"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quinta-feira, 18 de março de 2010

MICHELANGELO BUONARROTI - A OBRA DA PERFEIÇÃO DA BELEZA

Ao longo da história da humanidade a arte andou sempre ao lado do homem, dando emoção e beleza ao cotidiano, não importando o século ou a tendência. A arte gerou muitos artistas através do tempo, mas poucos atingiram a grandiosidade de Michelangelo Buonarroti. Sua obra, de uma beleza estética perfeita, de genialidade e sensibilidade raras, constitui um precioso patrimônio da arte, sublimemente presenteada à humanidade. De uma força humana avassaladora, as obras de Michelangelo atravessaram o tempo, cinco séculos passados, e continuam a fascinar o mundo inteiro. Suas estátuas atingiram a perfeição da beleza humana, que imóveis contemplam o mundo, como se a qualquer instante fossem falar. Sua pintura pulsa, como se tomada por uma força arrebatadora, encerrando em si, o drama do homem ante à vida, que se lhe mostra inquietante, bela, fiel à proposta do seu autor. Michelangelo procurou, incansavelmente, atingir à beleza perfeita, à promessa do ideal grego de estética. Tinha uma obsessão latente pela beleza masculina, dilatando-a e explorando-a na mais completa tradução. Por fora o artista trazia cicatrizes no rosto e na alma. Adorador do belo, o mestre viu o seu rosto deformado após ser agredido por um dos seus desafetos. Viu o corpo envelhecer e definhar-se na longevidade de vida que alcançou, quase noventa anos de uma existência angustiada. Viveu dramas políticos e ideais insólitos, amou à terra natal, Florença. Entregou-se às paixões proibidas da sua homossexualidade latente, muitas vezes dilacerando os sentimentos para proteger-se do seu tempo. Michelangelo buscava as respostas das tormentas da sua alma, era um homem instável e de arroubos tempestivos. Quando penetrava dentro de si mesmo, transbordava obras definitivas, de um poder criador magnânimo. De uma inspiração sublime, deixou-nos a melancolia irremediável que emana da “Pietá”; da perfeição humana diante de um “David” fulgente; ou do Cristo vingador e triunfante do afresco da Capela Sistina do “O Juízo Final”. Da construção da catedral de São Pedro, encomendada pelo papa Paulo III, à tumba inacabada da família Médici, a obra de Michelangelo traz a grandeza apaixonante da saga humana, conflitante com a beleza dos corpos e as imposições da alma, dos costumes e de uma sociedade caminhante para a generosidade trágica do viver. Michelangelo deixou, através da sua obra, o retrato das suas angústias, revelado na beleza fascinante de um mundo convulsivamente humano. Formação na Escola de Lourenço de Médici Michelangelo Buonarroti nasceu em 6 de março de 1475, em Caprise, na província de Florença. Nasceu em uma família de linhagem aristocrática antiga em Florença. Seu pai, Ludovico di Lionardo Buonarroti Simoni, era um homem violento, fervorosamente religioso. Aos seis anos, Michelangelo perdeu a mãe, sendo cuidado por uma ama de leite. Já na escola, Michelangelo demonstrava a sua aptidão para as artes, enchendo os cadernos de desenhos, desligando-se das matérias ensinadas. A postura rendeu-lhe a perseguição do pai e dos irmãos, que não suportavam a idéia de ter um artista na família. Por causa dos desenhos, foi muitas vezes espancado, ora pelo pai, ora pelos irmãos. Mas a sua obstinação pela arte foi mais forte e, aos treze anos, venceu à resistência paterna, ingressando como aprendiz, no estúdio de Domenico Ghirlandaio, em Florença. Ghirlandaio era considerado um mestre da pintura de Florença. A permanência de Michelangelo em seu estúdio foi curta, durando apenas um ano. Os motivos da sua saída seguem duas vertentes narrativas, uma de que teria sido pelo artista considerar as aulas de pintura lentas e limitadas, de preferir a escultura à pintura; outra versão é de que movido pelo ciúme, Ghirlandaio afastou o seu aluno, ao perceber que os trabalhos deste eram melhores que os seus. Nenhuma das versões são confirmadas por documentos históricos. Ao deixar Ghirlandaio e à sua pintura, Michelangelo entrou para a escola de escultura que o mecenas Lourenço de Médici, o