"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A cultura do genocídio

Desde que os exércitos aliados revelaram ao mundo os horrores dos campos de concentração nazistas, as tentativas de explicação histórica, sociológica e psicológica de um fenômeno tão inusitado e monstruoso criaram um dos ramos mais prolíficos da bibliografia universal. A cada ano que passa, centenas ou milhares de livros, teses acadêmicas e artigos em publicações eruditas e populares buscam enfrentar a questão angustiante: como e por que foi possível a uma parcela da humanidade culta rebaixar-se ao ponto de fazer da prática de crimes hediondos em massa uma obrigação legal e um mérito patriótico? As respostas oferecidas podem ser divididas em três grupos: (1) A corrente dominante segue uma linha inaugurada pelo Doktor Faustus de Thomas Mann, que busca as origens do nazismo no subsolo irracional e satanista da cultura alemã. A noção de que a história social e cultural da Alemanha pudesse elucidar o totalitarismo e o holocausto veio a se tornar um dogma do senso comum e a dominar, praticamente sem contestações, toda essa imensa bibliografia. A aposta nessa tese é compartilhada, em medidas diversas, pelos autores e obras mais díspares, desde produções acadêmicas respeitáveis como os estudos de Otto Friedrich, Siegfried Kracauer, Lotte Eisner, Peter Gay, Carl Schorske e as grandes biografias de Hitler por Joachim C. Fest, Ian Kershaw, Alan Bullock, até obras de cunho polêmico como The Pink Swastika, de Scott Lively e Kevin Abrams ou The Occult Hitler, de Lothar Machtan, e até mesmo especulações sobre a contribuição ocultista à formação da ideologia nazi (Nigel Pennick, Hitler's Secret Sciences; Peter Levenda, Unholy Alliance: History of the Nazi Involvement with the Occult; Dusty Sklar, The Nazis and the Occult; Wilhelm Wulff, Zodiac and Swastika, Nicholas Goodrick-Clarke, The Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi Ideology , etc.). O sucesso dessa linha de investigações é facilmente explicável: como o nazismo se definia a si próprio como um movimento essencialmente nacionalista, nada mais natural do que buscar suas raízes na cultura nacional que o produziu. Lendo esse material, os alemães se convenceram de que são um povo de criminosos e até hoje se desgastam em perpétuos rituais de autopurificação, que contrastam de maneira patética com a orgulhosa recusa comunista de se entregar a idêntico exame de consciência. (2) Ao lado dessa tradição, desenvolveu-se outra que, ao contrário, procura dissolver a peculiaridade nacional do nazismo no rótulo geral de "fascismo" ou "nazifascismo", uma noção infinitamente elástica que abarca de Hitler a George W. Bush, passando pelos líderes sionistas e pelo general Augusto Pinochet, sem esquecer o senador Joe McCarthy, a Igreja Católica, as milícias patrióticas americanas, os militares brasileiros e, de modo geral, todos os adeptos da economia de mercado (ouvi de um professor da USP, José Luís Fiore, a exclamação: "Liberalismo é fascismo!"). Explicando o fenômeno nazista como imperialismo capitalista, esta segunda linha de investigações, fortemente subsidiada pelos escritórios de propaganda do governo soviético, é autocontraditória e desprovida do mínimo de substância intelectual que justifique um debate sério, mas, graças à rede global de organizações militantes, espalhou-se como uma peste nos meios universitários do Terceiro Mundo, daí saltando para conquistar até mesmo algum espaço na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, tornou-se um dogma estabelecido e um dado do senso comum. Raciocinar fora dela é considerado um sintoma de doença mental ou uma prova cabal de inclinações nazifascistas. Tsk, tsk. (3) Uma terceira linha, que subordina o conceito de nazismo à noção mais genérica das ideologias de massa, sublinhando suas semelhanças com o comunismo soviético e chinês e sondando suas origens nas fontes gerais do movimento revolucionário mundial, nunca alcançou a popularidade das outras duas, mas teve boa aceitação em círculos de estudiosos especializados graças às obras de Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Hannah Arendt, Norman Cohn, Eric Voegelin, Ernest Topitsch e, mais recentemente, Richard Overy. O documentário de Edvin Snore, The Soviet Story, que vocês podem descarregar com legendas em português no site www.endireitar.org, traz uma poderosa confirmação à tese número 3, reduz a número 2 ao engodo publicitário que ela sempre foi e, se não impugna totalmente a número 1, debilita consideravelmente as suas pretensões a ser "a" explicação dos crimes nazistas. Ao mostrar que toda a técnica dos campos de concentração e do extermínio em massa foi inventada pelos comunistas e só tardiamente copiada pelos nazistas mediante convênio com o governo soviético, Snore faz picadinho de qualquer tentativa de atribuir a crueldade nazista a alguma causa especificamente alemã. Os fatores culturais assinalados na tese número 1 explicam a emergência de um movimento nacionalista de tipo místico e irracionalista, mas não a extensão e a brutalidade quase inimaginável de seus crimes. Afinal, movimentos de inspiração idêntica surgiram em muitas outras partes do mundo sem ter por isso recorrido sistematicamente ao genocídio como técnica de governo. O próprio fascismo italiano, com toda a rigidez fanática do seu autoritarismo, nada fez de comparável ao Holocausto, e, segundo conhecedores habilitados como Hannah Arendt e Miguel Reale, não pode nem mesmo ser enquadrado legitimamente na categoria do "totalitarismo", de vez que o governo de Mussolini jamais tentou sequer obter o controle total da sociedade italiana e, bem ao contrário, tolerou a existência de dois poderes concorrentes: a Igreja e a monarquia. O emprego sistemático do genocídio como instrumento de governo foi invenção comunista. O que aconteceu na Alemanha foi a fusão deliberada de um imaginário de tipo nacionalista-místico com a técnica comunista de governo. Essa foi a originalidade de Hitler, até na opinião dele próprio. Ao declarar que toda a sua luta se inspirava diretamente em Karl Marx, ele não se referia, naturalmente, à mitologia patriótica do nazismo, mas à organização socialista da economia e sobretudo ao emprego sistemático do terror genocida. Hitler fundiu Mussolini com Lênin, e a parte genocida da mistura não veio do primeiro componente. Um dos depoimentos mais importantes de The Soviet Story é o de George Watson, um professor de literatura que se especializou na pesquisa das fontes textuais do socialismo. Autor de um importante estudo sobre The Lost Literature of Socialism, que infelizmente não é citado no filme, Watson descobriu que, antes de Marx e Engels, nenhum ideólogo de qualquer espécie havia jamais proposto a liquidação de "povos inferiores" (expressão do próprio Marx) como prática deliberada e condição indispensável para a instalação de um novo regime. Nem mesmo Maquiavel havia pensado numa coisa dessas. O genocídio é criação sui generis do movimento socialista, e sete décadas se passaram antes que uma dissidência interna desse movimento desse origem ao fascismo e depois ao nazismo, que tardiamente adotou a fórmula do morticínio salvador então já posta em prática por Lênin na URSS.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Lei que não falha

Há um conto sobre um monge que meditava no jardim do mosteiro. No momento de oração em que pedia a Deus para estar sempre em sua presença, ouviu o sonoro canto de um passarinho e concentrou sua atenção na harmonia. Assim, passaram-se cem anos e o monge abriu os olhos notando que tudo havia mudado. Canteiros com rosas, uma fonte, os prédios pintados de novo. Levantou-se e caminhou para a sua cela. No percurso cruzava com desconhecidos e perguntou a um dos religiosos o que estava acontecendo. Contou que havia meditado por uns minutos e tudo mudara. Identificado, o velho monge, foi levado a uma nova cela e o superior foi visitá-lo para ouvir a história. Na ocasião ministrou a extrema unção e assistiu à tranqüila e silenciosa morte do outro. Sobre a lápide funerária, foi grafado: “Um minuto na presença de Deus, equivale a uma eternidade”. Tem gente que afirma que os velhos tempos eram bárbaros e desumanos. Isto só pode ser coisa de bêbado, para exaltar a civilização e o status de servidão. Desde cedo ensinam nas escolas que nosso passado foi pobre, cheio de escassez e miséria e que agora vivemos na sociedade do bem estar. A insistência persuasiva destas afirmações serve apenas para desviar a consciência da escravidão em que vivemos. A tranqüilidade do passado fica esquecida quando temos que lidar com a violência e driblar os controles cotidianos a que somos submetidos na atualidade. Em qualquer parte do mundo as gentes convivem com o terrorismo e as guerras, com massacres e tragédias ecológicas, com fomes que negam o progresso tecnológico, utilizado prioritariamente pelos governantes para evidenciar mentiras sobre a liberdade e a forma de governo. Enquanto uns criticam as falhas da convivência democrática responsável, outros lutam por igualdades e direitos abusivos que invertem a concepção natural e o sentido da democracia baseada em deveres que proporcionam direitos. Esta civilização, este progresso do crime organizado na intimidade dos que ocupam os postos de poder executivo, legislativo e judiciário, engrossa as fileiras dos que desprezam valores e virtudes condicionantes da evolução humana. A fuga para as drogas e outros vícios infames enche os noticiários com a seqüência de imagens da barbárie e desprezo à vida. As repetições são diárias como se estivéssemos num beco sem saída, onde o estado ausente mostra a cara da irresponsabilidade, remetendo as soluções para as iniciativas particulares, gravando a população com mais impostos, taxas, juros e comprometimento do trabalho futuro, tudo para pagar o alto custo da máquina burocrática corrompida e os compromissos com os banqueiros internacionais. A segurança dos cidadãos como dever do estado que é pago para isto, tornou-se uma farsa vergonhosa. Os bandidões presos têm mais liberdade que o trabalhador atrás das grades do local onde mora, no trânsito ou andando nas ruas. Os super computadores, gps, satélites, chips implantados nos cartões, identidades e outras facilidades da vida moderna, podem localizar cada pessoa instantaneamente, disponibilizam toda a informação sobre a vida que um dia foi privada. As câmeras de vigilância estão espalhadas para seguir os comuns e até facilitam a identificação de bandidos menores. Mas são inúteis para identificar os negócios nos gabinetes oficiais. Salvo se o poder maior, o núcleo de comando central da nação assim o desejar, para trocar os desafetos por companheiros na condução dos negócios. Para aliviar a barra, tudo acaba em segredo de justiça, o que vale dizer em pizza! O refúgio exclusivo contra os controles do estado, tem sido espiritual. Mesmo assim é freqüente que a busca deste refúgio termine em reuniões onde o fanatismo, a culpa e as sessões de expulsão de diabos que, dizem, atormentam a vida dos seguidores de seitas, continua sendo o alimento de persuasão para reforçar a crença na bondade do governo, nas maravilhas do coletivismo e do bolsa família, na bondade de Deus exclusivamente para com os que pagam os dízimos e repetem frases das escrituras, pinçadas para justificar a impotência da maioria diante das políticas desastrosas do mundo material. Tudo contribui para que a juventude despreze a família, o estado e o trabalho. Tudo contribui para a anarquia insensata e para a fuga aos deveres e responsabilidades construtivas. Mas isto é reflexão para velhos aparvalhados e babacas. O “admirável mundo novo” é uma realidade constrangedora onde está ausente como norma de conduta, qualquer das virtudes que poucos ousam praticar. Só nos resta o refúgio da compreensão da infalibilidade das Leis de uma Inteligência Universal que não falha. Só nos resta como o velho monge buscar nosso minuto diante de Deus.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Crus e podres

Concentremo-nos nos crus e nos podres. São duas áreas da gastronomia que oferecem uma variedade surpreendente. Dos crus podemos escolher entre ostras frescas e outros mariscos, o carpaccio e as demais carnes cruas e fatiadas, a carne crua picada que os franceses chamam de tartare e os alemães de um nome provavelmente muito maior, os peixes crus dos japoneses e todos os vegetais e legumes que podem ser comidos in natura, depois de um bom banho para tirar os tóxicos. Sobre o tartare. Aquele proverbial turista americano que pedia o seu tartare bem passado não pode mais ser ridicularizado. Os próprios franceses aderiram ao que eles chamam de aller-retour, ida e volta, que consiste num tartare que vai ao fogo até ficar perigosamente perto de se transformar em hambúrguer. Mas são os podres que fascinam. A podridão (tese) é a maneira que a comida tem de escapar do arbítrio do cozinheiro e determinar seu próprio ponto de consumo. É quando a comida se come! O charque e a carne de sol não são apenas carnes apodrecidas. São a carne como ela mesma se pretendia antes de ter seu processo de maturação rudemente interrompido por algum assador afoito. O peixe à escabeche é o peixe que saiu da água, passou incólume pela civilização e voltou à natureza. Já que a podridão é o caminho natural de todas as coisas. Tudo que é orgânico procura a podridão, se realiza na podridão. É este momento mágico de autoindulgência que se quer saborear nos alimentos. Devemos ser cúmplices do alimento no momento em que ele se torna repugnante ao paladar comum, portanto só acessível aos poucos que o compreendem. E, para não humilhar ninguém com excesso de argumentação, não vou nem citar todos os gloriosos resultados do leite estragado, como o queijo. Ou um certo, legendário, iogurte turco que, segundo a tradição, só pode ser comido cem anos depois da morte da cabra que deu o leite ou quando o armário em que está guardado explodir, o que vier primeiro.

domingo, 28 de agosto de 2011

Será que estamos mortos e não percebemos?

