Letras, 2001). Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização.
Haque foca seu artigo na busca por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos, sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.
Somos criaturas limitadas pelo tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado distante?)
Não há nada de elitista nesse legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa.
O que importa é o que se faz com a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta demais.

CARTA DE ABRAHAM LINCOLN AO PROFESSOR DO SEU FILHO

«Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas, por favo, diga-lhe que, por cada vilão há um herói, que por cada egoísta, há também um líder dedicado, ensine-lhe, por favor, que por cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales.
Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.
Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram.
Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.
Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.
Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.
Eu sei que estou a pedir muito, mas veja o que pode fazer, caro professor.
Abraham Lincoln, 1830

domingo, 5 de fevereiro de 2012

POBRES HOMENS E MULHERES MODERNAS, SEM ARMAS,SEM PROLE E SEM CAVERNAS...

Para meditar neste fim de semana... ( Texto de P. A. Marangoni- http://pamarangoni.blogspot.com)

Guardadas as devidas proporções, o guerreiro de hoje seria o militar (em tempos de guerra) mas que não luta por si mas pelo grupo e cumpre as diretivas do Estado, que quase sempre não são as que o fazem se sentir defendendo uma causa justa como sua caverna e prole. Exposto ao combate durante muito tempo o homem moderno pode, ao se reintegrar à famigerada, artificial Sociedade, entrar em conflito com seus sentimentos naturais, não suportando mais a covardia da vida civil e suas leis castradoras que o colocam, após um período heroico, em igualdade de condições a sub-homens, rebelando-se e decidindo por abandonar tudo, inclusive a vida sem sentido. Advém suicídios, atiradores nas torres das cidades abatendo a esmo, chamados de neuróticos de guerra. Eu diria neuróticos de paz, esta chamada paz muito mais cruel e difícil de suportar que uma guerra. Aos que simplesmente se entregam a lamentos e fugas infantis encenando a neurose de guerra, eu chamaria de covardes em tempo integral, que assim seriam independente de terem participado de uma guerra. Bastaria um cão latir mais alto e já estariam com os sintomas, como sempre profundamente explicados pelos sábios psiquiatras e analistas...
Integrados na manada com seus preconceitos, a maioria dos varões tenta fugir ao serviço militar e se o faz, se apresenta como uma vítima, cheia de críticas ao sistema. Mas a origem animal guerreira sempre deixa seus vestígios e passado esta fase militar considerada como perda de tempo, o engravatado cidadão dela nunca se esquece, cria um espírito de corpo com os companheiros de quartel e acabam se relacionando pelo resto da vida, dando sem perceber um crédito maior que ao próprio tempo escolar. Porque ali estavam próximos à sua natureza, geralmente pela primeira e última vez em sua existência.
Na manada seu breve suspiro guerreiro se dilui nas normas de não reagir, não retaliar, não desobedecer e a fêmea, que muitas vezes em convívio com mães ou avós racionais e verdadeiras, sente sua vocação de moradora da caverna que espera seu homem e dele cuida em troca de segurança, pode se ver na mão de atacantes brutais, situações de fome ou abandono enquanto seu macho chora ou pede por clemência, aplaudido pelos desarmamentistas e autoridades policiais... E por experiência própria ou alheia, somadas à pressão social e o real declínio masculino, as mulheres acabam por cuidar de si próprias, descrentes dos parceiros, colocando-se em posição igual ou superior a eles, indo contra seus sentimentos ou aspirações, voltando à torrente, sem saber explicar um persistente descontentamento, uma tênue tristeza envolvente enquanto esboçam um falso sorriso vitorioso ao dizer:sou uma vencedora, estou no topo, sinto-me bem dirigindo minha vida...Depois a empresária vitoriosa vai ao analista, chora durante meia hora, paga a consulta e retorna ao grande apartamento solitário, onde se entope de pílulas para dormir, recomeçando a penosa farsa no dia seguinte.
Resta às mulheres a esperança um tanto enganadora de encontrar um homem no verdadeiro sentido, garimpando na estéril campina da sociedade ou penando no método tentativa e erro. Mesmo nascendo potencialmente macho, guerreiro e protetor - os pequenos tendem a se tornar feras quando sentem as mães ameaçadas - logo entram na perniciosa torrente e os tigres tornam-se cordeiros. O usar, o consumir de suas energias transbordantes, o impulso da testosterona que antes era feito através de aventuras sedimentadoras da masculinidade, hoje é realizado de forma eletrônica ou através de drogas, substitutos covardes dos atos viris! A emoção de um salto de paraquedas ou uma escalada é substituída por uma dose de cocaína; um desafiante combate aéreo é provido por um vídeo game...As atividades másculas que deixavam cicatrizes físicas que construíam o macho forte e protetor foram deixadas para trás e seus sucedâneos atuais deixam cicatrizes na alma, no cérebro, reduzindo o homem a uma imagem pálida do que já foi.
As mulheres,sem outra alternativa, são obrigadas a se nivelarem aos homens na manutenção da vida e como eles acabam também se dissolvendo na manada, perdendo suas qualidades para poder sobreviver. O planeta Terra tornou-se um grande celeiro de joio, onde se acham perdidos alguns grãos de trigo...

