"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

As múltiplas faces do futuro

Com toda a certeza foi o surgimento da Idéia do Progresso, a partir do século XVIII, quem promoveu e deu importância científica ao Futuro. Se bem que o porvir sempre interessou os homens - daí a milenar prática da quiromancia, a arte de interpretar as linhas das mãos, ou a função do arúspice romano que analisava as vísceras de um animal para prever o que poderia vir a acontecer - foi a partir do Iluminismo que a filosofia e a ciência uniram-se para fazer antevisões do que se descortinaria no horizonte. Os antigos magos e os adivinhos foram então substituídos pelos futurólogos dos nossos dias. Dixon não é Khan Na década dos anos de 1960, ascendeu na mídia de então a figura de Herman Khan do Instituto Hudson, um estrategista militar a serviço de uma grande empresa norte-americana, a Rand Co., especializado entre outras coisas em prever o desempenho econômico e social das nações. O objetivo era poder prevenir o Pentágono de possíveis instabilidades geradas por revoluções inesperadas, como fora o caso da Revolução Fidelista em Cuba, em 1959. Nada dessa atividade pode ser associada a Patrick Dixon, um analista do futuro como Khan o foi sem, todavia, ter a pecha de estar a serviço do Departamento de Estado do governo norte-americano ou de estar vinculado a uma posição conservadora como era o caso do integrante do Instituto Hudson. Dixon praticamente é um apóstolo do porvir, é uma individualidade que se pôs na estrada para livremente apresentar o que ele entender vir a ser o futuro, um profeta do capitalismo globalizado. As faces do futuro Cada um de nós tem um olhar próprio sobre as coisas que estão por vir. Todavia não é só isso, pois cada vez que nos aproximamos de uma determinada corporação, a dos banqueiros ou a dos acadêmicos, a tendência é ver o mundo pelos óculos deles. Em vista dessa evidência, a expectativa é de que a lente que ele, Dixon, usa, possa nos servir de uma maneira mais adequada, sem que isso signifique a pretensão de estar certo, ou ter a visão correta das coisas. O motivo dessa preocupação para com o futuro deve-se ao fato de que “se não cada um não se preocupar com o próprio futuro, o futuro se encarregará disso”. Apesar de Dixon não mencionar John M. Keynes, deriva do célebre economista inglês a tese sobre a importância do devir em razão das estratégias de investimento que cada capitalista deve desenvolver. O montante do capital a ser aplicado depende sempre das expectativas do desempenho futuro da economia num todo. Assim sendo, se as previsões de crescimento são otimistas, se os anos próximos são percebidos como seguros para os negócios em geral, o investimento será maior em razão de que as expectativas de retorno lucrativo são mais favoráveis. Dando-se o contrário, se pairam nuvens escuras sobre os meses ou anos que ainda estão por vir. Esta percepção, boa ou má, otimista ou pessimista, é, pois a chave do desempenho geral da economia. Deste modo, perceber quais são as faces com que o futuro se apresentará diz respeito ao desempenho de todo o processo produtivo de grande parte da humanidade. A rapidez na Era Digital Dixon pretende então delinear a face daquilo que está ainda por vir, mas que já se encontra em gestação no presente, afirmando que ele tem como seu primeiro aspecto a Rapidez. Face identificada com a velocidade da mudança. Fenômeno que se acelerou ainda mais entre nós com o uso da Internet. Nós estamos nos tornando loucos. Tornamos-nos ávidos em obter logo os resultados que procuramos. As teclas são o alvo da nossa ansiedade em querer saber de imediato as coisas. Por conseguinte, a face inicial do futuro não tem a haver com tecnologia, com política ou com ciência, mas sim com a emoção. É sobre gente enlouquecida que pressiona 50 vezes ou mais as teclas do computador para ter a informação desejada (tanto isso é verdade, da importância da rapidez em obter-se o pretendido, que nos Estados Unidos certas empresas terminam por perder 30% de todos os seus negócios se ocorrer um atraso de 30 segundos para acessarem uma webpage, uma página da rede). E isto está ocorrendo apenas na primeira hora do primeiro diz da Era Digital. Portanto, enfatiza, ele, o futuro é sobre emoções. O impacto da Urbanização A outra face do futuro chama-se Urbanização. Palavra que traz em si a questão da demografia e da mudança social, num contexto de enorme ampliação do mercado. Nunca houve antes na história da terra tal crescimento de novos consumidores. Um bilhão de crianças se entrarão na idade adulta nos próximos 15 anos. Se olharmos para a China, nos próximos 12 anos se deslocarão 30 milhões de pessoas somente para Xangai! Nas últimas décadas o governo chinês mobilizou 300 milhões de indivíduos do campo para as cidades. O mesmo ocorre na Índia onde o governo registra o aumento de um milhão de pessoas por ano afluindo para Mumbai (a antiga Bombaim). E eles se deslocam para obter novas casas, enquanto