"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes

J’ACUSE !!! (Eu acuso !) By Igor Pantuzza Wildmann Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário. «Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice. (Émile Zola) Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...) (Émile Zola) Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando... E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”. Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar. Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca: EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa; EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas; EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas; EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”; EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar; EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade; EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã; EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”; EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia; EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento; EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito, EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis; EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição. EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos; EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores; Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia. Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”. A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.” Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade. Igor Pantuzza Wildmann Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Penso, logo escrevo

Nietzsche costumava dizer que possuía "sentenças de granito", que eram máximas, tipo provérbios que ele criava e nos quais acreditava como mandamentos. Todo mundo tem um que gosta muito, e não diferente disso, eu também tenho os meus. Mas nunca elegi "um", porque há vários muito bons e por razões diferentes, aplicáveis a situações diferentes na vida. Outro motivo é que não acredito em verdades absolutas, generalistas, eternas. Prefiro dizer que algumas são tentadoramente sábias e irresistíveis. Mas um dia desses, lendo um livro que encontrei num baú, cheguei a uma "conclusão", mas não quero eleger uma sentença de granito. Nada na vida deve ser escrito em pedra, né? Então... Veio na minha cabeça: que se continuamos vivos no dia de amanhã, todas as certezas que temos hoje podem ser conclusões precitadas. Isso me ocorreu quando li o trecho abaixo: "Ninguém determina de antemão e do princípio ao fim o caminho que seguirá na vida. O máximo que fazemos é optar por trechos, com maior ou menor ousadia, à medida que prosseguimos em frente. Ocorre que, a cada novo trecho do caminho, nós nos deparamos com novas realidades e com possibilidades desconhecidas que alteram não só nossas expectativas sobre o futuro, mas que podem colocar o percurso já transcorrido sob uma nova luz e perspectiva. O conhecer modifica o conhecido. É por isso que tudo o que vivemos, ou seja, todas a nossa experiência passada e a imagem que temos de nós mesmos são na melhor das hipóteses construções provisórias, sujeitas a revisões mais ou menos drásticas de acordo com o caráter do que vamos descobrindo e vivenciando ao longo da nossa trajetória pessoal. A literatura mostra e a vida comum confirma que experiências críticas em nossos percursos (...) podem nos levar a rever profundamente o sentido do nosso passado e as crenças que alimentamos sobre nós mesmos." Eduardo Gianetti in "Auto-Engano"
Esse escritor fez com que me sentisse mais à vontade, por todas as vezes que repensei e repenso minhas escolhas. Ele me fez sentir confortável em acreditar que a vida não é uma planície, e que nem precisa ser.

A Morte de Deus

O século XX foi o século da morte de Deus. Não só a ciência desprendeu-se definitivamente de qualquer apelo ao sobrenatural, como a maioria das constituições políticas dos novos regimes que surgiram afirmaram sua posição secular e agnóstica, separando-se das crenças. Chegou-se até ao radicalismo soviético que pronunciou-se como um Estado ateu. Se bem que a religião ainda constitui um poderoso fator de mobilização das massas e um, até agora, insubstituível apoio ético e moral, deve-se reconhecer que as elites modernas deram as costas a Deus. Mas esse gigante da religião, da teologia e da imaginação prodigiosa dos homens não morreu de uma vez só. Foi morto aos poucos ao longo do século XIX, de Laplace a Nietzsche. Deus, uma hipótese descartável Ao enviar a Napoleão Bonaparte uma cópia do seu trabalho Méchanique céleste (A Mecânica Celeste, 5 vols., 1799-1825), o matemático Laplace, quando questionado pelo imperador sobre o papel de Deus na criação, respondeu que "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là", que ele não necessitara da hipótese da existência de Deus para edificar a sua teoria do sistema solar. Com isso, com tal declaração arrogante, que fez o gosto e deliciou Napoleão, aquele expoente maior da física do Iluminismo rompia definitivamente com os elos dos seus predecessores Galileu e Newton, que ainda ligaram o Todo-Poderoso à formação do cosmo e à sua preservação. O agnosticismo e a humanização de Cristo Se, no século XVIII, a Revolução de 1789 e a moderna ciência francesa davam início ao banimento de Deus, na Alemanha a pregação pelo afastamento do Todo-Poderoso das coisas do mundo se fez pela verve da filosofia e, pasme-se, pela própria teologia. Kant, com a sua doutrina agnóstica, que afastou as coisas da fé de qualquer provável entendimento racional (fé e razão atuam em esferas distintas, inconciliáveis), abriu caminho para que a geração seguinte de cientistas e pensadores passassem à crítica direta da religião. Sintoma disso foi a humanização crescente da figura de Jesus, como deu-se na obra de David F. Strauss, um teólogo. No seu Das Leben Jesu (A Vida de Jesus, 2 vol., 1835-36), identificou a vida de Cristo com a teoria do mito, entendendo o Evangelho como algo historicamente datado, afastando qualquer elemento sobrenatural dela. Linha que foi seguida na França pela monumental obra crítica de Ernst Renan, que a partir da Vie de Jésus (A Vida de Jesus, de 1863), que se estendeu por dezessete anos, até 1880 quando a encerrou com Marc Aurèle et la fin du monde antique (Marco Aurélio e o fim do mundo antigo), apresentando a mais completa interpretação até então concebida da história do Cristianismo na ótica do positivismo. Deus é alienação O passo seguinte ao do doutor Strauss, ainda na Alemanha, foi dado em 1841 por Ludwig Feuerbach com a publicação do Das Wesen des Christentums (A essência do cristianismo), onde assegurou ser Deus uma projeção dos desejos de perfeição do homem. Vivendo em meio a infelicidade e na insegurança do sentimento de morte, os humanos idealizavam um reino perfeito nos céus, onde serão eternamente felizes e imortais. Era a alienação do homem que criara a crença no Ser Supremo, sentindo-se depois oprimido por ele. O mesmo fenômeno diria Marx (outro "matador de Deus"), engendrara a sociedade capitalista moderna, onde o Capital manipula os burgueses e oprime o proletariado. Darwin e o desencantamento do mundo O seguimento dessa "luta contra Deus" - dentro do que Max Weber chamou de Erzauberung, o desencantamento do mundo iniciado por obra dos Iluministas - , deu-se com a espetacular e escandalosa publicação dos trabalhos científicos de Charles Darwin na Inglaterra. O On the Origins of Species (A Origem das Espécies), em 1859, seguida do The Descent of Man (A descendência do Homem), em 1871, implodiram a teoria bíblica da criação do Homem e da Natureza. Duas obras, diga-se, que tornaram-se os primeiros best-sellers científicos do mundo contemporâneo, com milhares de leitores entusiastas. As concepções de Darwin, desde então, causaram um abalo irreparável nas crenças religiosas da elite pensante. Não é Deus quem pune, é o bacilo O arremate disso deu-se nas ciências naturais com as descobertas dos bacilos e micróbios pelo doutor Pasteur, na França em 1863, e nas descobertas do doutor Koch na Alemanha, em 1882. Eram microorganismos que estavam por detrás dos processos de putrefação e das doenças, como tifo e a tuberculose, que assombravam os homens daqueles tempos, e não nenhum desejo do Ser Supremo em punir os pecadores. Deus é a imagem do pai Mas faltava ocorrer a morte de Deus em algo mais íntimo do homem, na sua consciência, na sua psicologia por assim dizer. Então veio Sigmund Freud. Em 1900, ele publica o seu célebre Traumdeutung (A Interpretação dos sonhos), como que anunciando para o século XX entrante o surgimento de uma nova mentalidade. Todos os terrores e fobias humanas nada têm a haver com as coisas do sobrenatural ou com os mistérios da alma. Tudo se dá no reino natural. É em meio a relação familiar, do nascituro com seus próximos, que todas as emoções e neuroses se formam. Desejos primitivos, mas naturais, reprimidos ou sublimados, é que dão energia à mente e moldam o comportamento dos indivíduos. Deus, assegurou Freud no Totem und Tabu (Totem e Tabu, 1913), nada mais lhe parece do que a poderosa projeção da imagem paterna incrustada desde cedo na mente humana. Deus foi assassinado Deste modo, quando Nietzsche anunciou que "Deus está morto" no primeiro canto do seu Also spracht Zaratustra (Assim falou Zaratustra), em 1883, nada mais fez do que escancarar para o mundo literário o que já vinha sendo feito há muito tempo no terreno das ciências naturais e sociais. A lanterna de Diógenes que ele carregava apenas veio jogar luz sobre o que já corria solto no meio da ágora, Deus havia morrido. Os homens o mataram. Agora um nova raça de eleitos, segundo este burguês visionário (a expressão é de Helmuth Walther), deveria por si só suportar o peso desse crime, alçando-se a si mesmo como um novo homem, como a superação do homem, como um super-homem.