O CONSERVADORISMO E O ESPÍRITO CRIATIVO

Uma liberdade degenerada em anarquia deixa a mente humana confusa, sua consciência instável, e seu coração insatisfeito. E, assim sendo, não é surpreendente que o conservadorismo seja novamente ouvido entre nós.
O radical destrói o que é mal e o conservador preserva o que é bom: essa afirmação sobre a questão, ainda que útil, é uma simplificação extrema. Pois o radical destrói muito daquilo que é bom quando arranca o mal pela raiz, e o conservador freqüentemente mantém vivas coisas que não merecem imortalidade. Assim, tanto o radical quanto o conservador necessitam de criticismo corrosivo, tanto quanto apreciação. Esta distinção, entretanto, deve ser feita: o radical normalmente desenvolve uma paixão pela destruição indiscriminada; por trás do instinto conservador há a noção de valores perenes que não devem ser aniquilados. Assim sendo, é mais provável que o espírito criativo seja mantido vivo por um conservador ao invés de um radical.
Se tomarmos os papéis dos escritores criativos do mundo, não avançamos muito antes de alcançar essa verdade. Homero era o espírito criativo encarnado, e ainda os escritos que carregam seu nome se tornaram uma verdadeira Bíblia para os gregos porque, por trás de sua arte criativa, paira a noção de que há padrões pelos quais é bom que os homens vivam. A qualidade criativa é possível somente quando feita sobre um fundo de princípios permanentes lealmente mantidos, de modo que o que dá aos poemas homéricos sua imortalidade é seu retrato brilhante daquilo que merece sobreviver.
Virgílio, de modo mais deliberado, usa esse modelo para contar uma história heróica e descrever os princípios sobre os quais um império poderoso pode manter-se. Virgílio possui ternura e simpatia; mas toda a simpatia para com a rica variedade da experiência humana é subordinada àquela devoção ao dever pela qual homens e nações conquistam sua grandeza. Nesse ponto, os leitores de Virgílio encontram as tensões que dão à “Eneida” sua nobreza.
O “Paraíso Perdido” de Milton é a descrição de uma batalha entre a aventura sem lei e a obediência leal. Esse conflito é o que torna o poema magnificamente criativo. Sem o Deus que tem o direito de exigir obediência, não haveria campo para o trabalho do verdadeiro espírito criativo. Se a tragédia da ausência de leis aparece em trevoso esplendor em “Paraíso Perdido”, a glória da obediência ganha pelo ordálio domina “Paradise Regained”.
A “Divina Comédia” de Dante, com sua vasta galeria de retratos de almas, é a mais alta façanha criativa da Idade Média: cada alma mostrando as leis que confere à vida suas tensões, sua tragédia e seu esplendor.
Shakespeare alinha a vida e a história inglesas à harmonia da conquista criativa. Ele é exitoso porque sua arte é governada por aquele senso de sanções morais que dá significado à vida. Shakespeare realiza seu trabalho por insinuação; ele não precisa asseverar sanções éticas, pois são tão profundamente entremeadas aos processos da vida que elas se tornaram, em suas peças, mais substância do que tese.
Pois é somente em um mundo de sólidas sanções que a vida e a aventura da existência podem ter sentido real. Sem tais sanções, podemos ter pulsações de emoção e vibrações de impulso biológico; mas não temos significado real. Quando a vida perde suas estabilidades, a glória e a tragédia da natureza humana desaparecem. Os grandes escritores do mundo atestam que padrões permanentes são essenciais ao triunfo do espírito criativo.
Isso é verdade tanto para a imaginação quanto para a tragédia. O relacionamento da imaginação com a tradição conservadora é integral. A impudente imaginação de Aristófanes foi empregada para conservar os caminhos que tornaram Atenas grandiosa. Vida destituída de tradição: é isso que Aristófanes destrói pela redução ao absurdo. Sua risada é feita para tornar seguros os velhos caminhos e ridículos os novos disparates.