Magnífico, rico senhor e protetor das artes, matinha nos jardins de São Marcos, em Florença. Lourenço de Médici interessou-se pelo talento do novo estudante, hospedando-o em seu palácio. Michelangelo encontrou-se com a plenitude do Renascimento italiano, vivendo em um ambiente de atmosfera erudita e poética, ao lado da elite nobre e intelectual de Florença. Seria no convívio do palácio dos Médici, que Michelangelo assimilaria os alicerces renascentistas que caracterizariam as suas obras, abraçando o apego à natureza e ao ideal do homem perfeito, que deveria ser belo, bom e verdadeiro. Surge o seu primeiro trabalho na pedra, trazendo adolescentes atléticos, de beleza impassível, como deuses olímpicos envolvidos na perfeição dos corpos. Ao produzir “O Combate dos Centauros”, Michelangelo demonstrava a obsessão que o perseguiria para sempre, a de arrancar corpos carnosos e vivos do mármore, projetando dimensões espetaculares. Michelangelo traduzia, desde o inicio, a sua paixão pela escultura. Do Profano ao Sacro Michelangelo sempre demonstrou uma inquietude latente, sem muita paciência para o que considerava medíocre. Sua genialidade destacava-o dos demais alunos dos jardins de Lourenço de Médici, o que lhe fazia tempestivo e sem cordialidade com os menos talentosos, a quem ironizava sem diplomacia alguma. O temperamento franco valeu-lhe o confronto com Torrigiano dei Torrigiani, um vaidoso e agressivo companheiro de escola, que ao ver o seu trabalho ridicularizado, desferiu um golpe tão violento no rosto de Michelangelo, desfigurando-o para sempre o nariz. Amante da beleza e da sua perfeição, a deformação no rosto atormentaria Michelangelo para sempre, sem que jamais pudesse deixar de arranhar a sua sensibilidade. O apogeu renascentista de Florença sofreu um grande golpe, em 1490, quando o monge Savonarola começou uma inflamada pregação mística, apregoando o ascetismo religioso, condenando a arte profana e perseguindo aos seus adeptos. Para piorar a situação, Lourenço de Médici morreu, em 1492, forçando Michelangelo a deixar o palácio. A revolução fanática de Savonarola explodiu em 1494, obrigando o artista, um mês antes, a fugir para Veneza. Ele só retornaria a Florença na primavera do ano seguinte, encontrando um ambiente tomado pelo fervor religioso, assistindo à queima de livros e quadros considerados como vaidades ofensivas à religiosidade. A inquietação rebelde de Michelangelo, fez com que ele, neste ambiente hostil, seguisse na contramão dos preconceitos, esculpindo “Cupido Adormecido”, uma obra pagã. Diante de uma atmosfera tão conservadora e de fanatismo religioso, Michelangelo deixou Florença, seguindo para Roma, onde esculpiria duas belas obras, “Baco Bêbado” e “Adônis Morrendo”. A lembrança de Florença e do seu esplendor na época de Lourenço de Médici jamais abandonaria o artista. Com o tempo, Savonarola e os seus seguidores passaram de perseguidores a perseguidos. Em 1498, após desafiar o papa Alexandre VI, o monge é queimado em praça pública. Nesta época Michelangelo já se tornara um homem triste e melancólico, tristeza esta expressada na melancolia sem fim da figura da sua obra “Pietá”. Por um instante, ele deixou o profano, debruçando-se com maestria sobre um tema clássico e religioso. A alegria esvaída não invalida a beleza cada vez mais perfeita de uma obra que parece jamais deixar de atingir um apogeu a cada novo trabalho. Na época da criação da Pietá, ninguém acreditava que um artista tão jovem pudesse conceber uma obra tão intensa, talhada para ser uma das mais belas já produzidas sobre o tema. Um jovem que, precocemente, entristecera a sua alma, mergulhando em um trabalho a vislumbrar obsessivamente a perfeição. Obras Perfeitas Arrancadas do Mármore Mesmo com a morte de Savonarola, Michelangelo continuou em Roma, envolto cada vez mais em uma tristeza crônica e numa ansiedade de moldar obras grandiosas, de belezas perfeitas, arrancadas da frieza do mármore, convertidas em figuras pulsantes, quase vivas. Na primavera de 1501 Michelangelo retornou a Florença, para executar a obra que refletiria o amadurecimento da sua arte. Tomou para si um imenso bloco de mármore abandonado há quarenta anos, pertencente à catedral da cidade. O bloco tinha sido entregue a Duccio, para que nele fosse talhada a figura de um profeta, mas o escultor morrera repentinamente. Michelangelo trabalhou no bloco, modelando a grandiosidade da sua obra monumental. Usou a sua força física, com golpes intensos de martelo, que deixavam o mármore aos poucos, tomar forma de um homem perfeito, de plena exuberância das suas formas, surgia “David”, jovem e vigoroso a vencer o gigante Golias. A estátua colossal deslumbrou uma comissão de artistas, que incluía Botticelli, Leonardo da Vinci, Perugino e Pilippino Lippi. Cercado pelo fascínio de todos, Michelangelo explicava a sua técnica diante do mármore bruto e da concepção da figura: “A figura já está na pedra, trata-se de arrancá-la para fora.” Ao ser questionado onde que se iria pôr a estátua de David, Michelangelo foi categórico, deveria ficar na praça central de Florença, a Piazza Della Signoria (Praça da Senhoria), em frente ao Palazzo Vecchio (Palácio Velho). Assim foi feito, a estátua ficou neste local de 1504 até 1873, quando foi transferida para a Galleria dell’Accademia, protegendo-a da depredação dos ataques constantes do povo, que consideraram a nudez do David um atentado à moral. Encontro com o Papa, em Roma Após o término da estátua colossal de David, concluída em 1504, Michelangelo retornou a Roma, em 1505, chamado pelo papa Júlio II. O pontífice encomendou-lhe um mausoléu monumental, digno da época áurea da Roma Antiga. Entusiasmado, o mestre partiu para Carrara, onde ficou oito meses, a conceber o projeto e a escolher o mármore que nele iria usar. Enormes blocos de pedra foram enviados para Roma, acumulando-se na Praça de São Pedro. Um desentendimento do escultor com Júlio II, fez com que este suspendesse a obra, em janeiro de 1506. No lugar do mausoléu, o papa decidiu reconstruir a Praça de São Pedro, sem consultar Michelangelo. O artista sentiu-se humilhado, além de ter ficado endividado. Sem alternativas, Michelangelo voltou para Florença. A reconciliação com Júlio II viria algum tempo depois, quando este lhe encomendou uma estátua de bronze para a fachada da Igreja de São Petrônio, em Bolonha. Michelangelo protestou, pois não tinha técnica com o bronze, mas Júlio II insistiu no capricho, e durante quinze meses, o artista trabalhou arduamente na estátua, que seria erigida em 1508. A estátua de bronze de Júlio II teve apenas quatro anos de vida, sendo destruída, em dezembro de 1511, por políticos inimigos do papa, sendo o material usado para a construção de um canhão. Ao voltar a Roma, Michelangelo teve, mais uma vez um pedido que não lhe agradou, vindo de Júlio II, o de decorar a abóbada da Capela Sistina. O artista menosprezava a pintura, não escondendo a sua paixão pela escultura. Tentou declinar da encomenda do papa, vociferando: “Não sou pintor, sou escultor.” Mas não conseguiu desvencilhar-se do trabalho e dos caprichos do papa. No dia 10 de maio de 1508, ele começou a produzir uma das mais grandiosas obras da sua autoria e da humanidade, os afrescos da Capela Sistina. Michelangelo Pinta os Afrescos da Capela Sistina Michelangelo dispensou os pintores que lhe haviam sido dados como ajudantes. Sozinho, começou a executar um trabalho fustigante, que lhe consumiria a alma e a saúde. Tornou-se herói de si mesmo, numa luta árdua entre a sua intuição criativa, a reprodução da criação e os limites do corpo e da existência. Michelangelo mergulhou nas entranhas da sua inspiração, arrancando dela um vasto cenário da existência do homem, com as suas tragédias, esperanças e promessas eternas. Mais do que decorar uma abóbada, ele retratou a própria humanidade, desde o princípio da criação às profecias da existência. Michelangelo sofreu todas as vicissitudes de quem estava disposto a erigir uma obra grandiosa. Decidiu pintar não só a abóbada da capela, como às suas paredes. O trabalho era lento, exaustivo, quase imperceptível em seu avanço, o que fez com que Júlio II não lhe pagasse um tostão por mais de um ano. Michelangelo foi atormentado pela falta de dinheiro. Sofreu com a cobrança constante de Júlio II, que lhe perguntava, impacientemente, quando teria a capela pronta, aa que ele respondia com ironia: “Quando eu puder!”