"Por mim, creio que estamos mortos há muito tempo: morremos no exato momento em que deixamos de ser úteis". (Jean Paul Sartre) Que país é esse? Que mundo é esse? O que se passa na cabeça de cada ser humano, seja daqui, seja dacolá? Onde estão os indignados de todas as gerações, de todos os recantos? Nada lhes ofende, lhes mareja os olhos, lhes desperta a cólera e lhes motiva o protesto diante de tanta ignomínia? A tormenta que desce sobre as africanas terras líbias não é de sua conta? Noites insones e dias tensos nada explicam: antes, para o meu desespero frenético não oferecem a menor chance de uma réstia de luz que enseje uma resposta, que sinalize o sintoma dessa letargia. Meus Deus! O que estou fazendo diante de um computador ligado ao vazio de pessoas e de idéias, de cara para a inércia mais atormentadora, convertida numa contemplação pusilânime de um ritual movido a indignidades, abusos, violências, transgressões, usurpações, mentiras e hipocrisias? Serei eu um débil mental que ainda não teve a lucidez de se olhar no espelho? Que mira pela fresta errada e não vislumbra um óbvio pútrido? Por que uma agressão criminosa a um país, agora esfacelado e desconstruído, toca a tão poucos e cada vez mais raros? Por que meio mundo se deixa entorpecer pela semântica de encomenda, pela desfaçatez do panfleto midiático enganador? Incrível, penso em lamentos quase lacrimosos: agora que o mundo se tornou tão pequeno pela interação instantânea internáutica não seria o caso de uma mais cálida compreensão entre os seres humanos? Ou esse mundo que ficou pequeno tem o despudor de um brinquedo obsceno, uma abstração, de um exercício compensatório de ilusões forjadas? Vi um patrono de uma turma de formandos declarar que nossa geração fracassou. No mesmo diapasão ele também se referia ao subproduto mais degenerado desse fracasso: a erupção de um individualismo desalmado nas gerações de agora, embaladas pelo metálico do som ensurdecedor ou pelo medíocre do funk que aportou entre nós como cavalo de tróia de uma gangrena mental. E vi seus formandos no culto patético de uma ansiedade ensimesmada, intelectualmente empobrecida, sem qualquer visão de contexto, como se nada lhes motivasse naquela noite de júbilo senão o olhar flamante na causa própria, no futuro pessoal, na esperança de que o mundo esteja cada vez mais conflitado para que disso tirem o seu sustento e disso façam sua razão de viver. Vi jovens barbaramente envelhecidos pela balada altissonante do "salve-se quem puder", o "daqui pra frente é com cada um" ou, no máximo, com o círculo de prediletos, como se o diploma conferido fosse a munição para a mais terrível das guerras, a sôfrega competição profissional nas pegadas dos exemplos herdados da esperteza como única via da sobrevivência, do acesso ao conforto e ao prazer. Enquanto isso, a mídia capta e exacerba todas as torpezas, fazendo delas elementos tão preponderantes no comportamento humano que nelas se inspira no vôo cego de um cotidiano destituído de todos os valores restantes, no confronto explícito com os pulverizados pigmentos das virtudes em extinção. Não causa surpresa que ninguém se sinta obrigado hoje em dia a reagir às barbaridades perpetradas pelos senhores do ágio e das armas, hipertrofiando a própria torpeza, num super dimensionamento da ambição voraz. É certo alguém chegar em sua casa para determinar como deve ser sua relação com o clã? É tolerável alguém jogar seus filhos, uns contra os outros, para imobilizar a todos e se apoderar de suas posses? Será que ninguém tem mais olhos para ver assaltos tão grotescos como os que países decadentes, endividados, em crises sistêmicas, enrolados em suas próprias pernas, promovem na maior sem-cerimônia para se apoderar das riquezas finitas de outros povos? Você vê isso à luz do dia e não se sente nem um pouco atingido? Você quer o que, que chegue a nossa vez? Essa modernidade malgrada está nos impingindo o silencioso suicídio nacional em doses homeopáticas, está nos bestializando, nos acostumando ao convívio indolor com o massacre dos mais fracos, na configuração psicanalítica de uma apatia crônica, na qual nos servem brotos de papoulas imobilizantes encapados em papel celofane com as cores lustrosas da ilusão ótica minúscula e temporária. Esse espetáculo da mais trágica alienação não poupa ninguém. As gerações que me seguiram me repetem na ladainha de um fracasso mensurado pela descontinuidade do sonho. Mas é certo que nós, rueiros dos anos sessenta blefamos e agora, lépidos e fagueiros, nos desdizemos no leme dos podres poderes. Ou, como se pode constatar, você não percebeu até que sua vez já chegou, na intervenção sibilina e camuflada que varou a imensidão do território desguarnecido em pomposas mistificações em nome da demarcação de territórios gigantescos convertidos em flancos para a mais sofisticada pirataria alienígena? Curioso: aqui quem quiser ver massa nas ruas só lhe resta contemplar os milhões das paradas gays e dos desfiles pentecostais. Fora disso, meia dúzia de gatos pingados tenta chamar atenção para algumas tragédias pontuais que já não sensibilizam o povaréu. Por que a maioria já renunciou ao direito ao conhecimento, às obrigações do Estado com sua saúde e ao respeito devido à dignidade de todos. Tal é o traste da alma humana que até a solidariedade se profissionalizou em organizações especializadas na terceirização do pensamento, da ação, da insatisfação social e dos deveres oficiais. Aqui, nesta terra invadida por Pedro Cabral, está cada vez mais difícil falar em dignidade e autoestima, eis que de migalha em migalha a massa enche o papo. Diante desse quadro de cores pálidas veio-me uma despropositada indagação, que faço a você, envolto na mais pungente perplexidade: será que somos mortos vivos, almas penadas, corações sangrados, mentes entorpecidas e inebriadas? Será?

sábado, 27 de agosto de 2011

A bíblia da esquerda herbívora

"As Veias Abertas da América Latina é um livro errado desde as primeiras letras, uma coleção de lamúrias e desastres em busca de culpados. Pouco importa que os fatos desmintam sua tese. Para as esquerdas, mais importante é a moral da história. Na de Eduardo Galeano, o lobo, como sempre, come o cordeiro" Alguns equívocos já nascem póstumos. Ficarão estampados nas mentalidades, a indicar o caminho mais fácil e errado para compreender problemas complexos. É o caso de As Veias Abertas da América Latina. O livro do uruguaio Eduardo Galeano (1940), publicado em 1971, é sucesso nos Estados Unidos desde que o ditador da Venezuela, Hugo Chávez, presenteou com um exemplar o presidente americano, Barack Obama. Os dois se encontraram na 5ª Cúpula das Américas, na semana retrasada, em Trinidad e Tobago. Pensadores dividem hoje a esquerda latino-americana em "vegetariana", a mais moderada, e "carnívora", a mais radical. Galeano é a esquerda herbívora. As Veias Abertas é um livro errado desde as primeiras letras: "Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países se especializam em ganhar, e outro em que se especializam em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta". Fotos dos chefes de estado presentes à cúpula evidenciam o erro: quase não há brancos – "europeus" – ali. Resultado certamente de muita dor e de muita luta, as Américas são governadas por mestiços. A mistura de europeus e índios foi "amaciada pelo óleo da mediação africana", como diria o brasileiro Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala. Galeano, branco e de olhos azuis, só vê exploração, sangue e miséria. O erro persegue todo o livro, na 46ª edição no Brasil (Paz e Terra; 365 páginas; 50,50 reais). Observem que a América Latina aparece sob o signo da derrota desde o alvorecer. Para o autor, os EUA são os continuadores da espoliação espanhola e portuguesa. E como ele estabelece o liame entre o mercantilismo, a expansão capitalista dos séculos XVIII e XIX e a potência imperial do século XX? Não estabelece! Devemos acreditar que alguns países nascem do lado errado da força. No trecho citado, Galeano fala em "divisão internacional do trabalho" no Renascimento! Até um marxista simpático às suas lamúrias deve se constranger com a bobagem. Mas por que o livro ainda enfeitiça as esquerdas? Galeano, um jornalista com ambições literárias, conseguiu reunir uma formidável coleção de clichês da luta do opressor contra o oprimido – eu não inverti os termos, não. Um suposto paradoxo marca suas análises: se há países bons no lado mau da divisão internacional do trabalho – e também o contrário –, a história da América Latina é uma sucessão de confrontos entre homens bons invariavelmente derrotados, e vice-versa. A condição de vítima, na política, é um lugar disputado porque confere licença para uma luta que dispensa pruridos morais. As Veias Abertas pretende fazer a síntese de quase 500 anos de "exploração" segundo a ótica do "explorado". O sangue latino-americano teria sustentado o fausto das metrópoles, trapacea-das, por sua vez, pelos ingleses, e continuaria, no mundo contemporâneo, a exportar os excedentes de capital para os países centrais. Leiam um trecho em que Galeano cita o economista brasileiro Celso Furtado: "Celso Furtado adverte que os senhores feudais obtinham um excedente econômico da população por eles dominada e o utilizavam, de uma forma ou de outra, em suas próprias regiões, enquanto o objetivo principal dos espanhóis, que recebiam do rei minas, terras e indígenas na América, consistia em subtrair um excedente a fim de transferi-lo para a Europa (...) No fim das contas, em nosso tempo, a existência dos centros ricos do capitalismo não pode ser explicada sem a existência das periferias pobres e submetidas: umas e outras integram o mesmo sistema". Não sei se notam a indiscreta simpatia pelo feudalismo... Karl Marx lhe daria umas boas chicotadas. Vejam como o mundo se torna fácil de explicar: os ricos existem porque existem os pobres, e a exploração destes faz aqueles. Era assim em 1500, era assim em 1971, é assim hoje – e Chávez pretende convencer Obama dessa verdade. Falemos um pouco da mentalidade de uma época. A referência das esquerdas era o economista americano Paul Baran (1910-1964), um marxista para quem o subdesenvolvimento é um produto necessário do imperialismo, e a impossibilidade de o capitalismo se desenvolver nos países periféricos é um dado da equação, já que estão impedidos de ter mercado interno. Tornam-se variantes modernas das colônias de exploração do século XVI. Na sociologia e na política, um livro reflete esse espírito: O Colapso do Populismo no Brasil (1968), de Octávio Ianni, para quem a falência dos governos populistas, provada em 1964, demonstrava que o Brasil teria de escolher uma de duas opções: ou revolução ou subdesenvolvimento. Os dois livros são quase contemporâneos de uma tese bastante conhecida, que sustenta o contrário: a possibilidade do desenvolvimento do capitalismo nas nações "dependentes". Seu autor? O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que escreveu, em parceria com o chileno Enzo Faletto, o livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina. O Brasil nem acabou nem fez a revolução socialista. Adivinhem quem estava com a razão. O mercado interno foi a principal força de sustentação do regime militar e é, hoje, um dos esteios da economia em plena crise global. Bingo! Não foi só o tempo que se encarregou de evidenciar o erro de Baran e seguidores. Livros como o de Galeano e o de Ianni já nasciam velhos. Qual é a bobagem fatal do autor de As Veias Abertas? A suposição, a partir já de eventos da colonização (e ele fala como um asteca ou um inca, não um Galeano de olhos azuis...), de que o atraso é sempre obra do estrangeiro explorador. O Brasil é um exemplo de que a tese é falsa. O país rompe o século XIX como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu PIB passa a ser um décimo do PIB dos EUA. Obra legítima dos nativos. Fizemos e fazemos o nosso próprio atraso. O livro de Galeano é uma coleção de lamúrias e desastres em busca de culpados. Pouco importa que os fatos desmintam a sua tese. Para as esquerdas, mais importante é a moral da história. Na de Galeano, o lobo, como sempre, come o cordeiro. Alguns líderes latino-americanos, a exemplo de Chávez, pretendem se fingir de cordeiros para "fincar os dentes na garganta" dos adversários. Galeano é o delírio herbívoro da esquerda carnívora.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Perguntas Proibidas

Max Weber, quando o acusavam de exagerar em seus diagnósticos, respondia: "Exagerar é a minha profissão!" A boutade referia-se, naturalmente, à técnica dos "tipos ideais", com que o autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, ao descrever uma conduta, um sentimento, uma atitude, ampliava certos traços típicos para maior nitidez do objeto puro, isolado de diferenças e semelhanças acidentais. Mas referia-se também, mais profundamente, à missão do cientista social em geral, que tem de olhar as coisas numa escala que não é a da atualidade patente, visível nos debates públicos e na mídia popular, mas deve cavar em busca das sementes, não raro modestas e discretíssimas, onde o futuro está se gerando longe dos olhos da multidão. Se há uma coisa que nenhum estudioso da sociedade e da História tem o direito de ignorar, é que o poder dos fatores determinantes do curso das coisas é, no mais das vezes, inversamente proporcional à sua visibilidade presente. Daí o descompasso entre os respectivos "sensos de realidade" dos observadores do dia a dia, meros constatadores do fato consumado, e o do estudioso que mergulha em águas profundas para saber o que há de vir à superfície amanhã ou depois. Com o agravante de que o fato consumado só faz sentido para quem o viu crescer desde as raízes. Para os demais, tudo é surpresa desnorteante ou mera coincidência. Mas, quando digo "cientista social", uso o termo como um tipo ideal weberiano. Refere-se ao que os cientistas sociais deveriam fazer para merecer o título, não ao que os profissionais universitários que o ostentam estão fazendo realmente no Brasil de hoje. Estes, coitados, não conseguem acompanhar nem o fato consumado, tão presos estão aos seus esquemas mentais rotineiros, à pressão dos seus pares e ao temor de desagradar à mídia. Não ousam sequer fazer perguntas, como por exemplo: Quantos assentados do MST foram recrutados entre militantes urbanos, falsificando completamente o panorama dos "conflitos rurais"? Qual é o peso estatístico real de duzentos assassinatos de homossexuais num país que tem 50 mil homicídios por ano, mesmo sem averiguar quantos daqueles foram assassinados por seus parceiros? Quantas pesquisas sociológicas com resultado previamente estabelecido pelas fundações estrangeiras que as financiaram foram realizadas nas universidades brasileiras nos últimos anos, e quantas foram em seguida usadas como material de propaganda por ONGs e "movimentos sociais", se não como argumento cabal para justificar leis e decretos? Quanto dos benefícios distribuídos pelo governo federal aos pobres foi pago com puro dinheiro de empréstimos, endividando as gerações vindouras para ganhar os votos da presente? Quantos crimes de morte são praticados com armas legais registradas, e quanto com armas clandestinas cuja circulação o tal "desarmamento civil" não poderá diminuir em nada? Quantas leis e decisões federais vieram prontas de organismos internacionais e tiveram seu caminho aplanado por campanhas bilionárias financiadas do exterior? Quantas delas vieram de decisões tomadas no Foro de São Paulo com anos de antecedência, em assembleias promíscuas onde terroristas, narcotraficantes e sequestradores debatem em pé de igualdade com políticos eleitos? Se for liberado o comércio de drogas, quem terá mais chances objetivas de dominar esse mercado? Sem fazer essas perguntas, ninguém pode compreender nada do que está acontecendo neste País, muito menos o que está para acontecer. Mas cada uma delas é um tabu. O simples pensamento de vir a formulá-las um dia já basta para fazer um profissional universitário tremer desde os alicerces, prevendo os olhares de ódio que fulminarão sua pessoa e sua carreira – ao menos ele assim o imagina – tão logo comece a falar. Sim, o brasileiro de hoje em dia – e os cientistas sociais não são exceções – é aquele sujeito valente que teme olhares e caretas como se fossem balas de canhão, que enfia o rabo entre as pernas à simples ideia de que falem mal dele, que troca a honra e a liberdade por um olhar de simpatia paternal de quem o despreza. É por isso que os processos históricos profundos, que estão mudando a face do Brasil com uma rapidez avassaladora, passam ainda despercebidos até àqueles mesmos que, arrastados na voragem de leis, decretos e portarias, perdem prestígio e poder a cada dia que passa e, iludidos por vantagens financeiras imediatas que o governo atira à sua mesa como migalhas, não ousam nem confessar uns aos outros que estão sendo jogados à lata de lixo da História. Não vi até agora um único analista político, na mídia ou nas universidades, declarar em voz alta aquilo que, nos altos escalões do petismo e do Foro de São Paulo, todo mundo sabe: a fase da revolução cultural terminou, já estamos em plena revolução social.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

IN MEDIO VIRTUS

A consciência de pertencer ao meio da sociedade torna-se um fardo diário, muitas vezes difícil de ser carregado. A grande característica da classe média é justamente agir como se estivesse acima desta grande mediocridade cotidiana, que transborda por todos os lados e lares. Os adolescentes medianos se acham especiais, assim como os pais destes adolescentes. E das crianças, pensam que tudo podem, basta sonhar e tentar. Mentira. Engano. Hipocrisia. Ilusões. Disso consiste a classe média. Mas por que então as sociedades de classe média são aqueles que mais se desenvolvem, que mais longe vão? Quem diria, por exemplo, que não é os EUA, aquela que ainda é a maior e mais importante potência do mundo, essencialmente um país de classe média? E a Europa de hoje, ainda que combalida, não constitui uma sociedade de pessoas que vivem próximas à média? Não estaria a pujança da China, da Índia, do Brasil e da Rússia, os Brics, justamente na ascensão de suas classes médias? O fato é que, corroborando o provérbio latino, a virtude, ao menos do ponto de vista econômico, realmente parece estar no meio, ou nas classes médias, essa classe a qual pertenço eu e a maioria absoluta de meus leitores. Nós, que fomos e somos medianamente educados, compomos a classe que sempre aspira mais. Todos nós pensamos estar acima da mediocridade que insiste, entretanto, em nos rodear. Estamos, estatisticamente falando, mais próximos da plebe, do vulgo, daquela multidão indiscriminada a que chamamos povo, do que imaginamos. Na verdade, nós somos o vulgo e a plebe. No fundo, as classes média urbanas, os white collars, que largaram para trás os cortiços e a roça e se refugiaram nos subúrbios e nos condomínios, que levam uma vida baseada num trabalho pretensamente intelectual, de alto nível, significativamente qualificado, não passam no fundo de peões de estância que desejam um dia ser fazendeiros, ou de pedreiros assentadores de tijolos que desejam ser os donos dos prédios que constroem, nem que seja através de nossa continuação, nossos filhos. Este desespero pela ascensão social é o que torna a classe média tão importante para economia de um país. A média deseja ascender, quer o topo, nem que seja apenas no futuro, através de seus herdeiros. Para tanto, faz hora extra, paga colégios caros, dedica anos e mais anos de estudo em busca de diplomas e certificados para se tornar mais e mais produtivo. A classe média nutre um fascínio tão grande pela elite, pelos bens de consumo da elite (ou daquilo que se imagina ser a elite), que para se diferenciar dos "outros", dos medíocres, passa a consumir estes produtos, ou ao menos a consumir produtos que pareçam da elite. Por isso a classe média deseja tanto ter um carro maior e mais novo, uma casa maior e mais confortável, uma geladeira maior e mais eficiente, ou ainda um estilo de vida cool, sustentável. O desejo de se diferenciar dos demais nos torna a todos tão iguais, morando em casas e apartamentos iguaizinhos em quaisquer lugares de quaisquer grandes cidades. Este desejo que leva a multiplicação sobrados, casas geminadas, subúrbios ajardinados com portaria 24 horas, ou ainda torres e condomínios clubes. O sonho de "chegar lá" é o que as pessoas a dedicaram horas cada vez mais longas de sua vida, de sua jornada de trabalho e de seu lazer para mostrar a todos os outros que é diferente da média e, quem sabe por meio de seu carisma pessoal, cativar a elite (real ou imaginária) que nos despreza e poderá nos auxiliar em nosso processo de ascensão social. Às vezes isso realmente acontece, e um pobre diabo, vindo de uma família miserável torna-se rico o bastante para "dar as cartas". Isso só reforça e alimenta a competitividade na base da pirâmide que é composta pela classe média. De certo modo, a grande diferença entre esta categoria de pessoas de renda intermediária e os mais pobres, os derrotados, não é uma questão de conta bancária, de patrimônio ou de bem-estar: a grande diferença é a determinação por lutar. Um país de pobres resignados é uma sociedade em que os indivíduos e as famílias não saem do lugar, porque sabem, ou julgam saber, que não importa o quão grande seja o esforço, nunca sairão de onde estão. Os verdadeiramente pobres estão resignados com a vida que levam, satisfeitos com suas parcas posses e conhecimentos. Não buscam fama, não buscam publicidade. Os verdadeiros pobres vivem, no fundo, numa espécie de relativa paz, assombrada apenas pelo fantasma da fome. Mas os pobres estão acabando, pelo bem da economia da nação, pelo aumento da produtividade e (por outro lado) para o azar dos defensores dos "recursos naturais" ou, empregado uma terminologia mais romântica e menos produtivista, da "mãe natureza". O fim da pobreza traz consigo o fim da paz de espírito de milhões, bilhões de pessoas, que entram neste circuito competitivo que é o mercado de trabalho das sociedades capitalistas, modernas, avançadas e democráticas. A redução da pobreza material e a disseminação da publicidade da vida boa, da vida das elites, rodeada de pessoas bonitas, inteligentes, ricas e ociosas, tornam insuportável a sensação de ficar para trás, e move toda a sociedade em busca deste sonho, deste desejo, por mais que ele não seja realizável aqui, agora, ou nunca. Este meu texto, longe de expressar uma indignação ou uma consciência superior deste fato, é um truísmo, uma repetição da verdade que todos nós conhecemos e fingimos ignorar. Toda a classe média se acha especial, diferente, bonita, quase rica, desprovida de preconceitos, mente aberta, prafrentéx e tudo mais. Eu não sou diferente. Às vezes me acho genial, mesmo sabendo que sou apenas mais um número nesta grande corrida pelo segundo lugar, para receber a bênção de alguém que irá finalmente reconhecer o meu valor e (Quem sabe? Por que não?) permitir que eu faça parte de alguma elite iluminada. No fundo, eu também sei que eu não sou tudo isso, e que provavelmente meu destino se encontra em algum subúrbio de alguma grande ou média cidade, com um financiamento (carnê é de pobre e hipoteca coisa de americano), dois ou três filhos que em breve serão minha única esperança final de ascensão social. Ou, quem sabe, um dia eu finalmente encontre a resignação, saiba exatamente quem eu sou e onde estou, e abandone toda a pretensão de me diferenciar da massa e viva um dia de cada vez, com a única certeza de que um dia uma catástrofe, acidente ou outro inimigo qualquer (vírus, bactérias, genes ocultos), levarão minha vida, retornando ao pó de onde vim. Por isso, por esta esperança dúbia, de um dia ascender ou de um dia me conformar, repito, de modo ambíguo, o título deste texto: in medio virtus.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sinto vergonha de mim…

Sinto vergonha de mim… por ter sido educador de parte desse povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra. Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade” em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo. Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”, voltar atrás e mudar o futuro. Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer… Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir pois amo este meu chão, vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade. Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro ! “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” (Bertold Brecht) Pior que o analfabeto político é quem se deixa iludir por um sistema político que corrompe até o mais bem intencionado dos cidadãos. Pior que não ouvir, não falar, nem participar dos acontecimentos políticos é se deixar levar pelo engodo dos que querem iludir com promessas que nunca serão cumpridas ou servir como massa de manobra para defender interesses duvidosos ou causas inúteis. Enquanto o analfabeto político não faz nada para tentar mudar a situação, os iludidos pela pseudodemocracia acham que só precisam "votar certo" para que tudo se resolva. Enquanto o analfabeto político diz que odeia a política, os iludidos pela pseudodemocracia fazem campanhas apaixonadas para o "candidato maravilhoso" que vai mudar tudo e acabar com todos os problemas. Depois das eleições, ganhe quem ganhar, o analfabeto político vai continuar não fazendo nada e os iludidos pela pseudodemocracia vão continuar defendendo seus candidatos eleitos e criticando os adversários, também eleitos, pois para eles só existe um certo (seu candidato) e um errado (seu adversário). E os problemas sociais vão continuar praticamente como sempre foram, porque nem o analfabeto político nem os iludidos pela pseudodemocracia conseguem perceber que enquanto não houver uma mudança do sistema político que proporcione poder ao povo durante o mandato e que mantenha os eleitos subordinados constantemente a quem os elegeu, não haverá democracia, só ilusão. Ilusão esta que só beneficia o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra e corrupto. Então não basta deixar de ser um analfabeto político e se tornar um iludido pela pseudodemocracia, é necessário que se busque a verdadeira democracia através de uma mudança no sistema político. E isso só será possível quando as pessoas se dispuserem a buscar, discutir e colocar em prática idéias que possam tornar a política um campo de realizações e não de ilusões.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Incolores

Vá você dizer que é de direita, que é contra o sistema de cotas, que fulano é gordo e não obeso ou fortinho, que seu amigo é negrão e não afro-americano, que a família começou a dispersar-se quando a mulher emancipou-se e deixou os filhos aos cuidados da babá e que isso não é machismo, apenas a constatação científica do óbvio. Vá você cair na besteira de dizer que não há comprovação científica que o aquecimento global é uma conseqüência do intervencionismo humano na rotina natural e que a Terra jamais teve clima estável. Vá você dizer que o comunismo matou mais de cem milhões de pessoas quando um comunista, em seu relativismo justifica os crimes de seus partidários acusando os adversários de serem bandidos, como se os crimes de uns justificassem os crimes de outros. Caia na besteira de dizer que a natureza deve ser explorada, uma vez que dela depende a sobrevivência humana. Se você assume publicamente qualquer posição contrária ao senso comum determinado pelas mídias infestadas de socialistas, sexistas, “tolerantes” que não toleram as posições que não coadunem com as suas, logo será taxado de preconceituoso, homofóbico, racista, capitalista selvagem, reacionário ou qualquer outro adjetivo que, mesmo sendo verdadeiro, é tomado pelos seus contrários como insultos, da mesma forma que eles se sentem, mais que insultados, ultrajados e agredidos quando você argumenta contra suas convicções, mesmo quando essas não são de fato convicções, apenas repetição do que seus líderes lhes mandaram repetir, sem análise, pesquisa ou constatação de que são verdades. Costumo dizer que quanto mais conheço a esquerda, mais à direita me posiciono. Minha ojeriza aos ideais socialistas/comunistas, seja de que matiz for, só aumenta à medida que a argumentação marxista contradiz a prática e vice-versa. Mas respeito os que são socialistas de fato, os que têm embasamento. Já os socialistas ocasionais, aqueles que nunca leram mais do que Paulo Henrique Amorim, Luiz Nassiff e, pior de todos, Luís Favre, os que, sem argumentos, acusam seus opositores de serem repetidores dos artigos da Veja, numa alusão de que informação verdadeira somente a Carta Capital fornece. A esses eu já não chamo mais de vermelhinhos, eles são incolores. Os incolores não têm ideologia, não leram Marx, acreditam nas mentiras que Guevara é herói, os capitalistas são assassinos, os conservadores são retrógrados e todos nós, seus opositores, somos intolerantes com o que chamam de práticas progressistas, como agredir a igreja, defender o casamento gay, ofender o papa ou qualquer autoridade não socialista, difamar qualquer instituição estabelecida como a família, a escola e as forças armadas. Os incolores são aqueles que repetem como mantra que devemos defender a Amazônia, ajudar a combater a caça às baleias e financiar ONG que preservam o mico-leão dourado, mas não percebem que jogando papel de bala nas ruas estão destruindo seu próprio ambiente. Eles, em sua falta de raciocínio lógico e analítico, não param para pensar que plantar arroz não significa desalojar índios; que explorar madeiras não significa necessariamente acabar com as florestas; que gerar energia elétrica não é sinônimo de assorear rios e assassinar bagres. Como se vivessem de ar, apenas pregam o fim de todas as práticas acima, mas não conseguem perceber que se têm computadores e energia para colocarem-nos em ação, que se as gôndolas dos supermercados estão lotadas de arroz, farinha, bolachas e chocolates, que os freezers têm a picanha que adoram assar com os amigos ou as alfaces e tomates que os vegetarianos devoram como lagartas é porque parte dos campos, que defendem do discurso para fora, foi explorada para alimentá-los. Os incolores não são vermelhinhos ou de qualquer outra coloração, nem brancos conseguem ser. São seres translúcidos, sem raciocínio próprio que se deixam levar pela maré que lhes falar bonito, que lêem Paulo Coelho como se escrevesse livros sagrados, mas não lêem a Bíblia porque a mídia atéia não a recomenda. Que devoram auto-ajuda, mas não tem paciência ou interesse em lerem ciência. São a espécie acéfala que nos ataca. Pois, que vivam as cores e repudie-se o “incolorismo”!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mas, você vai ser professor?

“Mas, você vai ser professor?” é essa a frase de uma comunidade de uma dessas páginas de relacionamentos da internet. Um estudante que almeja entrar em sala de aula e ser professor nos dias de hoje tem pela frente um desafio ciclópico. Tendo eu assistido por esses anos de labuta o atual quadro da educação brasileira e o que de fato significa estar dentro de uma sala de aula com vinte a quarenta alunos esperando algo de você, retruco ao futuro jovem professor: você quer ser professor? Este não se trata de um daqueles manifestos de insatisfação com a atual condição da educação brasileira, tão pouco farei deste um lamento sobre as dificuldades que um professor tem em sala de aula. Quero apenas ser fidedigno com a atual realidade conjuntural de uma sala de aula com base em minha experiência. E mais ainda fazer com que você perceba que sala de aula, lecionar, lidar com crianças, jovens em formação e adultos é algo que tem que ser feito de forma apaixonada, com amor. Pareço um tanto subjetivo, mas, veja o que você, futuro professor, terá pela frente: uma sala de aula. Analisando a escola como um espaço sócio-cultural podemos lançar nossos olhos sobre um quadro dinâmico, que se faz presente no cotidiano dos dias letivos, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos, adolescentes, jovens, crianças, em fim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, atores históricos, filhos de seu tempo. A instituição escola nos aparece como resultado de um confronto de interesses: de um lado, uma organização oficial do sistema escolar, que define o conjunto de regras e normas, atribui funções e tarefas definindo as chamadas relações sociais. Do outro, os sujeitos, alunos, professores, funcionários, que criam uma trama própria de inter-relações, fazendo da escola um processo permanente de construção social. O que eu quero dizer é que no âmbito da escola e dentro da sala de aula interagem diversos processos sociais que vão desde a reprodução das relações sociais, passando pela criação, transformação e difusão do conhecimento. Isso é uma escola, dentro dela está a sala de aula e sentados em suas carteiras estão os alunos. Portanto a primeira coisa, a saber, futuro professor, é que a escola é um espaço sócio-cultural, ordenado por uma dupla dimensão. Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada, no cotidiano dos dias letivos, pela apropriação, elaboração e reelaboração de conhecimentos. Isso vai incluir ao seu currículo de professor: alianças, conflitos, imposições de normas e estratégias individuais ou coletivas, transgressão e acordos entre alunos e professores. E isso não será tarefa fácil. Mas o que é essa escola? E o que de fato ocorre dentro de suas salas de aula? Trata-se de uma instituição que, pelo discurso muito corrente, deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a mesma organização do trabalho escolar, mesma grade curricular. Esse discurso é palpável até certo ponto, mas acaba homogeneizando os sujeitos em questão, alunos e professores. Isso leva consequentemente à homogeneização da instituição escola. Assim, materializado nos programas e livros didáticos, o conhecimento escolar se torna objeto e, ao mesmo tempo, coisa a ser transmitida. Supostamente como será de forma homogenia propagada, será igualmente assimilada, e isso não é verdade. Dentro de sala, você professor, terá uma gama de alunos com as mais diversas propensões, capacidades para querer ou não assimilar o conhecimento: desde o mais hiperativo, ao mais tímido. É muito corrente um professor ministrar uma aula com o mesmo conteúdo, mesmos recursos e ritmos para turmas de quinta série, por exemplo, de uma escola particular e de uma escola pública da periferia, negligenciando as condições sócio-econômicas desses sujeitos alunos. Nesse quadro, a meu ver, ensinar fica resumido a transmitir conhecimento acumulado, e aprender se torna assimilá-lo. O que é valorizado são as notas obtidas nas provas que reduz a escola a uma única finalidade na visão do aluno: passar de ano. A diversidade acaba tristemente reduzida a bom e mau aluno, esforçada e preguiçosa, obediente e rebelde, disciplinada e indisciplinada. O que eu quero lhe mostrar é que muitas escolas são assim hoje, desconsideram a totalidade das diversidades humanas, do sujeito aluno. E não há um culpado, mas sim vários. O que você tem que saber de antemão, futuro professor, é que você estará instruindo seres humanos. No primeiro dia de aula, quando você olhar para eles e ver aquele monte de rostos assustados pergunte a si mesmo: quem são esses jovens? De onde vieram? O que eles vêm buscar na escola? Qual significado tem para eles a escola? Talvez você não alcance a resposta de todos, mas, terá um panorama geral da diversidade que é uma sala de aula. Você tem que saber que essas pessoas que estão sentados diante de você, professor, esperarão algo de você, bem como você esperará delas. Portanto, você jamais deve resumir a escola, e tampouco o seu aluno, as quatro paredes, janelas e porta da sala de aula. Essas pessoas chegaram para você marcados pela diversidade, reflexos de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social anteriores, e que são, evidentemente, desiguais e peculiares em virtude da quantidade e da qualidade de suas experiências e relações sociais, culturais anteriores e até mesmo paralelas a escola. Não pense, professor, que você vai salvar o mundo. Ou que existe uma receita mágica para ensinar. Mas se você amar o que faz, fará bem. Então, você será professor?

