"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A Doação de Constantino

No processo de formação da Igreja Católica, observamos que o fortalecimento dessa instituição enfrentou situações que ameaçavam a sua unidade. Uma delas ocorreu no ano de 476, quando a queda do último imperador romano do Ocidente estabeleceu o triunfo das invasões bárbaras na Europa. Mais que um simples evento de ordem política e militar, esse acontecimento poderia significar o enfraquecimento do cristianismo frente às religiões pagãs que tomavam corpo. Foi então que os clérigos da alta cúpula cristã apresentaram a chamada Doação de Constantino, um documento de 337 onde o imperador romano de mesmo nome teria reservado todo o Império Romano do Ocidente para a Igreja. Apesar de não ter assumido os reinos europeus diretamente, esse mesmo documento teve grande força política para expressar a influência dos chefes cristãos frente os reinos que se organizavam naquele tempo. É assim que vemos, entre outros argumentos, de que modo a Igreja acumulou seu poder de interferência em questões políticas da Europa. Contudo, o peso desse documento acabou sendo desmascarado no século XV, quando o estudioso Lorenzo Valla apresentou uma série de documentos que comprovaria a falsidade do tempo em que o documento da doação teria sido feita. Naquela época era impossível se valer de algum recurso tecnológico que pudesse calcular exatamente a datação do documento. Foi então que Lorenzo examinou o conteúdo do texto, observando os erros linguísticos existentes e as expressões empregadas em sua construção. Por meio de seus estudos, detectou a presença de helenismos e barbarismo que não correspondiam ao uso da língua latina naqueles tempos do império de Constantino. Além dessas questões formais, o estudioso percebeu que a natureza do documento, elaborado com um único testemunho, não correspondia ao hábito da época. Ao mesmo tempo, ele apontou como incongruente o uso do termo “sátrapa” (expressão de natureza oriental) para fazer referência aos membros do Senado Romano e a menção de Constantinopla como uma cidade cristã em um tempo em que a mesma, assim como outras regiões dadas como de dominação romana, estava longe de assumir tal posição. O trabalho de Valla, ao longo do tempo, não significou apenas uma tentativa de se desestabilizar a autoridade do clero. Para os historiadores, sua forma de questionar o documento exigiu a reunião de informações que envolviam as transformações da língua ao longo dos tempos e a necessidade de se estabelecer uma relação de identidade entre o documento e a época em que ele teria sido produzido. Desse modo, a invalidação da Doação de Constantino serviu de grande contributo no estudo do passado.

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