Outro exemplo: Erasmo foi a grande imaginação da Europa em seu tempo. Seus “Colóquios” tornaram a Europa uma grande fornalha, com Erasmo falando de seu interior. E Erasmo assumiu a tarefa de exorcizar as coisas más da existência com o riso, protegendo a reforma pela imaginação, não pela espada. Os homens confiaram em Erasmo porque ele não tentava esmagar o mundo enquanto o melhorava. Sua imaginação certeira teria sido impossível sem suas grandes lealdades. Dessas lealdades nasceu seu criticismo cristão da vida. As sanções da religião cristã deram-lhe subsídio e motivo para sua inteligência livre.
Em Erasmo, assim como em muitos espíritos da mais alta ordem, o gênio criativo existe apenas no ponto em que liberdade e estabilidade se encontram. Do temperamento conservador vem a estabilidade que sustenta os movimentos ousados de uma mente na qual a liberdade jamais sucumbe à anarquia.
Agora, parece que a lei é relacionada com ordem, não com criação; e, verdade seja dita, sistemas legais podem facilmente se degenerar em convenções rígidas. Todavia, sem leis subjacentes, não poderia haver aquela tensão necessária entre liberdade e estabilidade: aquela tensão sem a qual não haveria significado duradouro na vida ou na arte. A própria lei é a base do pensamento e da ação criativos, ainda que convenção sem vida seja um critério cediço.
Quando Aristóteles reuniu cento e cinqüenta e oito constituições gregas como a base para seu estudo de leis, ele estava se preparando para aplicar os testes da verdadeira experiência. Quando ele analisou o controle de poucos, de muitos, dos detentores de propriedade, e do tirano, ele sempre perguntou como todos os tipos de controle realmente operavam na experiência de vida da humanidade. Julgando as leis por seu poder de promover a boa vida, Aristóteles buscou conservar aqueles padrões sem os quais a vida perde significado. Não é surpreendente que Aristóteles tenha escrito uma grande obra em poesia; ou que Cícero, o mais sagaz dos romanos, fosse também o maior orador de Roma. Cícero estava em seu ápice quando refletiu sobre as fundações morais da vida privada e do Estado.
Assim, também, quando Montesquieu escreveu “O Espírito das Leis”, ele viu as sanções legais sob a luz da genuína experiência humana: em suas relações com governos nacionais, os costumes do povo, o clima, religião, comércio. A lei adquire sentido quando se relaciona com os impulsos criativos da humanidade. Em Aristóteles, Cícero e Montesquieu, o estudo humano da lei é uma fonte direta de realização criativa.
E a crítica literária, da mesma forma, torna-se criativa na proporção em que reconhece leis perenes. Longinus viu o sublime como o eco de uma grande alma; ele sabia que amabilidade deve ter uma base no caráter. Sublimidade, ele escreveu, é fundada sobre o caráter humano num pico de excelência moral. Longinus, como outros grandes críticos, perseguiu o relacionamento entre alta literatura e a boa vida, assim como seu relacionamento com o princípio estético. Um trabalho de arte apresenta algo universal assim como a exibe sob uma nova luz. Em criticismo e arte, quando um princípio universal é esquecido, instaura-se o caos literário e artístico. O princípio universal – a doutrina aristotélica da catarse, por exemplo – confere permanência ao impulso criativo.
A civilização e suas façanhas são um equilíbrio entre estabilidade e liberdade: uma liberdade sob a lei, não uma liberdade da lei. Assim, conservação é a base da ousadia.
Entretanto, a confusão de nossa era levou muitos homens a idolatrar a anarquia intelectual e a licenciosidade moral. Hoje em dia, é muito fácil obter um grau considerável de proeminência intelectual fazendo apologia à rendição a falsas emoções. Essa aflição pode ser traçada ao século 19, e antes dele. Sören Kierkegaard, por exemplo, fazendo de suas próprias emoções confusas a base para sua pretensão de guiar outros homens, descartou os processos ordenados de inteligência disciplinada pelas altas pressões de sua fantasia privada. Usando o paradoxo para escapar da responsabilidade intelectual, ele encontrou o sentido da vida e da religião nas chamas de uma experiência vívida – uma experiência não regulada pelas tradições morais da humanidade. Ao seu trabalho aderiu uma megalomania sutil. E, depois das calamidades e frustrações de duas guerras, a mente da Europa, movendo-se psicopaticamente, volveu a Kierkegaard como guia e amigo. Em busca da cura, voltou-se a uma manifestação de sua própria doença.