domingo, 21 de agosto de 2011

Kafka e o poder

Absurdo, perplexidade e indignação, estão presentes na literatura de Franz Kafka. Li O Castelo quando era adolescente e conforme ia adentrando nos meandros da trama, fui ficando angustiada com o drama de K. Hoje ao relê-lo, volto perceber o quanto o autor foi profundo em sua ficção. K é chamado a realizar um trabalho num castelo, mas não consegue chegar a ele: uma muralha humana protege o castelo de forma a não permitir intrusos. A comunicação favorece contraditórias interpretações, tanto pelos habitantes da aldeia quanto pela burocracia, escudo e proteção da incontestável autoridade. Diálogos desencontrados, fraudes e imposturas, desafiam o personagem o tempo todo. O prefeito expõe a desordem da administração: K foi vítima de um erro e ninguém se responsabiliza por ele. Através de ações aparentemente sem sentido, há um poder ao qual todos se curvam. O Castelo é uma metáfora? A interpretação mais corrente é a existencialista. Interessa mais, a habilidade kafkaniana em cativar o leitor na tarefa de se identificar com o personagem, numa empatia com circunstâncias inexplicáveis que desafiam a razão e que se abatem sobre o indivíduo como uma sentença. A aldeia é servil e hierarquizada: senhores e camponeses, reverência e medo à autoridade dominante. Entretanto a burocracia é moderna em meio a processos, instâncias de controle, repartições públicas e serviços administrativos compartimentados, com uma autoridade impessoal, distante e poderosa. Há um abismo de diálogo com a sociedade. Um staff de privilegiados ditam regras que a todos controlam. A vida privada está entrelaçada com a vida pública numa fusão de submissão e cumplicidade, sendo que K tem contato com esta dominação ao ser atingido em sua dignidade, por ela. Diante de abusos de poder e de corrompidos códigos de conduta ele move-se por um ideal de justiça. Vencido pelo sistema ao experimentar situações-limite, K persevera. Ele quer o que lhe foi prometido e o que lhe é de direito. A expectativa que não se concretiza, o indivíduo diante de uma meta inatingível, é a fórmula de sucesso deste clássico. O conteúdo inconfundível da obra de Kafka nos lança uma reflexão sobre as situações sem saída: não há o que se aprender com elas. No meio do labirinto, a única meta é sair dele.

sábado, 20 de agosto de 2011

DIREITOS E LIMITES

Estavamos praticamente chegando ao final de uma viagem que fazíamos, meus pais, meus irmãos e eu, quando fomos parados por um policial rodoviário federal. Como solicitado, meu pai entregou a ele os documentos pessoais e os do veículo. Depois da vistoria geral do veículo o policial, ainda com os documentos em mãos, perguntou de onde vínhamos. Respondeu: de longe. Ele então insistiu, para onde vai? Respondeu: Para mais longe ainda. Minha mãe ficou assustada e cutucou-o para que ele respondesse as perguntas corretamente. Ele então disse a ela, em tom alto o suficiente para que o policial também ouvisse, que ele o estava respeitando em toda a plenitude de seus direitos, entregando-lhe os documentos solicitados e acatando qualquer decisão dele em relação ao seu trabalho, inclusive de multá-lo se ele tivesse feito algo ilegal, mas que ele não tinha a obrigação de informar de onde vinha ou para onde iria, pois aquele não era mais o papel e nem o direito dele. A intenção de meu pai, naquele momento, jamais foi a de desacatar o policial, mas ensinar aos seus filhos que, em qualquer situação, nunca deveriam abrir mão de seus direitos. Já se passaram aproximadamente 45 anos do ocorrido e este ensinamento ainda me acompanha. Não podemos invadir o direito de nenhuma pessoa, independentemente de sua posição religiosa, educacional, cultural ou profissional e nem permitir que nenhum espaço do nosso direito seja invadido. Respeitar direitos muitas vezes significa abrir mão, se desprender de algo que julgamos ser nosso- como os filhos-, quando na realidade só o que podemos fazer é educá-los enquanto pequenos, encaminhar seus estudos e acompanhá-los até que possam alçar vôo próprio. Já na juventude ou até antes dela eles já nos mostram que possuem vontade própria, desejos e objetivos diferentes dos nossos. Por sua imaturidade muitas coisas precisam ser controladas, contrariando-os, encaminhando-os por mais um período, para que possam amadurecer mais e aí sim, cobrar seus direitos. Nessa fase já precisam estar preparados para, na vida em sociedade, exigir o respeito por seus direitos, mas também, claro, respeitar o das outras pessoas. E, se muitos deles tomarem para si esse princípio e continuarem, com a educação dos próprios filhos, certamente em algumas décadas teremos um país bem melhor. Certa vez ouvi de uma pessoa já bem mais idosa, muito experiente, sábia e com quem aprendi muito, que as ações individuais são propagadas como as ondas criadas na água quando atingida por uma pedra. Na primeira propagação é um círculo pequeno, empurrado para mais longe pelo segundo, que é empurrado pelo terceiro e assim sucessivamente até que o efeito do impacto da pedra na água deixe de tumultuar o local do impacto. O choque inicial diminui à medida que a pedra se distancia, aprofunda na água e nenhuma onda será provocada depois de certa profundidade. Sem a geração de novas ondas a tranquilidade da água vai voltando desde o local inicial até atingir a margem que havia recebido todas as ondas. Como no lago, a paz volta quando toda a propagação de uma nova idéia, regra, ação, ou atitude política foi totalmente absorvida pela sociedade. A exigência do respeito a seus direitos e a observância dos direitos alheios deveria ser posta em prática do mesmo modo, partindo da educação dos jovens em casa, que criaria uma onda na escola, no bairro, na cidade, município e assim por diante. A cobrança por seus direitos e o respeito pelo dos outros é um exercício diário, difícil, mas se todos sempre o exigissem, em quaisquer situações, certamente teríamos convivências muito mais pacíficas e harmoniosas entre as pessoas, os países e os continentes.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

China: um alerta.

Há 200 anos Napoleão Bonnaparte fez uma profecia, que está começando a realizar-se atualmente, ao dizer: "Deixem a China dormir porque, quando ela acordar, o mundo vai estremecer". JÁ PENSOU COMO FICARÁ A CHINA DO FUTURO? Alguns conhecidos voltaram da China impressionados. Um determinado produto que o Brasil fabrica em um milhão de unidades, uma só fábrica chinesa produz quarenta milhões... A qualidade já é equivalente. E a velocidade de reação é impressionante. Os chineses colocam qualquer produto no mercado em questão de semanas... Com preços que são uma fração dos praticados aqui. Uma das fábricas está de mudança para o interior, pois os salários da região onde está instalada estão altos demais: 100 dólares. Um operário brasileiro equivalente ganha 300 dólares no mínimo que acrescidos de impostos e benefícios representam quase 600 dólares. Quando comparados com os 100 dólares dos chineses, que recebem praticamente zero benefícios.... estamos perante uma escravatura amarela e alimentando-a... Horas extraordinárias? Na China...? Esqueça !!! O pessoal por lá é tão agradecido por ter um emprego que trabalha horas extras sabendo que não vão receber nada por isso... Atrás dessa "postura" está a grande armadilha chinesa. Não se trata de uma estratégia comercial, mas sim de uma estratégia " de poder" para ganhar o mercado ocidental . Os chineses estão tirando proveito da atitude dos 'marqueteiros' ocidentais, que preferem terceirizar a produção ficando apenas com o que ela "agrega de valor": a marca. Dificilmente você adquire atualmente nas grandes redes comerciais dos Estados Unidos da América um produto "made in USA". É tudo "made in China", com rótulo estadunidense. As Empresas ganham rios de dinheiro comprando dos chineses por centavos e vendendo por centenas de dólares... Apenas lhes interessa o lucro imediato e a qualquer preço. Mesmo ao custo do fechamento das suas fábricas e do brutal desemprego. É o que pode-se chamar de "estratégia preçonhenta". Enquanto os ocidentais terceirizam as táticas e ganham no curto prazo, a China assimila essas táticas, cria unidades produtivas de alta performance, para dominar no longo prazo. Enquanto as grandes potências mercadológicas que ficam com as marcas, com os designes...suas grifes, os chineses estão ficando com a produção, assistindo estimulando e contribuindo para o desmantelamento dos já poucos parques industriais ocidentais. Em breve, por exemplo, já não haverá mais fábricas de tênis ou de calçados pelo mundo ocidental. Só haverá na China. Então, num futuro próximo veremos os produtos chineses aumentando os seus preços, produzindo um "choque da manufatura", como aconteceu com o choque petrolífero nos anos setenta. Aí já será tarde demais. Então o mundo perceberá que reerguer as suas fábricas terá um custo proibitivo e irá render-se ao poderio chinês. Perceberá que alimentou um enorme dragão e acabou refém do mesmo. Dragão este que aumentará gradativamente seus preços, já que será ele quem ditará as novas leis de mercado, pois será quem manda, terá o monopólio da produção .. Sendo ela e apenas ela quem possuirá as fábricas, inventários e empregos é quem vai regular os mercados e não os "preçonhentos". Iremos, nós e os nossos filhos,netos... assistir a uma inversão das regras do jogo atual que terão nas economias ocidentais o impacto de uma bomba atômica... chinesa. Nessa altura em que o mundo ocidental acordar será muito tarde. Nesse dia, os executivos "preçonhentos" olharão tristemente para os esqueletos das suas antigas fábricas, para os técnicos aposentados jogando boliche no clube da esquina, e chorarão sobre as sucatas dos seus parques fabris desmontados. E então lembrarão, com muitas saudades, do tempo em que ganharam dinheiro comprando "balatinho dos esclavos" chineses, vendendo caro suas "marcas- grifes "aos seus conterrâneos. E então, entristecidos, abrirão suas "marmitas" e almoçarão as suas marcas que já deixaram de ser moda e, por isso, deixaram de ser poderosas pois foram todas copiadas.... REFLITAM E COMECEM A COMPRAR - JÁ - OS PRODUTOS DE FABRICAÇÃO NACIONAL, FOMENTANDO O EMPREGO EM SEU PAÍS, PELA SOBREVIVÊNCIA DO SEU AMIGO, DO SEU VIZINHO E ATÉ MESMO DA SUA PRÓPRIA... E DE SEUS DESCENDENTES.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Adeus às Armas?