. Os momentos de tensão foram tão intensos entre dois, que o artista chegou a ser agredido pelo pontífice com golpes de bengala. Diante das animosidades, Michelangelo tentou fugir de Roma, mas foi impedido pelo papa, que lhe pediu desculpas e mandou que lhe fosse entregue a quantia de quinhentos ducados. Após longos quatro anos de agonia, sofrimento e criatividade única, Michelangelo concluiu a sua obra. No dia 2 de novembro de 1512, o artista retirou os andaimes que encobriam a perspectiva total da obra, permitindo a presença do papa à capela, para que pudesse ver o resultado. A pintura trazia toda a trajetória humana, guiada pela plenitude do Criador. Trezentos personagens do Antigo Testamento desfilavam pela abóbada da capela, de 40 metros de largura por 13 de altura. Figuras dramáticas moviam-se em multidão, umas sentadas, outras que flutuavam. Michelangelo retratava Deus com um corpo vigoroso e retorcido, retesado no ato de criação do universo, a dar o toque vivificador, com a ponta do dedo, em Adão, primeiro ser vivente. Assim, os afrescos traziam os episódios do Gênesis, “A Criação”, “O Pecado” e o “Dilúvio”, acompanhados dos profetas. Nos quatro ângulos, reproduzia a libertação de Israel: a “Serpente de Bronze”, os “Triunfos de David”, “Judite” e “Ester”. Júlio II foi o primeiro a ter a visão de um esplendor criativo de beleza e genialidade jamais pensadas até então, imagem que conquistaria milhões de visões por mais de cinco séculos, atraindo e fascinando pessoas de todas as raças, credos e ideologias. Esplendor nas Estátuas dos Mausoléus Após quatro anos de sofrimentos, Michelangelo pôde, finalmente, sentir-se um vencedor diante da excepcional obra da Capela Sistina. Pôde respirar um pouco e descansar o corpo e a sua angústia existencial. Mas o descanso durou pouco. Com a morte de Júlio II, em fevereiro de 1513, o artista assinou um contrato com a família do papa para executar, em sete anos, o antigo projeto do seu mausoléu. A obra final teria 32 grandes estátuas, constituindo o projeto que Michelangelo mais amou fazer. Logo criou a primeira estátua, “Moisés”, em cujos traços insinuou a fisionomia do papa. “Moisés” é considerada a mais perfeita obra de escultura de Michelangelo. Além desta figura, esculpiu para o mausoléu de Júlio II os dois célebres “Escravos”. Infelizmente a obra ficou inacabada. Sobre ela, Michelangelo falou, quando tinha 67 anos de idade: “Acho que perdi toda a minha juventude ligado a ela.” Michelangelo voltaria a ser chamado pelo papa Clemente VII, para um novo trabalho grandioso, construir a capela e a tumba dos Médici, em Florença. Para executar o trabalho, receberia uma pensão três vezes superior a que ele pedira. Assim, de 1523 a 1531, Michelangelo esculpiu as estátuas de Juliano e Lourenço de Médici, que alegoricamente representavam a Ação e o Pensamento, e as quatro sombrias estátuas de base, “O Dia”, “A Noite”, “A Aurora” e “O Crepúsculo”. Durante este período, Michelangelo interrompeu o trabalho em 1527, quando eclodiu uma guerra contra os Médici, em Florença e o artista ajudou os rebeldes, projetando a defesa da cidade, atitude que o fez fugir para Veneza. Restabelecida a paz, foi perdoado por Clemente VII, e voltou a trabalhar nas estátuas com furor. As obras do mausoléu dos Médici são magníficas, elas refletem a amargura, a perda da juventude e a melancolia calcada na alma do artista ao longo dos anos, das perdas e dos amores diluídos nas mentiras dos preconceitos. O Juízo Final de Michelangelo Com a morte de Clemente VII, em 1534, Michelangelo deixou Florença. O ódio que o Duque Alexandre de Médici lhe dedicava, impediria-o de retornar a Florença, sem que jamais pudesse rever à terra natal. Após vinte anos de ausência, Michelangelo regressou a Roma, onde viveria até a sua morte. Era um homem de quase 60 anos, longe da juventude e sem saúde. Vivia amargurado, numa solidão cortante, sem a vitalidade e o prazer que dantes retirava da criação da sua arte.
