"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Para não esquecer

Imagino que a escrita nasceu da necessidade de não esquecer. O primeiro pré-homem que pensou "preciso me lembrar disto" deve ter olhado em volta procurando alguma coisa que ele ainda não sabia o que era. Era um pedaço de papel e uma Bic. Claro que para chegar ao papel e à esferográfica tivemos que passar antes pelo risco com vara no chão, o rabisco com carvão na parede da caverna, o hieróglifo no tablete de barro etc. Mas a angústia primordial foi a de perder o pensamento fugidio ou a cena insólita. Pense em quantas idéias não desapareceram para sempre por falta de algo que as retivesse na memória e no mundo. A história da civilização teria sido outra se, antes de inventar a roda, o homem tivesse inventado o bloco de notas. As espécies que não desenvolveram a escrita valem-se da memória intuitiva. O salmão sabe, não sabendo, o caminho certo para o lugar onde nasceu e onde deve depositar seus ovos. Dizem que o elefante guarda na memória tudo que lhe acontece na vida, principalmente as desfeitas, mas vá pedir que ele bote seu ressentimento no papel. Já o homem pode ser definido como o animal que precisa consultar as suas notas. Nas sociedades não letradas as lembranças sobrevivem na recitação reiterada e no mito tribal, que é a memória ritualizada. As outras dependem do memorando. E mesmo com todas as formas de anotação inventadas pelo homem desde as primeiras cavernas, inclusive o notebook eletrônico, a angústia persiste. Estou escrevendo isto porque acordei com uma boa idéia para uma crônica e botei a idéia num papel. Normalmente não faço isto porque sempre esqueço de ter um bloco de notas à mão para não esquecer a eventual idéia e porque sei, intuitivamente, que se tivesse o bloco de notas à mão a idéia viria no chuveiro. Mas desta vez a idéia coincidiu com a proximidade de um pedaço de papel e um lápis e anotei-a assim que acordei. Não exatamente a idéia mas uma frase que me faria lembrar da idéia. Estou com ela aqui. "Conhece-te a ti mesmo mas não fique íntimo." E não consigo me lembrar de qual era a idéia que a frase me faria lembrar. Algo sobre os perigos da autoanálise muito aprofundada? Sobre o pensamento socrático? Ou o quê? Não consigo me lembrar. Um consolo, numa situação destas, é pensar que se a ideia não é lembrada é porque não era tão boa assim. Mas geralmente se pensa o contrário: as melhores idéias são as que a gente esqueceu. O que é terrível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário