"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Kant, Renato Russo e o fato da razão

A questão de se existe ou não liberdade é fundamental para se pensar a ética. Se o homem não é livre para agir, não pode ser responsável por sua ação. Se não existe liberdade ninguém pode ser considerado criminoso. Com isso, cria-se a "ética dos coitadinhos" que diz que a culpa pelas coisas que não estão certas não é de ninguém determinado, nem de todos em conjunto: o culpado é o "sistema", o impessoal. Seguindo esse discurso as pessoas podem reivindicar para si todos os direitos sem carregar consigo nenhum dever: afinal, "todo mundo quer tirar vantagem em tudo', e, por conseqüência, ninguém quer ser responsável por nada. Acontece que, como percebeu Kant, a liberdade não é um fato exterior, é sim, um fato (feito) da razão: o homem pode prescrever para ele mesmo regras de conduta, ante as quais ele mesmo é legislador e executor. Ou seja: quem se obriga a si mesmo é livre para se desobrigar. Isso acontece na prática: quem assume um compromisso perante consigo mesmo não esta comprometido com ninguém: então é livre (ou "você não pode jogar essa folha longe e esquecer esse texto?", ou "você não é livre para escolher isso?"). Essa idéia foi reafirmada na letra da música Há Tempos da Legião Urbana, nela Renato Russo diz: "disciplina é liberdade". Falar em disciplina como sinônimo de liberdade pode ser visto como algo fascista, mas Russo explicou sua posição em entrevista: "eu estou falando de autodisciplina. Se você pensar numa relação sujeito/objeto é fascista, mas numa relação sujeito-sujeito, não é. Não é: "eu vou disciplinar você". A natureza é disciplinada. Eu preciso de muita disciplina! Fica tão bonito escrito "Disciplina é liberdade". E é uma inversão do double think do 1984: "Liberdade é escravidão", "Ignorância é força". Se você tiver um conceito legal de liberdade, imediatamente surge uma idéia positiva." Se "disciplina é liberdade", o homem é livre e responsável por suas ações. Disso pode deduzir que para viver em grupo deve agir como se sua ação pudesse ser comum a todos os demais, ou seja, seguir a regra do senso comum de "não fazer aos outros o que você não quer que seja feito a você". Kant não pensava numa sociedade de anjos: regras são necessárias mesmo em uma sociedade de demônios. Os homens são racionais, livres e responsáveis pelo seu agir (ou não agir). O Estado, a televisão, "o sistema", não são sozinhos os culpados pelos problemas sociais, afinal, a sociedade é feita também de homens individualmente responsáveis. Como diria Ortega y Gasset: "eu sou eu e minhas circunstancias, se não me salvo a elas não me salvo a mim mesmo", ou seja, o homem esta sempre imerso em circunstãncias que não escolheu, mas pode decidir entre lidar com elas ou se deixar levar pela correnteza, como uma bóia jogada no rio. Pode decidir compreender sua circunstancia, sua responsabilidade e sua liberdade ou cantar o samba do "deixa a vida me levar". O fato é que você (também ) decide.

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