"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Tartaruga paraplégica andando de ré

Leio em uma mesma semana que o ex-jogador Edmundo está livre de qualquer punição por conta do acidente provocado por ele, em que houve vítima fatal, posto que o processo prescreveu; o Superior Tribunal de Justiça tornou sem efeito as provas apresentadas pela Polícia Federal na Operação Boi Barrica, que investigava as ações da família Sarney; a família do de Carlos Lamarca quer indenização de mais de R$ 900 mil, além de pensão e promoção do terrorista à patente de coronel e o recebimento de todos os vencimentos retroagidos e o reconhecimento, por parte do Exército, que Lamarca não foi um desertor. No caso do Edmundo, tenho certeza que a maioria dos brasileiros deve ter imaginado o alívio do ex-atleta ao ser comunicado da decisão dos juízes, mas quantos pensaram nos familiares das vítimas? Este é um ponto. O outro é o descalabro de ver um caso de morte ser deixado caducar, não bastasse a própria aberração da possibilidade de casos de morte prescreverem. No mínimo é um acinte às famílias das vítimas. Se Edmundo fosse absolvido em juízo, poderia até causar discordâncias daqui e dali, mas ficaria o alívio de a justiça ter sido feita. O inaceitável é a falta de diligência, o desinteresse com o público. E a imprensa dando a entender que a causa tinha apenas um lado, o da celebridade, esquecendo-se das muitas outras vítimas diretas e indiretas. Costumo assistir aos programas policiais americanos e uma coisa que sempre percebo nos agentes da lei é a importância que dão em trazer esclarecimentos às famílias das vítimas, a questão humanitária a que se dá importância em casos onde há morte. Por aqui, em que tráfico de influência e que jeitinhos são dados de acordo com o grau de amizade que uma das partes tem com os agentes legais, aos mortais comuns tenta-se dar uma aparência de que o que interessa é a frieza da lei. Um engodo a mais para uma sociedade passiva. E a Operação Boi Barrica... Jamais saberemos se, do ponto de vista legal, a família Sarney é culpada ou inocente das acusações que a Polícia Federal lhe imputa. Assim como na Operação Satiagraha, os tecnicismos anulam a verdade. Não bastasse o tempo – mais uma vez o grande aliado das injustiças – longo para que os crimes sejam julgados, prefere-se culpar os investigadores do que esclarecer a verdade dos desmandos, com o medo, conivência ou fazendo jus às vendas de sentenças (talvez haja uma quarta possibilidade, mas me recuso a ventilá-la) nosso Judiciário das altas esferas prefere ajoelhar-se diante dos mandatários da nação do que darem satisfações satisfatórias aos cidadãos. Já que o fato está consumado e não existe mais a Operação Boi Barrica, me prenderei a uma questão “menor”. Acabou-se, por conseguinte, a censura ao jornal Estado de São Paulo, proibido de falar o nome dos filho do Zezinho Ribamar, providentemente salvo pelos amigos juízes, ou continuará censurado? O Lamarca morreu há 40 anos, o regime militar acabou há 16 anos e a sentença sobre seu caso ainda não saiu? O que há de tão difícil nessa questão para que se levem décadas para se chegar a uma decisão? Apelemos para o Aulete Digital: Deserção: 1 Mil. Ação ou resultado de desertar. 2 Ato de abandonar (um partido, uma causa etc.); DEFECÇÃO Desertar: 1 Abandonar o serviço militar sem licença 2 Passar para outro partido, país etc.; BANDEAR-SE (o grifo é do dicionário) 3 Desistir ou desviar-se de. Pelo Código Militar, se um sentinela, que fica tres horas na guarita, deixar o posto para tirar uma soneca, é considerado um desertor. Não seria deserção, portanto, o militar abandonar TODAS as suas funções, levar armas (furto) e uniformes, combater o próprio Exército, assassinar os antes companheiros de farda, bandear-se para o lado opositor? A ditadura foi truculenta em várias ações? Sim. Mas não saiu pelas ruas matando qualquer cidadão. A luta armada foi decretada pela oposição, foi opção dos indivíduos, não deve ser o Estado punido por ações decididas pela consciência dos cidadãos. Lamarca foi para as armas por vontade própria, não por imposição das Forças Armadas. Sem falar que a luta armada não trouxe qualquer ganho para a sociedade, só fez vítimas de ambos os lados. Nem um milímetro da redemocratização pode ser creditado aos terroristas armados. Se ela, a redemocratização, pode ser creditada à oposição que seja feita na medida certa, aos que lutaram democraticamente, dentro do que a legislação permitia. Nomes como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela fizeram muito mais pelo país, mesmo não se concordando com a essência de seus atos, do que bandidos armados, assassinos indiscriminados que mataram até mesmo companheiros que passaram a discordar das táticas utilizadas. Seria cômico, se não fosse tão grave, a justificativa da família de Lamarca que o capitão não desertara do Exército, as Forças Armadas é que teriam desertado de Lamarca. Uma inversão de valores tão absurda que é capaz da absurda Justiça lhe dar razão.

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