Desse modo, os existencialistas romperam sua viva conexão com as experiências intelectuais, morais e espirituais do homem. Eles exaltaram suas próprias desilusões como uma filosofia; o brilho diamantino das sensações imediatas tomou controle do pensamento e da ação. Quando tentaram defender suas posições, os existencialistas tiveram de retomar os métodos da inteligência disciplinada que eles haviam descartado em prol de suas obsessões privadas. E quando, em alguns casos, o Cristianismo era muito forte para sua confusão privada, eles fizeram uma curiosa reconciliação: deram razões ruins para conclusões boas. Mas a maioria dos existencialistas buscou se regozijar em um universo sem norte, tendo substituído Deus por um caos moral.
O existencialismo, é verdade, foi em parte uma reação contra erros anteriores. As abstrações glorificadas do pensamento hegeliano exigiam a retomada da experiência de vida. Mas jogar fora o senso de estrutura intelectual para demolir as abstrações irreais de alguém foi um erro catastrófico. Hoje em dia, a grande lógica da compreensão e da autoridade de sanções morais permanentes deve ser restaurada para seu lugar de direito, se a vida merece ser vivida na era moderna.
Pois repudiar o passado intelectual e moral da raça deve levar – a não ser que seja restringida – à destruição de tudo que confere significado e valor à vida. Esse desastroso repúdio moderno não foi confinado meramente a círculos de intelectuais sofisticados. Ela penetrou no pensamento e na ação populares em uma infinita variedade de formas. O franco e confiável mapa da vida que – a despeito de sua ironia – foi desejado por Luciano tantos séculos atrás: é precisamente disso que o homem comum precisa, mas não tem. Uma liberdade degenerada em anarquia deixa a mente humana confusa, sua consciência instável, e seu coração insatisfeito. E, assim sendo, não é surpreendente que o conservadorismo seja novamente ouvido entre nós.
O marxismo, ainda que supostamente leve o homem a uma sociedade justa e solidária, realmente é a apoteose da destruição pública e privada. A compulsão que deve ser exercida em um Estado como a Rússia Soviética é a morte do espírito criativo. Na melhor das hipóteses, a sociedade marxista é mecânica e matemática; na pior das hipóteses, monstruosamente cruel. Utopia realizada é Inferno realizado. Em tal sociedade, os regatos de energia criativa são perdidos sob areia crestada. Pois a tensão entre estabilidade e liberdade é destruída por uma nova e odiosa estabilidade total: a estabilidade fundada em falsas considerações sobre a natureza do homem.
Mesmo em formas mais brandas que o comunismo, a sociedade planejada traça o caminho para se tornar a sociedade estupidificada. Preocupado com fórmulas sociais, o homem busca em vão pela matéria da arte criativa. É verdade que alguns traços de planejamento existam em uma boa sociedade, bem como há aspectos matemáticos em toda vida satisfatória. Mas se a vida pública ou privada é realmente satisfatória, a fórmulas sociais devem ser servas, não mestres. Planejamento social não é o sentido ou o fim da vida.
O conservador inteligente não confunde amorfia com emancipação, como faz o existencialista; assim como não confunde sistema com realização, como faz o marxista. O conservador sabe que na religião, compreendida corretamente, o espírito criativo encontra um apoio de imenso valor. No mesmo momento em que a religião estabelece sua função de sustentar a alma da civilização, ela também assume o trabalho de alimentar o espírito criativo. Em religião, assim como em educação, o teste da verdade é o poder daqueles princípios permanentes que dão sentido ao pensamento criativo e à ação criativa. Conservadorismo e energia criativa são indissociáveis; eles não podem existir longe um do outro. Talvez a compreensão dessa verdade seja a necessidade mais premente de nossa desnorteada era.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

