"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O preço da Grécia

Os tumultos na Grécia são a conseqüência natural de uma longa trajetória de fantasias e artificialismos que formam a história moderna do país OEstado grego é uma invenção das potências europeias: por isso mesmo não é legítimo aos olhos dos próprios cidadãos gregos. A invenção da Grécia em 1830 esclarece o comportamentos dos contribuintes, sem pressa de pagar seus impostos, e de um Estado que nunca se livrou de suas origens duvidosas. A história contemporânea, melhor que considerações genéricas, explica a bancarrota que se ameaça. Tudo começou com os Românticos, com Chateaubriand, grande escritor, mas mentiroso magnífico; depois Lord Byron que acreditou redescobrir, na Grécia, as fontes da civilização ocidental. Um mal-entendido cujas consequências nós pagamos: se os gregos contemporâneos vivem no mesmo endereço que Aristóteles e Péricles, não existe muita continuidade entre a civilização helenística e a Grécia moderna. A filiação com Bizâncio, que os gregos modernos reclamam para si, é igualmente frágil. Mais realista, Mark Twain, visitando Atenas em 1865, admitiu que encontrou alguns pastores e seus carneiros pastando entre as colunas caídas do Partenon. Esses gregos, na verdade, eram uma tribo cristã no meio de tantas outras no Império Otomano, mas, tal como Dom Quixote sonhou que um feio camponês era sua Dulcineia, os europeus insistiram a todo custo que os gregos eram os próprios Helenos. Não se pode censurar os gregos beneficiados durante todo o século XIX: o financiamento do Estado grego foi sustentado pelos britânicos, pelos franceses e pelos alemães. Esses últimos pagaram para impor um príncipe alemão como rei da Grécia em 1833: o descendente de Alexandre, o Grande, se chamava curiosamente Othon de Baviere e reinou sobre uma tribo otomana. Dessa forma, o principal recurso do novo Estado grego foi explorar o mito helênico para manter a dependência do financiamento dos outros estados europeus. Mesmo com o Estado e a economia gregas não reunindo condições necessárias para a adesão da União Europeia, a Grécia conseguiu entrar para o grupo em 1981, com o apoio particular de Valéry Giscard d’Estaing, grande leitor de Chateaubriand. “A Grécia”, declarou ele, “foi o berço da civilização europeia, os artesãos da Europa têm uma dívida histórica com ela.” Ou seja, não é a Grécia que não paga suas dívidas; é a Europa que tem uma dívida com ela. Não há dúvida que a maior parte dos gregos concorda com esta elevada opinião sobre si mesmos, opinião essa atribuída externamente. E por que pagar a dívida de hoje se a dívida histórica não foi saldada? A mistificação, inesgotável, foi reiterada em 2001, quando a Grécia entrou na área do euro sem satisfazer totalmente as condições de acesso. Atualmente, os dirigentes gregos são acusados de fraudar a situação nacional até os mercados financeiros terem descoberto o truque. Mas não é exatamente assim: em 2001, os dirigentes europeus sabiam e confessavam, em particular, que os números apresentados pelo Estado grego eram falsos, mas simbólicos, pois a Grécia era um deles. A dívida histórica novamente! E de novo, quando Atenas foi candidata aos Jogos Olímpicos de 2004, o Comitê Olímpico Internacional sabia que a Grécia não tinha meios, que as dívidas não seriam pagas, mas, como recusar os Jogos Olímpicos de Atenas, mesmo sendo as olímpiadas uma recriação aqui e ali e reinventada por Pierre de Coubertin em 1896? Por todas essas razões, o Estado Grego não se sente verdadeiramente obrigado a pagar os seus credores, da mesma forma que os cidadãos gregos não se sentem obrigados a pagar seus impostos a um Estado qualquer. Certamente, o governo não é mais alemão, nem militar (depois de 1973), mas a república continua não sendo completamente legítima: em razão da corrupção generalizada dos políticos, da ineficácia da administração e também – falamos menos porque muitos gregos não digeriram – da guerra civil de 1949, extinta por uma intervenção militar anglo-americana. Acrescente a isso: milhões de cidadãos obrigados a falar grego; minorias culturais cuja legitimidade é negada; eles são de origem albanesa ou turca. No total, a base dos cidadãos que estima a Grécia como um estado legítimo é tão frágil como a base econômica que, essencialmente, está longe do fisco. Por essas razões históricas e culturais, o governo grego é conduzido a multiplicar compromissos que não poderia ter – os impostos não vão subitamente fluir para os cofres do Estado – ou que não vão conseguir segurar – as privatizações poderiam retirar do Estado sua influência e reduzir o clientelismo com a esperança implícita que os europeus cederiam novamente ao fascínio do mito. O resultado é incerto, pois a Europa sofre de um “Complexo de Édipo” em relação à Grécia: se a Grécia é nosso pai e nossa mãe, ela convida a matar esse mito, para que os europeus e os gregos reconheçam que a Grécia é um país normal, a fim de saldar a Dívida Histórica e regularizar as dívidas presentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário