"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

domingo, 8 de novembro de 2009

O REGRESSO (AUTOR DESCONHECIDO)

Tinha acabado a guerra, e Deus, lá nas alturas, cercado de astros de ouro e pulcros querubins ouviu sons marciais, fanfarras e clarins, e um ardente vozear de humanas criaturas. “Que rumor – perguntou perturba assim o ar?" - “Senhor lhe diz alguém da corte celestial - os bravos vencedores da Guerra Mundial, sob o Arco do Triunfo estão a desfilar. "Na célica mansão um sussurro se expande, e a densa legião de almas plenas de graça acorre curiosa e se debruça e esvoaça, para melhor distinguir a marcha heróica, grande! Então o bom S. Pedro, o santo venerando, que por mando divino é dos céus o porteiro, gritou: "Chamai Flambeau, o esperto granadeiro, para explicar o que se for passando. "Flambeau, que combateu e foi dos mais ousados, acerca se atencioso, observa por momentos e informa: "Vão ali famosos regimentos, a glória militar, indômitos soldados!... "Cavaleiros, então, avançam com ardor, e ele anunciou: "Desfilam os dragões!..." Estremecem no céu os áureos portões, que a voz do povo era um estrídulo clamor. “Mas isto nada é...", disse Flambeau atento. “Olhai a Artilharia!..." Em enorme alarido, reboam saudações qual ciclone enfurecido, ascendendo em rajada até ao firmamento. E Flambeau continua: "Isto ainda não é nada! Vereis melhor Senhor... Eis os aviadores!..." Revougam pelo espaço os potentes motores, a ponto tal que a voz do povo é sufocada. Flambeau proclama com enlevo! "Os Marinheiros..."Desta vez o entusiasmo os mundos excedeu e cativado, o sol, palmas de ouro abateu sobre os rijos heróis, que foram dos primeiros." Agora, Senhor meu - disse Flambeau ovante - Vereis quando passar a nobre Infantaria... Tenho medo que o sol estoure e finde o dia e a noite eterna envolva a Terra num instante. Serão aclamações estrondosas, torrenciais, Vibrarão no azul qual doida a trovoada, ver-se-á a multidão frenética, entusiasmada, delírio igual jamais se viu, jamais. "Surgiram a seguir os homens das trincheiras, alpinos, caçadores e toda a infantaria. Nas suas expressões claramente se lia o martírio sofrido e angústias e canseiras. Quando o canhão, rugindo, a morte semeava, impávidos, no posto, assim permaneciam... Era uma corte altiva, os tantos que ali iam, um grande, imenso, mar de heróis que ali passava às quentes saudações que a multidão soltou. Silêncio se seguiu, silêncio e nada mais. O espanto avassalou as regiões siderais. E Flambeau, indignado, agreste se expressou:-“Assim os recebeis, ó crua, ingrata gente?! Por vós riram da morte e a fome desdenharam, cansados de sofrer jamais o confessaram, são de aço os quais ali vão, tropa digna, valente! Deveis-lhe orgulho, sim, a graça de viver, e, em vez de os abraçar, calai-vos? Mal andais. Franceses, ouvi bem: Sois rudes, sois brutais, tamanha ingratidão não tem razão de ser." Mas mal termina a frase, olhando a Terra, fica possuído de orgulho, o coração em festa... Os Infantes, semi-deuses, heróis em gesta, que a luz do sol poente envolve e magnifica, marcham eretos, viris, o olhar altivo e ousado... Fremente, perturbada, a imensa multidão, por um alto mandato ou estranha inspiração, havia ajoelhado...

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