OS CANALHAS NOS ENSINAM MAIS

Nunca vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A herança maldita da política de sujas alianças que Lula nos deixou criou uma maré vermelha de horrores. Qualquer gaveta que se abra, qualquer tampa de lata de lixo levantada faz saltar um novo escândalo da pesada. Parece não haver mais inocentes em Brasília e nos currais do País todo. As roubalheiras não são mais segredos de gabinetes ou de cafezinhos. As chantagens são abertas, na cara, na marra, chegando ao insulto machista contra a presidente, desafiada em público. Um diz que é forte como uma pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que ela não tem coragem de demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia.
Canalhas se escandalizam se um técnico for indicado para um cargo técnico.
Chego a ver nos corruptos um leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma ponta de orgulho por seus crimes seculares, como se zelassem por uma tradição brasileira. Temos a impressão de que está em marcha uma clara "revolução dentro da corrupção", um deslavado processo com o fito explícito de nos acostumar ao horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos convencer de que nosso destino histórico é a maçaroca informe de um grande maranhão eterno. A mentira virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados, os acusados batem no peito e berram: "É mentira!" Mas, o que é a mentira? A verdade são os crimes evidentes que a PF e a mídia descobrem ou os desmentidos dos que os cometeram? Não há mais respeito, não digo pela verdade; não há respeito nem mesmo pela mentira.
Mas, pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos à Republica seja o primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de vícios seja o início de uma maior consciência critica. E isso é bom. Estamos descobrindo que temos de pensar a partir da insânia brasileira e não de um sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega.
Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de 400 anos. O que há de bom nesta bosta toda?
Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Vemos que o País progride de lado, como um caranguejo mole das praias nordestinas. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades sórdidas estamos conhecendo, fecundas como um adubo sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Como mentem arrogantemente mal! Que ostentações de pureza, candor, para encobrir a impudicícia, o despudor, a mão grande nas cumbucas, os esgotos da alma.
Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio, declarações de renda falsas, carrões, iates, piscinas em forma de vaginas, açougues fantasmas, cheques podres, recibos laranjas de analfabetos desdentados em fazendas imaginárias.
Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!... Assistimos em suspense ao dia a dia dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das quadrilhas políticas, seus altos e baixos - ou o triunfo da grana enfiada nas meias e cuecas ou o medo dos flagrantes que fazem o uísque cair mal no Piantella diante das evidências de crime, o medo que provoca barrigas murmurantes, diarreias secretas, flatulências fétidas no Senado, vômitos nos bigodes, galinhas mortas na encruzilhada, as brochadas em motéis, tudo compondo o panorama das obras públicas: pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos.
Parece que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos políticos e um outro Brasil povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico (ups!) - isto é, filosófico: o que é a verdade?
Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam ao chão. Mas, tudo está ficando tão claro, tão insuportável que temos de correr esse risco, temos de contemplar a mecânica da escrotidão, na esperança de mudar o País.
Já sabemos que a corrupção não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime - é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas almas. Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem.
Já sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias. Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se resolver. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança, haverá canalhas, enquanto houver Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido, haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura judiciária, nunca haverá progresso.
Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição, outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas. Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras.
Descobrimos que os canalhas são mais didáticos que os honestos. O canalha ensina mais. Os canalhas são a base da nacionalidade! Eles nos ensinam que a esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno e que, pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser
Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo chorrilho de negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Céus, por isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha à ré.

