"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: uma questão social

A gravidez na adolescência, fato amplamente discutido atualmente nos meios acadêmicos, mídia e órgãos governamentais, longe de representar um acontecimento novo, esteve sempre presente na história da humanidade. Nas civilizações antigas, tão logo aparecessem os primeiros sinais de puberdade, a jovem era considerada apta para o casamento. Presença comum no passado de cada um de nós é facilmente reconhecida em nossas memórias e nos álbuns de família, onde aparecem nossas mães, avós ou bisavós, ainda em tenra idade, cercadas de numerosa prole. A capacidade reprodutiva, àquela época, estava associada ao frescor da juventude e quanto maior a prole, maior o "mérito da matrona". Nada questionava-se quanto a capacidade psicobiológica daquelas imaturas jovens em parir, cuidar e educar seus filhos. A igreja católica, detentora de grande poder sobre as questões da sexualidade e reprodução, propagava o " crescei e multiplicai". Exercendo forte repressão sexual e radicalmente contrária ao uso de qualquer tipo de método contraceptivo, contribuía para os 12, 15 ou 20 filhos presentes na maioria das famílias. Somando-se aos fatores culturais e religiosos, haviam os interesses políticos e econômicos vigentes.O Estado dependia do rápido crescimento da mão de obra para concretizar sua expansão e impulsionar as grandes transformações da época, o que tornou o crescimento populacional desejado e incentivado. A quem se destinariam então os serviços de pré-natal e planejamento familiar? Neste contexto, as mulheres, longe de qualquer expressão social ou política viviam submissas ao marido e senhor e detentoras da "sagrada missão da maternidade" tinham como único legado: casar, procriar e zelar pelos filhos, cabendo ao homem, chefiar e prover adequadamente a família. Na década de 60, com o movimento de contracultura, os jovens começaram a questionar as políticas sociais vigentes e além disto, reinvidicaram o direito ao livre exercício da sexualidade. Contrariando os rígidos padrões morais, a gravidez passou a ocorrer fora dos laços matrimoniais. O crescimento populacional tornara-se preocupante e a então, explosão demográfica somada ao processo maciço de industrialização tornou o trabalho humano "dispensável". O excedente de mão de obra, o desemprego e o futuro dos jovens passaram a ser preocupações para o Estado.Os acontecimentos sócio-político-econômicos e as transformações ocorridas no âmbito da moral e dos costumes levaram invariavelmente, o Estado e a sociedade, a um novo posicionamento em relação aos padrões sexuais adotados pelos jovens "modernos". Neste momento, o controle da natalidade tornara-se uma alternativa para conter este processo e os métodos contraceptivos passaram a ser mais divulgados. Nos idos de 60, surgiram as pílulas anticoncepcionais e criaram-se os primeiros serviços de pré-natal voltados às jovens gestantes. A implantação efetiva dos programas de planejamento familiar permitiu às mulheres e ao Estado, o controle sobre a prole. Nos países em desenvolvimento, fazia-se necessário mais do que o planejamento familiar, o controle definitivo sobre o número de filhos. Realizou-se então, nas décadas de 80 e 90, a esterilização de grande número de mulheres jovens em idade fértil, tornando-a hoje, o segundo método contraceptivo mais utilizado pelas jovens brasileiras em união (8%), precedido apenas pelas pílulas anticoncepcionais (PNDS-96). As progressivas transformações no âmbito da sexualidade dos jovens continuaram ocorrendo, e hoje, a iniciação sexual, ocorrendo cada vez mais precocemente, torna-os alvo de preocupações. A sexualidade, presente em todas as etapas do desenvolvimento humano, aflora com toda sua força na adolescência sobre influência dos hormônios sexuais. Responsáveis pelo aparecimento dos caracteres sexuais secundários conduzem a um novo "olhar" para o sexo oposto, antes indiferente. Donos de um corpo em crescente transformação e regidos por uma mente ávida de novas experiências, trilham pelos caminhos da curiosidade e do desejo, ainda incontrolável. Alguns com pouco ou nenhum conhecimento da fisiologia do corpo, agora reprodutivo, outros, carregados de conhecimentos científicos e das "sábias" orientações paternas, seguem indistintamente pelos mesmos caminhos. Apoiados no pensamento mágico "isso não acontecerá comigo" e levados pelo calor do momento lançam-se nas mais diversas experiências, entre elas a do sexo desprotegido. Independente do meio social em que estejam inseridos e do conhecimento prévio dos métodos contraceptivos, expõem-se, frequentemente, ao risco da gestação não planejada. No Brasil, 50% das jovens e 78% dos jovens tem a sua primeira experiência sexual até os 24 anos de idade, com idade mediana da sexarca de 16,4 anos para as garotas e 15,3 anos para os rapazes (1996). Apenas 33% dos jovens relatam uso de contracepção na primeira relação sexual e em 1998, 25% dos partos realizados no Sistema Único da Saúde (SUS), foram de adolescentes. Considerando que aproximadamente 40% das adolescentes engravidam até 3 anos da primeira gestação a questão torna-se ainda mais preocupante.. No mundo moderno, escolaridade e capacitação profissional são fundamentais para inserção do jovem no mercado de trabalho, hoje tão escasso e competitivo. O mesmo ocorrendo para as jovens que já não vêem no casamento e na maternidade ideais de vida.A ocorrência e a reincidência da gestação não programada, em pleno processo de capacitação e formação profissional conduzirá invariavelmente os jovens, por necessidade de prover a nova família, à deserção escolar e sub-emprego, mantendo assim o ciclo da pobreza. Num país pobre, eminentemente jovem como o Brasil ( 21% da população formada por adolescentes), a gestação na adolescência representa um grande desafio. Dos problemas envolvidos com a gravidez precoce, o biológico, parece-nos o menor e mais contornável. Uma assistência pré-natal especializada, precoce e preferencialmente multidisciplinar é capaz de minimizar o impacto biopsíquico da gestação para estas jovens. O principal impacto, porém, ainda é o social. BibliografiaCOATES V, CORREA M.M. Implicações sociais do papel do pai. In: Maakaroun MF, Souza RP, Cruz AR. Tratado de Adolescência – Um Estudo Multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora de Cultura Médica,1991: 407-13. COSTA, C. F. F. Gravidez na adolescência. In: Magalhães FSC e Andrade H. S. S. M. Ginecologia Infanto Juvenil, Rio de Janeiro: Medsi, 1998: 501-05.GALVÃO, L. , DÍAZ, J. Saúde Sexual e Reprodutiva no Brasil. Rio de Janeiro, Hucitec, 1999, 389p.KRAUSKOPF, D.; THAMES, P. L. A. Embarazo en la adolescência e Aspectos antropológicos del embarazo de adolescentes. Comision Nacional de Atencion Integral al Adolescente. Costa Rica: Organizacion Panamericana de la Salud / OPS,1996.MAIA FILHO, N. L. et alli. Gravidez na adolescência: três décadas de um problema social crescente. Goiânia: Revista GO Atual,1998. 28 a 32.MONTEIRO, D. L. M.; CUNHA, A. A.; BASTOS, A. C. Gravidez na Adolescência. São Paulo, Revinter, 1998, 190p.SCHOR N.; MOTA M. S. F. T.; BRANCO, V. C. (orgs.) Cadernos Juventude Saúde e Desenvolvimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde, 1999.VIEIRA E. M. et alli .Seminário Gravidez na Adolescência. Brasília: 1998.

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