Em Roma, travou amizade com Tommaso dei Cavalieri e com a Marquesa Vittoria Colonna, que lhe deu um certo alento diante da solidão à qual agarrara-se com fervor. Foi neste período que aceitou a oferta do papa Paulo III, que o nomeou, em 1535, arquiteto-chefe, escultor e pintor do palácio apostólico, passando a idealizar um novo planejamento para a Colina do Capitólio, em Roma, obra que jamais concluiu. Sob o pontificado de Paulo III, Michelangelo pintou, entre 1536 e 1541, um grande afresco na parede do altar da Capela Sistina, o “Juízo Final”. Na obra, um belo e vigoroso Cristo aparece no plano superior, ladeado pelos escolhidos, trazendo consigo a vingança implacável contra os seus inimigos, Maria, assustada, não ousa a contemplar a cena; os anjos travam uma luta imarcescível contra os condenados. No plano inferior, os que não se salvaram caem nos domínios infernais. Todos os movimentos da humanidade estão retratados neste afresco, feito para ser um retrato religioso, mas que traz um sabor profano, já que o autor só pintou nus. Este fato causou tanta polêmica, que se chegou a cogitar a destruição da obra, pensada pelo papa Paulo IV. Felizmente, o pontífice decidiu-se por mandar o pintor Daniel de Volterra obscurecer os órgãos dos nus mais ousados. Só em 1993, quando o afresco foi restaurado, que a nudez original voltou a imperar, deixando algumas figuras ainda cobertas como registro histórico. Cansado e envelhecido, Michelangelo continuou a esculpir obras, mesmo já avançado na idade. Durante toda a vida foi perseguido pela família de Júlio II, que através de inúmeros contratos assinados, exigiam o término do seu mausoléu. A obra, jamais acabada, consumiu anos do artista. No fim da vida, Michelangelo voltou-se para o misticismo religioso, negando o mundo e o profano, perdidos no tempo, como a sua juventude. Passou os últimos anos a dedicar-se às cenas da paixão de Cristo. Aos 88 anos, elaborava uma nova “Pietá”, mas uma doença prendeu-o definitivamente à cama, onde se iria definhar. No leito de morte, ditou com absoluta lucidez, um comovente testamento, pedindo para regressar, ainda que morto, à Florença, sua terra natal, inesquecível palco da sua juventude e aprendizado. Em 18 de fevereiro de 1564, Michelangelo doou o seu corpo à terra e a alma a Deus, morrendo em Roma. Homem feio, de rosto desfigurado, Michelangelo reproduziu externamente a beleza que tinha interiormente, transformando as dores humanas em um idílio visual. Além de pintor e escultor, era um poeta, registrando em seus poemas uma sublime linguagem homoerótica. Viveu imerso nas angústias e no trabalho, próximo da morte registrou em um poema: “Na verdade, nunca houve um só dia que tenha sido totalmente meu”. Os dias de genialidade criativa de Michelangelo foram doados à humanidade, através da beleza universal das suas obras.

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