O crepúsculo de qualquer carreira profissional, por mais exitosa que seja, há de ter o seu ponto final, seja por motivo de ancianidade seja pela busca de um maior e melhor convívio familiar ou por algum outro que possa advir. No meu caso, o “adeus às armas” em termos militares já ocorreu por uma questão de tempo de serviço prestado, mas remanesce em mim a luta por um Brasil melhor, aquela que deveria ser intrínseca e constante na vida de todo cidadão. Esse sempre foi o meu pensar, como militar e como cidadão, mas, ultimamente, parece-me forçoso reconhecer que a renovação do combatente se faz impositiva até para as melhores equipes. Por outro lado, já que “ninguém é dono da verdade”, o que será “o Brasil melhor” pelo qual tenho lutado? Certamente não é o Brasil do mensalão, do enriquecimento ilícito, dos desvios constantes de verbas públicas, dos deveres sociais do Estado – saúde, educação e segurança pública - como letras mortas na Constituição, dos políticos analfabetos e dos garis concursados, das férias de 60 dias, dos injustificáveis 15 e 16 salários, das semanas de três dias de trabalho, da justiça que tarda e nem sempre chega, da impunidade como regra, da substituição do mérito por conveniências eleitorais, dos governantes sem visão de estadista, dos governantes corruptos e acima da lei, de governos impiedosos contra a “tortura” e lenientes com o terrorismo, de um “Poder Civil” surrealista acrescido aos poderes constitucionais, dos ministérios governamentais loteados como feudos, da Democracia de palanque e acobertadora de desmandos, das Forças Armadas íntegras, mas despreparadas para a guerra, da ilusória “igualdade de todos perante a lei” e do enganador marketing substituindo as realizações...!E se não é nada disso, retrato do Brasil atual, serei eu parte de um pequeno exército de D. Quixotes à deriva da realidade que enxergo? Ainda não me rendi, mas confesso que o meu adeus se aproxima já que não escuto a voz do povo, que dizem ser “a voz de Deus”, a clamar contra a situação reinante e, portanto, sofro com a premonição do ínclito Rui Barbosa ao dizer: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” Resta-me o dilema: continuar lutando ou ficar com a vergonha.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Uma Geração Enganada e Corrompida

Saiu, no portal G1 (http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/08/estou-sem-chao-diz-mae-de-garoto-que-marcou-encontro-pela-web.html), essa notícia peculiar: um menino, de 13 anos, após ter ‘informado’ sua mãe de que era homossexual, em uma tarde de domingo avisou-a que iria sair com umas amigas quando, na verdade, teria marcado, pela internet, um encontro com 2 homens que, após dopá-lo, teriam abusado sexualmente dele. A notícia foi veiculada discretamente e apenas no portal de notícias da Globo e em alguns sites de menor expressão. Em tempos de jornalismo ‘copiativo’, é estranho outras fontes de notícias não terem dado essa informação tão na moda, já que trata, de alguma maneira, de um caso de pedofilia. No entanto, o que me chama mais a atenção, considerando que os fatos sejam verdadeiros, é a naturalidade que as pessoas estão sendo induzidas a ter em considerar a homossexualidade como algo absolutamente comum, mesmo em crianças. No caso noticiado, um menino, de apenas 13 anos de idade, teria se afirmado homossexual, como se isso fosse uma questão certa, acabada e bem definida em sua mente. Ocorre que, uma criança, nessa idade, ainda em plena puberdade, está sujeita a todo tipo de sensações e estímulos nada bem compreensíveis para ela e que não são, de maneira alguma, definidoras da sexualidade, seja no aspecto psicológico ou mesmo fisiológico. Qualquer atração homossexual, nessa idade, pode ser, muitas vezes, apenas resultado de movimentações hormonais e desenvolvimentos psíquicos que longe estão de serem definitivos na vida de qualquer pessoa. Porém, em uma cultura bombardeada pelos meios de comunicação com a exaltação do estilo de vida homossexual, sendo mostrada nas telas por meio de atores cada vez mais jovens e bonitões, apresentando-os como pessoas bem resolvidas, amorosas e admiráveis, a sugestão fica muito forte nas cabecinhas das crianças que absorvem esse conteúdo. Então, cada vez mais meninos e meninas, ainda completamente incapazes de decidir as questões existenciais mais fundamentais, sentem-se completamente preparados para definir-se como homossexuais. O problema é que os adultos, também absorvidos nesta cultura transviada, estão sendo doutrinados a aceitar isso como algo absolutamente normal e saudável. O que eles não percebem é que essas crianças não estão preparadas para tomarem uma decisão tão extrema e tão definitiva. Sempre existiu, entre os jovens, o desejo de identificar-se, e isso faz parte de sua própria formação do caráter. Porém, antigamente, para transgredir, eles decidiam ser hippies, comunistas, dançarinos, surfistas, fazer tatuagem, fumar maconha e coisas do gênero. Tudo isso, numa tentativa de enxergar-se como parte de um grupo, de uma turma. Invariavelmente, independente de eventuais malefícios que essas escolhas, em tão tenra idade, possam ter trazidos a vida desses jovens, na grande maioria, com a chegada da maturidade, e a superação dessas escolhas, eles ingressaram na vida adulta sem grandes traumas. Eu mesmo, na minha adolescência, fui um hippie convicto, de roupas coloridas e cabelo comprido, com tudo muito bem superado na minha vida adulta, sem que tenha deixado alguma marca mais traumatizante. No entanto, no caso desses jovenzinhos, que tão cedo decidem por ser homossexuais, com a total anuência de seus pais, já que, conforme é veiculado com tanta insistência, objetar-se a isso é sinal de "homofobia", as consequências não serão tão inofensivas assim. Isso porque o homossexualismo, para servir como sinal identificador da pessoa, não pode manter-se apenas em potência, mas deve ser posto em ato. Por isso, quando um menino, como esse da notícia apresentada, se afirma homossexual, não basta para ele ter isso apenas como uma fantasia infantil, mas precisa efetivar sua escolha, pois é exatamente a prática dessa escolha que o definirá como aquilo que ele escolheu ser. Daí, usar a internet para marcar encontro com homens, é um passo. E por quê uma notícia como essa não é tão veiculada? Simplesmente porque os tais homens são o quê? Machões homofóbicos? Pais de família? Conservadores cristãos? Padres ou pastores? Não! São eles, obviamente, homossexuais! O fato é um claro caso de abuso homossexual e pedófilo. Porém, segundo os ditames do jornalismo atual, tratar-se de pedofilia é pauta para notícia, no entanto, como trata-se de uma pedofilia homossexual, a coisa fica mais complicada, como se o interesse midiático fosse anulado. A imprensa veicula o que quer e não o que acontece. Promover o homossexualismo lhes interessa, acusar a pedofilia dá uma aparência de seriedade, mas mostrar o quanto essas duas coisas estão intimamente ligadas é algo que decidiram, a muito tempo, esconder. O que os órgãos de imprensa, a mídia de entretenimento e os políticos estão fazendo neste país é um crime. Estão abrindo as portas e convidando as crianças, cada vez mais crianças, a entrarem e desfrutarem de um estilo de vida destrutivo e traumatizante. E tudo isso, sob os nossos olhos, com o nosso silêncio e nossa conivência.. Quantos meninos que hoje decidem tão cedo viver uma vida de orgias homossexuais não superarão essa fase com a chegada da maturidade e decidirão ter suas famílias com suas esposas e seus filhos e terão que conviver com as marcas do trauma de terem sido ludibriados e abusados por outros homossexuais mais velhos? E quantos jamais conseguirão superar esses traumas, criando uma geração de homens inseguros e vacilantes? São vidas indefesas, joguetes nas mãos de interesses sórdidos, condenadas a sofrerem os traumas de uma escolha induzida por quem não tem o mínimo escrúpulo: os defensores dessa maldita agenda homossexual.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A crença na "cultura da periferia" é coisa de gente com miolo mole

E não é que o pensamento social moreno resolveu inventar? Num rasgo de criatividade, deu à luz uma jabuticaba teórica que chamarei aqui de Antropologia da Maldade. O seu objeto de estudo – ou de culto – são os índios bororos que moram nos morros do Rio. Ou os nhambiquaras do Capão Redondo, em São Paulo. Ou os caetés da periferia de Vitória. Ou os tupiniquins de qualquer aglomerado pobre do Brasil. A exemplo de boa parte das idéias inúteis que circulam no país, os antropólogos da maldade estão nos cursos de humanidades e ciências sociais das nossas universidades, mas também se espalham pelas redações e chegam à televisão. Ocupam ainda posições de estado. Sua sacerdotisa midiática é a atriz Regina "Casebre". A cada vez que ela proclama que "a periferia é o centro" – ou o contrário, sei lá –, somos remetidos imediatamente aos versos do inglês Auden (1907-1973): "And the crack in the tea-cup opens / A lane to the land of the dead" (A fenda na xícara de chá abre uma vereda para a terra dos mortos). Sei que pôr Auden e Regina Casé num mesmo parágrafo pode parecer certo exagero. Comentando esses mesmos versos num texto da década de 70, o jornalista Paulo Francis (1930-1997) observou que a xícara de chá representava a velha ordem do Império Britânico e de suas classes dominantes. Trincada a xícara – um mundo, então, que desaparecia –, abriu-se caminho para as tragédias das duas grandes guerras. Nossa "xícara" é outra. Não chegamos a ter uma "aristocracia", mas já tivemos algumas ambições. O certo é que a Antropologia da Maldade decidiu fazer da barbárie uma civilização. Um antropólogo da maldade não acredita ser possível ensinar matemática ou a poesia de Camões e Manuel Bandeira ao morro ou à periferia, mas está certo de que o morro e a periferia é que têm de ensinar funk e rap aos "imperialistas" e aos "playboys", já que se trataria da expressão de um novo sistema de valores. É como se aquela "civilização" já não fosse a nossa. Perguntaram certa feita ao antropólogo francês Lévi-Strauss (na verdade, nascido em Bruxelas) se ele havia se identificado com os índios que estudara. "De modo nenhum!", respondeu. Os nossos antropólogos da maldade não chegam exatamente a se identificar com a "civilização" do morro e da periferia, mas têm por ela um respeito basbaque e reverencial. Lutam para preservá-la da nefasta influência da cultura central, esta nossa – vocês sabem, corroída pelo materialismo, pelo capitalismo e por um moralismo de fachada. Que coisa formidável! Estamos diante da defesa de uma nova forma de apartheid, um dos refúgios do "pensamento" da esquerda contemporânea. Se a tentativa de ver a "cultura da periferia" como um sistema com valores próprios é só coisa de gente de miolo mole, uma banalidade, essa visão "preservacionista" da civilização da miséria pode assumir uma face cruel quando o assunto é, por exemplo, segurança pública. A polícia, segundo os antropólogos da maldade, estaria proibida de subir o morro sem o prévio consentimento da "comunidade", ou isso caracterizaria uma "invasão". A disposição de enfrentar o crime, que seqüestra as áreas pobres das cidades, é encarada como um ato de guerra, uma hostilidade a um país estrangeiro. E os mortos nos confrontos – exceção feita aos policiais, os "soldados invasores" – serão sempre vítimas inocentes do país agressor. Lévi-Strauss poderia ensinar a essa gente que os costumes e hábitos de superfície das sociedades – e, pois, também dos morros e das periferias – são manifestações de estruturas de poder. Parecem-me indecentes os protestos de artistas contra a ação da polícia no Rio em contraste com o seu silêncio então cúmplice diante do fato de que os soldados do tráfico matam livre e impunemente nas favelas. A estupidez reacionária desses progressistas chega ao ponto de considerar que isso é coisa "lá deles", da "outra cultura", "matéria da autodeterminação dos povos". Será que devemos reagir ao assassinato dos nossos pobres com o mesmo distanciamento antropológico com que reagimos ao infanticídio entre os ianomâmis? É improvável que Lévi-Strauss retorne ao Brasil, repetindo a façanha de 1934, quando veio dar aula na Universidade de São Paulo. Agora com 99 anos, completados no último 28 de novembro, é compreensível que tenha outras prioridades. Se o fizesse, talvez aproveitasse para adensar ainda mais a sua obra-marco, Antropologia Estrutural, ou, então, entre a melancolia e o escárnio, perceberia que fez muito bem em esculhambar o país em Tristes Trópicos, obra de 1955 com apontamentos sobre comunidades indígenas brasileiras e notas sobre a nossa cultura urbana. Sobrou até para os universitários, como não? Nos anos 30, eles demonstravam certo desprezo pelos livros de referência, preferindo os resumos. Sua curiosidade intelectual se igualava a uma inquietação gastronômica, e o que parecia inteligência era só disputa por prestígio e vanglória... Se voltasse, o quase centenário estudioso teria a chance de conhecer, então, esse novo saber. Por enquanto, ele está mais bem adaptado ao clima e à geografia do Rio, mas floresce também em São Paulo, uma cidade mais vetusta, razão por que os antropólogos da maldade, por lá, costumam se esconder dentro de batinas – ainda que meramente simbólicas – e se entregam a folias físicas e metafísicas com seus "correrias" de estimação. Quando Lévi-Strauss conheceu os índios bororos e nhambiquaras (os de verdade), sabia estar lidando com civilizações que estavam em outro estágio do domínio da natureza, mesmo para os padrões do Brasil, que já lhe pareceu, à sua maneira, tão primitivo, com suas cidades que iam do nascimento à decadência sem conhecer o apogeu. Ele jamais demonstrou qualquer simpatia pelos grupos que estudou. Constituíam o seu material de trabalho. Bastava-lhe identificar as estruturas, o conjunto de relações, que fazem com que as sociedades sejam o que são – à sua maneira, de fato, cada uma delas encerra um mundo completo e dinâmico. Assim, é perfeitamente possível supor que a cultura ianomâmi seja eficiente para... um ianomâmi. E só outro indivíduo do mesmo grupo é capaz de propor questões pertinentes que mudem a sua história. Veja como sou multiculturalista hoje em dia. Mas, confesso, no tempo de padre Anchieta, meu negócio era catequizar a bugrada. Para os antropólogos da maldade, os morros e as periferias são civilizações independentes, com estruturas simbólicas definidas pelos indivíduos das tribos, e a postura progressista de um estudioso implica deixá-los entregues à sua própria dinâmica, à sua cultura, a seus valores. Mais do que isso: "eles" teriam algo a nos ensinar, assim como se supõe, ainda hoje, que os silvícolas – veja como sou antigo – podem nos abrir as portas da percepção para a generosidade, a convivência pacífica com a natureza, a igualdade, o associativismo... Poucos se dão conta de que ser índio pode ser chato, difícil e cruel. O Brasil adotou o "bom selvagem" de Rousseau (1712-1778) – o "suíço, castelão e vagabundo", como o chamou o poeta português Fernando Pessoa –, mas não deu a menor bola para as ironias do livro Cândido, de Voltaire (1694-1778), este, sim, um francês legítimo, que fez pouco caso da idéia de um homem em harmonia com a natureza. A periferia e o morro não são o centro. Continuarão a ser o morro e a periferia, e seus "valores" particulares não são senão a manifestação de uma utopia regressiva de basbaques ideológicos que imaginam converter um dia a linguagem da violência em resistência política. Aquela gente não é o "outro". Aquela gente somos nós, só que "sem fé, sem lei e sem rei": sem esperança, sem estado e sem governo. Mas você sabe: eu sou milico, por isso muito reacionário. Progressistas são os antropólogos da maldade, desbravadores das veredas que levam à terra dos mortos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