outro milhão de pessoas deixou a situação de extrema pobreza para atingir o patamar da classe média, provocando um enorme crescimento econômico e uma repentina transformação social. E quando mal o governo exulta ter cumprido com suas obrigações, outro milhão se avizinha. Quanto ao Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, apesar da violência urbana as favelas pararam de crescer. A grande migração para as cidades brasileiras cessou. A nova grande tarefa é inserir na sociedade esta nova leva de jovens para fazê-los contribuir para o crescimento da nação. Sabe-se que, tal como na maioria dos outros países, 80% do crescimento deve-se aos pequenos e médios negócios, que empregam apenas entre 10 ou 20 pessoas. E quanto às outras partes do mundo? Bem, a Europa está morrendo. Entre outras causas devido ao baixo crescimento demográfico (os casais têm apenas 1,2 ou 1,4 de filhos, o que não repõe a população, e significa que eles simplesmente não sabem mais fazer bebes). Os dados indicam que tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido grande parte das fortunas está no controle de pessoas que tem 65 anos de idade, enquanto que na Itália há um milhão de mulheres que já ultrapassaram os 90 anos. Nunca a esperança de vida foi tão dilatada e nunca nasceu tanta gente no mundo. Um novo tribalismo A terceira face do futuro é o Tribalismo. As tribos se tornaram a mais importante força do mundo. As velhas tribos ancestrais se transformaram em novas tribos devido ao fato de cada um desejar, mesmo na sociedade moderna, pertencer a alguma coisa: seja integrar comunidades ou aproximar-se dos vizinhos. Ao mesmo tempo isso tem gerado no seu lado extremo mais violência, sectarismo, genocídio étnico, conflitos e terrorismo. Apesar disso, o tribalismo não deixa de ser uma força maravilhosa e positiva. Cria cultura, identidade, música, linguagem, comunidade, times, nações; assim tudo aquilo que amamos advém das tribos. Deste modo, sob o ponto de vista empresarial, o objetivo é atraí-las, quando não criar uma própria tribo, torná-la forte para obter grandes negócios no futuro. Um dos exemplos desse novo tribalismo é o surgimento da Wikipedia, uma enciclopédia online universal, franqueada a todos que desejam colaborar com ela, permitindo a formação de um espaço em constante ampliação aberto ao conhecimento. Novas situações estão surgindo espontaneamente. As pessoas estão interessadas em saber sobre as outras pessoas. Elas, individualmente ou em minúsculos grupos, estão construindo um mundo melhor sem terem nenhum interesse lucrativo imediato naquilo que fazem. É o mesmo espírito que permitiu a criação do YouTube por Chad Hurley, um rapaz da Pensilvânia, que, em apenas 11 meses, sem nenhum dólar ou apelo publicitário, o viabilizou. A intenção dele foi estabelecer um código que permitisse abrigar vídeos e colocá-los na rede em poucos segundos. Somente num ano 200 milhões desses vídeos foram vistos diariamente e a cada dia mais 60 milhões deles chegam ao YouTube (o Google o adquiriu em outubro de 2006 pelo valor de 1,65 bilhão de dólares). Este é um mundo em que as universidades ainda não estão prontas para ele. A enorme produção individual que hoje está sendo feita por pessoas criativas em vários cantos da terra é totalmente independente dos centros convencionais de conhecimento ou de formação profissional, permitindo que pequenas empresas, nas mãos de gente comum, anônima, adentrem na Internet oferecendo as mais diversas formas e tipos de serviços. Formaram um cosmo ao qual eu tenho acesso com apenas um toque do meu computador portátil ou por meio de um cartão que eu posso inserir num automóvel ou num táxi, num ônibus ou num estacionamento, onde eu estiver. Estamos, pois em meio a uma revolução provocada pelas pequenas empresas que estão anos-luz na dianteira das grandes corporações, dada a sua agilidade e imaginação. E isso se deve em razão delas anunciarem ser o futuro. A importância da paixão Mesmo que a rapidez esteja associada ao urbano, formando um par, tribalismo e universalismo puxam-nos para posições diferentes. Ainda que desejemos ser diferentes também queremos ser o mesmo. A face final do futuro é radical e ética. Radical entendida por Dixon como inovação; é sobre fazer coisas diferentes; é sobre ter idéias no trabalho. É sobre inovação em qualquer sentido ou direção. E faz parte do futuro a morte da política tradicional, a morte da velha esquerda, da direita, do comunismo, do socialismo, do capitalismo. Trata-se da ascensão do ativismo individual, ainda que esse ativismo seja quase sempre emocional irracional e muito confuso. Acertando-se então que o futuro tem uma face rápida, urbana, tribal, universal e radical, como devemos viver nele? Somente posso dizer que a paixão é tudo. A coisa mais importante do mundo é engajar-se em algo em favor dos objetivos do povo. Não para si, mas para a família, para os amigos, sendo que a mais poderosa das paixões é aquela que se devota a sua comunidade.