BURRICE COM FOME DE PASTO

É possível, com algum esforço, criar uma palavra e atribuir-lhe um significado universalmente conhecido. Mas é quase impossível mudar o significado de uma palavra suprimindo ou alterando seu conteúdo simbólico consolidado. Fará muita bobagem na política quem não souber isso ou, ao menos, não o intuir.
Exemplifiquemos. Você dificilmente participará de uma missa, ouvirá um sermão ou lerá um documento da CNBB sem que se depare com a palavra "excluído". Ela estará ali, para a mensagem, assim como a farinha de trigo está para a hóstia. Procure essa palavra nos quatro evangelhos e veja quantas vezes é mencionada. Já fez isso? Pois é. Nenhuma. Quando alguém, astuciosamente, substituiu a palavra "pobre" (esta sim, 25 vezes referida nos evangelhos) por "excluído", infiltrou um conteúdo ideológico na mensagem cristã. E quem não estiver prevenido receberá doses frequentes de veneno marxista em substituição ao verdadeiro ensinamento de Jesus, um ensinamento de amor ao próximo, de caridade, de zelo fraterno e de rejeição à idolatria da riqueza. Não há nos evangelhos qualquer esboço de luta de classes. Não há uma gota sequer de ódio aos ricos, mas severas advertências a quem apenas se ocupa com acumular bens onde eles são consumidos "pela ferrugem e pelas traças". Já a noção de exclusão implica a simétrica noção de inclusão e de ambas se deduz que o excluído é sujeito passivo da ação de exclusão que sobre ele exerce o sujeito ativo incluído.
O ensino cristão sobre os bens materiais não significa, em absoluto, nem poderia significar, uma proposta de organização da economia sem direito de propriedade, sem iniciativa privada, sem produção, sem negócios, sem remuneração e sem lucro. Num mundo com bilhões de habitantes essa seria a receita da miséria e da inanição.
Vamos em frente. Atente, leitor, para a palavra capitalismo. Volta e meia ela é usada para definir um sistema vantajoso, oposto ou em contraposição ao socialismo como sistema econômico. Ora, a carga simbólica da palavra capitalismo é tão negativa, malgrado se refira a um modelo comprovadamente superior ao socialismo, que até parece ter sido concebida por seus adversários, não é mesmo? E, de fato, foi! Esse vocábulo entrou nos dicionários na segunda metade do século 19, levada pelos textos de socialistas e anarquistas, a partir de Marx, Proudhon e outros. Portanto, usar como bandeira, proposta ideológica ou plataforma de organização da ordem econômica uma palavra com essa carga negativa, cunhada pelos próprios adversários da tese que expressa, é uma burrice com fome de pasto. Em tudo semelhante a de quem usa ingenuamente a palavra "excluído" em seus atos penitenciais, sem perceber o erro que está cometendo.
Reze pelos pobres e aja em favor deles, meu irmão. Mas não caia nas redes da Teologia da Libertação!
Veja o que escreveu o Papa João Paulo II, no nº 42 de sua extraordinária encíclica Centésimo Ano (1991): "Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso econômico e civil? A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por 'capitalismo' se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de 'economia de empresa', ou de 'economia de mercado', ou simplesmente de 'economia livre'."
Ele veio de um país comunista e sabia das coisas...

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

EDUCAR

Vamos deixar de lado, por um instante, aquilo que a educação no Brasil tem de números, numa matemática cruel que pouco soma e muito subtrai -um dos piores cenários da exclusão social no âmbito da nossa sociedade. E falar de outro tipo de deficit educacional: o deficit da qualidade.
Não existe, sabemos, a menor possibilidade de uma nação figurar entre as grandes do mundo -e esta é uma justa e viável aspiração do povo brasileiro- se os bancos escolares não servirem de ponto de partida para o nascimento de cidadãos plenos, bem informados e academicamente preparados. Mas também cidadãos donos de suas próprias ideias e convicções, resultado de um esforço coletivo aluno-professor-instituição que vá muito além das demandas do mercado de trabalho.
Trato desse tema hoje e escolho essas palavras para fazer uma homenagem ao escritor Bartolomeu Campos de Queirós, falecido mês passado.
Reconhecido internacionalmente, reverenciado em Minas Gerais e respeitado por tantos autores nacionais, o professor Bartolomeu dedicou sua inteligência apurada e sua militância sensível às causas da educação e da literatura.
"O homem é feito de real e de ideal", dizia ele, no depoimento que acompanhou o manifesto fundador do Instituto Brasil Literário, organização não governamental cuja causa ele abraçou com dedicação. Sendo assim, prosseguia, a educação não pode se contentar em informar o que já foi feito e, sim, abrir a porta para a imaginação e a fantasia.
Ao liberar o direito de todos de criar, recriar, imaginar e romper o limite do provável- dizia ele- a educação estará exercendo o imprescindível dom da democratização.
Em lugar de impor dogmas, cabe fermentar, no cultivo da dúvida e da inquietação, o direito cidadão de firmar sua trajetória cultural e intelectual. Refletir deixa de ser, assim, um privilégio de classe.
Aprendemos muito com pessoas como o professor Bartolomeu. Ele estava convencido de que a literatura poderia ser o grau zero para o profícuo estímulo da imaginação criadora.
Dirão os céticos: tudo isso é romântico demais quando se trata de reparar, já, agora, deficiências bem pragmáticas no ensino brasileiro.
As prioridades cobram atitudes imediatas, é verdade. Mas que qualquer iniciativa se assente em base humanista, sem desprezar a dimensão que a educação encerra de valores fundamentais ao ser humano.
Como disse nosso escritor: "A gente só suporta o dia de hoje porque tem uma perspectiva do amanhã".

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

SITUAÇÃO MUNDIAL – O CENÁRIO POLÍTICO E O ECONÔMICO

Continua o cenário potencial de conflito no Oriente Médio e seu entorno. O Irã afirma que fechará o estreito de Ormuz se for atacado. Entretanto, a temperatura bélica diminuiu um pouco por conta de certos posicionamentos. A Rússia reforçou as advertências de que não ficará de braços cruzados diante de qualquer agressão militar contra o Irã ou a Síria. Os EUA procuparam um contato (coisa que não faziam) ainda que para dizer que será inaceitável o fechamento do Estreito de Ormuz e conjuntamente com Israel adiaram um exercício conjunto. Entretanto comenta-se que a Rússia estaria articulando, com os países balcânicos, um “acerto de contas” com a Turquia.
Com esses dados podemos fazer a seguinte leitura:
1 - É possível que o Irã tenha meios de fechar, por algum tempo, o estreito de Ormuz e os EUA preferem evitar do que enfrentar.
2 – A Rússia talvez faça ameaças apenas para “trocá-las” por liberdade de ação nos Balcãs.
Quanto a economia, o consenso quase universal, é pessimista. O declínio econômico e o aumento do desemprego obrigarão a drásticos cortes em programas sociais, afetando ainda mais a indústria e o comércio. Mesmo subestimando a profundidade das crises, há razões para acreditar que os governos não podem salvar o sistema, em processo de desintegração e confusão.
A economia dos EUA sofrerá as consequências da sua inconsequencia. O dólar, impresso sem controle e cada vez menos aceito, perderá o valor e talvez até deixe de existir, reduzindo a zero o valor das divisas acumuladas naquela moeda. significando o maior calote mundial já realizado. A simples ameaça desse calote já foi a causa primária da atual recessão mundial, e chega a ser difícil imaginar o apocalíptico cenário da concretização da ameaça.
Lógico que venha a mente uma solução militar: uma guerra bem sucedida pelo petróleo, mas ganhar a guerra não é tão fácil como ganhar batalhas. Outra alternativa para os EUA uma seria o retorno ao seu antigo isolamento, mas desta vez com uma tremenda redução do nível de vida; coisa ainda inaceitável, mas possível no futuro. Mesmo não chegando a tais extremos, a simples retração do mercado estadunidense causará profundas alterações na economia mundial, cenário que expomos a seguir.
A Europa sofrerá as consequências do declínio geral dos mercados mundiais. A Alemanha, França, os Países Baixos e os países nórdicos ainda tentarão aguentar a retração econômica. A Inglaterra, afundando no crescimento negativo tentará obter vantagens apoiando os EUA nas conquistas a manu militari entre os estados petrolíferos e outros "nichos’, ". A Europa do Sul (dos PIGS) entrará numa depressão profunda e a indispensável redução de salários e benefícios sociais reduzirão drasticamente o consumo e em consequencia o número de empregos.
O nível de desemprego provocará conflitos sociais e levantamentos populares. A ruptura da União Européia é quase inevitável. É pouco provável que uma Europa deprimida, fragmentada e polarizada adira a qualquer aventura militar estadounidense-israelense contra o Irã ou mesmo a Síria. A Europa cavalgada pela crise opor-se-á à abordagem de confronto de Washington em relação à Rússia e à China.
Os novos centros de crescimento, China, Índia, Brasil, Rússia, que durante uma década proporcionaram ímpeto para o crescimento mundial,, com a diminuição das encomendas, tendem a desacelerar rapidamente e estarão ocupados com suas crises intenas. Os únicos beneficiários seriam os fornecedores de petróleo, se tiverem paz, mas o único deles que teria força para garantir a paz para si é a Rússia. Falta saber se é isto que ela quer.