E Dizer O Que?

Acusada por dezenas de bandidos de cumprir o que a lei determina e aplicar-lhes sem medo as penas previstas no Código Penal, Patrícia Acioli, 47 anos, juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, foi condenada há muito tempo à morte por fuzilamento. No fim da noite desta quinta-feira, quando estacionava seu carro no condomínio onde morava em Niterói, a sentença enfim se materializou. Empunhando armas de calibres 40 e 45 ─ de uso estrito à polícia e às Forças Armadas ─, os carrascos dispararam 22 tiros. Só um errou o alvo. Ninguém tem o direito de surpreender-se. Em janeiro, ao ser capturado no Espírito Santo por ordem da juíza, Wanderson Silva Tavares, vulgo “Gordinho”, chefe de um grupo de extermínio que age em São Gonçalo, levava no bolso uma lista com os nomes de 12 pessoas marcadas para morrer. A presença de Patrícia Acioli na relação renovou a ameaça reiterada incontáveis vezes: se continuasse a julgar com rigor casos envolvendo policiais fora-da-lei, não teria vida longa. Patrícia morreu indefesa e só, como morreram tantos magistrados que tentaram fazer justiça amparados exclusivamente no caráter e na coragem pessoal. Muitos mais morrerão, previne um recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça. Espalhados pelo país, sobrevivem 69 juízes alvejados pela mesma ameaça que acompanhou a passagem pelos tribunais da colega abatida em Niterói. Dos integrantes desse grupo de altíssimo risco, só 42 têm proteção policial permanente. Em vez de concentrar-se na caçada aos matadores, os sherloques de Niterói invocaram a hipótese de crime passional para abastecer jornalistas com informações sobre a vida íntima da vítima. Descobriu-se, por exemplo, que Patrícia manteve uma tumultuada relação amorosa com o PM Marcelo Soubel. Descobriu-se que o casal protagonizou pelo menos duas brigas de acordar vizinho. Falta agora descobrir a identidade dos assassinos. Evidências e indícios veementes conduzem a policiais que escondem sob a farda vínculos com milícias, grupos de extermínio e máfias que controlam frotas de vans. Na sexta-feira e no sábado, em textos publicados nas primeiras páginas dos jornais que traziam a foto do carro esburacado por balas, inúmeros pais-da-pátria manifestaram-se sobre um caso de polícia. A presidente Dilma Rousseff qualificou-o de “acintoso”. Para o ex-presidente Lula, é “inaceitável”. O vice-presidente Michel Temer declarou-se “chocado”. O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos indignou-se com o “abuso”. E todos enxergaram no episódio “uma grave ameaça ao Estado de Direito”. Não, nenhum deles se referia ao caso da juíza assassinada. Dilma, Lula, Temer e Márcio não encontraram tempo para dedicar ao fuzilamento em Niterói uma mísera interjeição de espanto. Eles estão à beira de um ataque de nervos por causa de outra história. Não conseguem parar de pensar no tratamento dispensado pela Polícia Federal aos bandidos de estimação que caíram na malha da Operação Voucher. Já injuriados com as algemas nos pulsos dos larápios federais, os padrinhos se transformaram num copo até aqui de cólera depois das fotos que mostram parte da quadrilha sem camisa e com uma plaqueta de identificação. A julgar pela discurseira, endossada por dezenas de figurões governistas, o Estado de Direito não é ameaçado por policiais que matam juízes, nem pela cleptocracia que Lula pariu e Dilma amamenta. O perigo mora em policiais que ousam prender e algemar assaltantes de cofres públicos sem pedir licença ao Planalto. Pior ainda, também se atrevem a fotografá-los sem antes cobrir-lhes o peito com terno e gravata. Conversa fiada, rebate a nota de esclarecimento divulgada pela Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal. O que os indignados de araque pretendem é destacar o acessório para ocultar o essencial. Querem concentrar os holofotes em argolas metálicas para obstruir a visão dos prontuários do bando. Os padrinhos acham intolerável o que a polícia fez para mostrar os afilhados. O país decente acha intolerável o que eles andaram fazendo. E quer saber o que ainda escondem. “A Polícia Federal é republicana e não pertence ao governo nem a partidos políticos”, ensina no fecho do documento dos delegados a frase de Márcio Thomaz Bastos que o autor tenta agora revogar. Ao executar mandados de prisão sem verificar a carteira de identidade, o CPF e a filiação partidária do capturado, como exige Lula, a Polícia Federal apenas reafirmou que a lei vale para todos. Os agentes fizeram o que sempre fez a juíza Patrícia Acioli. No faroeste brasileiro, fazer a coisa certa ficou perigoso.

MERGULHADOS NO VÍCIO

Se Amy Winehouse fosse um país, ela se chamaria Brasil. A recente prematura e dramática morte da cantora Amy foi um estridente grito de alerta para o nosso nojento vício, e mostrou como o consumo desvairado de entorpecentes pode inebriar, e proporcionar instantes de incontido prazer e deleites orgásticos pontuais, mas levar à ruina, à degradação, à morte moral e à putrefação ainda em vida. Diante do infausto, impõe-se redobrados cuidados. Se não pararmos, ainda sucumbiremos disso. E nossas futuras gerações, também. Nós e milhões de brasileiros estamos nos últimos degraus da decadência humana. Fomos escravizados por prazeres passageiros e palavras enganosas. Os traficantes sabem como somos dependentes, acostumados a injetar nas veias doses letais dos mais variados estupefacientes, e nem ligamos. Acorda, incauto Brasil! Há décadas, embriagados pelos alucinógenos e entorpecidos pela mágica dos populistas, passamos a ingerir pequenas doses que se tornaram cavalares e a viver em outras galáxias, e ficamos viciados em qualquer droga que nos ofereçam. Por falta de opções, fomos degradando, aviltando, e hoje temos que aguentar a droga da metamorfose ambulante, a droga da guerrilheira, a droga do congresso, as arrepiantes decisões do judiciário e os abusos dos estupradores da moral. Tudo, sem um ai. Assim, não há veia que aguente. Em suma, somos viciados em porcarias. Por quanto tempo será possível sobreviver a tanta intoxicação? Percebem-se os efeitos colaterais do entorpecimento, a perda do bom-senso, a falta de honestidade, de dignidade, a falência da indignação e o descaso com todo o tipo de devassidão. Sim, somos viciados e, sem nenhuma ou pouca possibilidade de recuperação. É triste, mas é a pura verdade. Enlouquecidos pelo vício, nada mais importa, nem que a mula manque, o que eles querem é nos rosetar. Reviramos os olhinhos à simples menção “de nunca na história desse País...”, deliramos com as propagandas, nos apegamos às mentiras, pois se o governo anunciou na mídia, passou a ser verdade. Diariamente, somos brindados com novas conquistas, repetitivas inaugurações, com novos feitos. O céu é o limite. Mas quem se preocupa se forem falsos, superestimados, e que bradem que este é o Brasil de todos? O da propaganda sim, o real não. E não nos perguntem o que o desgoverno fará por nós, mas o que faremos por ele. E nós, em uníssono e, totalmente chapados, responderemos felizes, “pagaremos os mais altos impostos do planeta, aplaudiremos promessas e viveremos na doce ilusão, de que afinal de contas, como Deus é petista, tudo vai dar certo”. Vivemos na ilusão dos discursos (até as pregações de Jesus Cristo sofreram recentes reparos), dos foguetórios, engolimos o PAC com sofreguidão, entramos na orgia dos estádios, preferimos templos do esporte bretão às escolas, às universidades, nos alucinamos com corrupções, sonhamos com uma viagem alucinante no trem-bala, estamos, desde já, gastando as riquezas do pré-sal, e a cada manhã, como dose de psicotrópico matinal, aguardamos o escândalo nosso de cada dia. Inapelavelmente drogados, numa alucinação de dar medo, vemos o ex adentrar na ESG para mais um espasmo de populismo. É terrível, é tétrico, pois o gajo, no nosso delírio, é aplaudido de pé, como o Stédile. Sim, é melhor acordar antes que o pesadelo se torne realidade (já é).

domingo, 14 de agosto de 2011

Horror e insensibilidade

Na década de 60, as organizações de esquerda tinham de se esforçar muito para conseguir recrutar dez militantes entre cada cem ou duzentos jornalistas. A lei que tornou obrigatório o curso universitário para o exercício da profissão mudou isso completamente, entregando sucessivas gerações de jovens desmiolados à guarda de doutrinadores e recrutadores bem capacitados. A conversão maciça da classe jornalística ao esquerdismo tornou possíveis fenômenos como o da ocultação geral do Foro de São Paulo e a farsa da eleição presidencial de 2002, um arranjo entre partidos de esquerda, com exclusão de toda oposição possível, celebrado cinicamente pela mídia nacional em peso como uma apoteose da livre concorrência democrática. O STF fez muito bem ao eliminar a pérfida exigência do diploma, armadilha maquiavélica que rebaixou a qualidade dos nossos jornais e reduziu sua credibilidade ao ponto de que hoje eles não vendem mais exemplares do que o faziam nos anos 50, quando a proporção de analfabetos em nossa população era imensamente maior. No entanto, a simples eliminação desse instrumento de seleção ideológica não basta para garantir que um pluralismo de verdade venha a reinar na nossa imprensa. Há meios de controle mais sutis e eficientes do que a imposição legal direta. No seu livro The True Story of the Bilderberg Group (Chicago, Independent Publishers Group, 2009), o jornalista espanhol Daniel Estulin mostra como essa plutocracia globalista, empenhada na construção de uma ditadura mundial, conseguiu se manter oculta desde 1954 até pelo menos 1998, estigmatizando como “teoria da conspiração” qualquer tentativa de revelar sua existência: seus componentes simplesmente compraram todos os grandes jornais e redes de TV dos EUA e da Europa. Isso determinou uma mudança mais profunda das funções do jornalismo do que a maioria da população pode ainda conceber. Como o objetivo da elite globalista é derrubar a economia americana e implantar em cima de seus escombros um novo sistema com moeda mundial unificada, impostos globais e administração burocrática planetária, as notícias, na quase totalidade da mídia, já não são selecionadas por nenhum critério de importância objetiva, mas pelo serviço que prestem à programação mental das multidões, de modo a fazê-las aceitar passivamente mudanças drásticas que em condições normais suscitariam explosões de ódio e revolta. A supressão e a manipulação tornaram-se gerais e sistemáticas, ao ponto de atentar diariamente contra a dignidade da inteligência humana e de transformar os mecanismos eleitorais da democracia num mero jogo de aparências. Quando a elite globalista faz eleger presidente dos EUA um desconhecido, proibindo por todos os meios qualquer investigação séria da sua biografia e reprimindo por toda sorte de ameaças a exigência de que ele apresente seus documentos pessoais, é claro que a noção de “transparência” se transformou numa utopia inalcançável e está instaurado o império do segredo. Quando o indigitado mata um mosquito, compra um cachorro ou brinca de “dama por um dia” nos jardins da Casa Branca, de mãos dadas com a digníssima, o fato é noticiado com imenso alarde em todos os jornais e noticiários de TV, mas até atos oficiais do seu governo, quando arriscam criar alguma resistência, são omitidos por completo ou publicados com discrição que beira o silêncio. O mesmo acontece com inúmeras notícias de importância histórica mundial que, se reveladas, teriam o dom de despertar as multidões do torpor hipnótico que as imobiliza e incapacita. Dificilmente o leitor encontrará nas páginas dos jornais, tão cuidadosamente foi escondida, a notícia de que Kaing Guek Eav, ex-diretor do sistema de prisões no regime comunista do Camboja, confessou ter mandado assassinar sistematicamente milhares de crianças, filhas de prisioneiros políticos, para que não tentassem vingar seus pais depois de crescidas (v. http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE55705320090608). Nada ilustra melhor a natureza do comunismo. Essas crianças não foram mortas acidentalmente por bombas durante uma guerra. Se o fossem, e as bombas fossem americanas, estariam em todas as primeiras páginas como provas da maldade capitalista. Como foram assassinadas deliberadamente, e o foram pelo simples crime de ser crianças, é preciso abafar o horror para que, no mínimo, as massas continuem na ilusão do equivalentismo moral entre os países comunistas e os EUA. Do mesmo modo, as vítimas das FARC e do terrorismo latino-americano em geral, brasileiro inclusive, são meticulosamente excluídas do noticiário, proibidas de entrar no círculo da piedade humana e esquecidas, por fim, como meros dejetos acidentais indignos de atenção. Enquanto isso, a mídia inteira considera normal e aceitável publicar palavras como estas do Dr. Emir Sader: “Há personagens com uma tal estatura histórica que, independente dos adjetivos e de todos os advérbios, ainda assim não conseguimos retratá-los em nada do que podemos dizer ou escrever. O que falar de Marx, que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel? ... O Che é um desses personagens cósmicos.” Num rápido manejo de teclado, criminosos desprezíveis, mentores de Pol-Pot, são elevados às alturas sublimes do indizível, do inefável, do transcendente à linguagem humana. Será exagero chamar isso de idolatria psicótica? Mas mesmo os que não apreciam o comunismo aceitam essa monstruosidade em nome da “diversidade de idéias”, como se a matança deliberada de crianças fosse uma idéia, uma hipótese, um mero jogo acadêmico. A longa convivência com essas enormidades, forçada diariamente pela mídia, dessensibiliza as consciências e as torna incapazes de perceber qualquer diferença entre a santidade e o crime, entre a virtude e a abominação. Na mesma medida e pela mesma razão, a estatura moral das sociedades democráticas vai baixando, e, com a ajuda de milhões de emires sáderes, os Ches e Pol-Pots se aproveitam disso para ostentar mais um pouco da sua infinita superioridade moral, anjos de bondade que pairam no céu, longe do “inferno capitalista”.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A África às avessas

O terceiromundismo, que foi uma invenção de Stálin, acabou por se tornar - e é até hoje - uma das fontes maiores da autoridade do espírito revolucionário, instilando na alma da civilização ocidental um complexo de culpa inextinguível e obtendo dele toda sorte de lucros morais, políticos e financeiros. Subscrita pelos organismos internacionais, alimentada por fundações bilionárias e várias dúzias de governos, trombeteada por incansáveis tagarelas como Noam Chomsky e Edward Said, entronizada como doutrina oficial por toda a grande mídia da Europa e dos EUA, essa ideologia toda feita de mendacidade oportunista acabou por se impregnar tão profundamente na opinião pública que qualquer tentativa de contestá-la, mesmo em tom neutro e acadêmico, vale hoje como prova inequívoca de "racismo". Um de seus dogmas principais é justamente a acusação de racismo, atirada genericamente ao rosto de toda a cristandade por incontáveis exércitos de intelectuais ativistas e, nas últimas décadas, por todos os porta-vozes do radicalismo islâmico. Imbuído da crença na inferioridade congênita dos negros, o homem branco europeu teria sido, segundo essa doutrina, o escravagista por excelência, dizimando a população africana e financiando, com a desgraça do continente negro, a Revolução Industrial que enriqueceu o Ocidente. Tudo, nessa teoria, é mentira. A começar pela inversão da cronologia. Os europeus só chegaram à África por volta da metade do século XV. Muito antes disso o desprezo racista pelos negros era senso comum entre os árabes, como se vê pela palavra de alguns de seus mais destacados intelectuais. Extraio estes exemplos do livro de Bernard Lugan, Afrique, l'Histoire à l'Endroit (Paris, Perrin, 1989): Ibn Khaldun, o historiador tunisino (1332-1406), assegura que, se os sudaneses são caracterizados pela "leviandade e inconstância", nas regiões mais ao sul "só encontramos homens mais próximos dos animais que de um ser inteligente. Eles vivem em lugares selvagens e grutas, comem ervas e grãos crus e, às vezes, comem-se uns aos outros. Não podemos considerá-los seres humanos". O escritor egípcio Al-Abshihi (1388-1446) pergunta: "Que pode haver de mais vil, de mais ruim do que os escravos negros? Quanto aos mulatos, seja bom com eles todos os dias da sua vida e de todas as maneiras possíveis, e eles não lhe terão a menor gratidão: será como se você nada tivesse feito por eles. Quanto melhor você os tratar, mais eles se mostrarão insolentes; mas, se você os maltratar, eles mostrarão humildade e submissão." Iyad Al-Sabti (1083-1149) escreve que os negros são "de todos os homens, os mais corruptos e os mais dados à procriação. Sua vida é como a dos animais. Não se interessam por nenhum assunto do mundo, exceto comida e mulheres. Fora disso, nada lhes merece a atenção." Ibn Butlan, reconhecendo que as mulheres negras têm o senso do ritmo e resistência para os trabalhos pesados, observa: "Mas não se pode obter nenhum prazer com elas, tal o odor das suas axilas e a rudeza do seu corpo". Em contrapartida, teorias que afirmavam a inferioridade racial dos negros não se disseminaram na Europa culta senão a partir do século XVIII (cf. Eric Voegelin, The History of the Race Idea. From Ray to Carus, vol. III das Collected Works, Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1998). Ou seja: os europeus de classe letrada tornaram-se racistas quase ao mesmo tempo em que o tráfico declinava e em que eclodiam os movimentos abolicionistas, dos quais não há equivalente no mundo árabe, de vez que a escravidão é permitida pela religião islâmica e ninguém ousaria bater de frente num mandamento corânico. O racismo antinegro é pura criação árabe e, na Europa, não contribuiu em nada para fomentar o tráfico negreiro. Característica inversão do tempo histórico é o estereótipo, universalmente aceito, do colonialista europeu invadindo a África com um crucifixo na mão, decidido a impor a populações inermes a religião dos brancos. O cristianismo foi religião de negros muito antes de ser religião de brancos europeus. Havia igrejas na Etiópia no tempo em que os ingleses ainda eram bárbaros pagãos. Mais de mil anos antes das grandes navegações, era na África que estavam os reinos cristãos mais antigos do mundo, alguns bastante cultos e prósperos. Foram os árabes que os destruíram, na sanha de tudo islamizar à força. Boa parte da região que vai desde o Marrocos, a Líbia, a Argélia e o Egito até o Sudão e a Etiópia era cristã até que os muçulmanos chegaram, queimaram as igrejas e venderam os cristãos como escravos. Quatro quintos do prestígio das lendas terceiromundistas repousam na ocultação desse fato. À inversão da cronologia soma-se, como invariavelmente acontece no discurso revolucionário, a da responsabilidade moral. Não é nem necessário dizer que a fúria verbal dos árabes de hoje contra a "civilização cristã escravagista" é pura culpa projetada: se os europeus trouxeram para as Américas algo entre doze e quinze milhões de escravos, os mercadores árabes levaram para os países islâmicos aproximadamente outro tanto, com três diferenças: (1) foram eles que os aprisionaram - coisa que os europeus nunca fizeram, exceto em Angola e por breve tempo -; (2) castraram pelo menos dez por cento deles, costume desconhecido entre os traficantes europeus; (3) continuaram praticando o tráfico de escravos até o século XX. O escravagismo árabe foi assunto proibido por muito tempo, mas o tabu pode-se considerar rompido desde que a editora Gallimard, a mais prestigiosa da Franca, consentiu em publicar o excelente estudo do autor africano Tidiane N'Diaye, Le Genocide Voilé (2008), que comentarei outro dia. Mas não são só os árabes que têm culpas a esconder por trás de um discurso de acusação indignada. A escravidão era norma geral na África muito antes da chegada deles, e hoje sabe-se que a maior parte dos escravos capturados eram vendidos no mercado interno, só uma parcela menor sendo levada ao exterior. Quando os apologistas da civilização africana enaltecem os grandes reinos negros de outrora, geralmente se omitem de mencionar que esses Estados (especialmente Benin, Dahomey, Ashanti e Oyo) deveram sua prosperidade ao tráfico de escravos, do qual sua economia dependia por completo. Especialmente o reino de Oyo, escreve Lugan, "desenvolveu um notável imperialismo militar desde fins do século XVII, buscando atingir o oceano para estabelecer contatos diretos com os brancos. Já antes disso, a força guerreira de Oyo, especialmente sua cavalaria, permitia uma abundante colheita de escravos que ela aprisionava ao sul, entre os Yoruba, e no norte entre os Bariba e os Nupê. Tradicionalmente, os numerosos cativos tornavam-se escravos no seio da sociedade dos vencedores. Com a aparição do tráfico europeu, uma parte - mas só uma parte - foi encaminhada ao litoral." Num próximo post mostrarei mais algumas inversões prodigiosas que o discurso terceiromundista opera na história da escravidão africana.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O descobrimento do Brasil foi um acidente de percurso?

No dia 8 de março uma frota composta por 10 naus e três caravelas partiu de Portugal rumo à Índia, onde os portugueses deveriam efetuar transações comerciais – compra, venda e troca de especiarias. No dia 22 de abril, porém, um "acidente de percurso" fez com que a frota desembarcasse no Brasil. Terra à vista? Ou será ilha à vista? Enfim, o que os portugueses avistaram mesmo ao chegar perto do Brasil foi um grande monte, que mais tarde passou a ser chamado de Monte Pascoal. Assim que desembarcaram no Brasil, onde hoje situa-se Porto Seguro, na Bahia, os portugueses foram “recepcionados” pelos índios que rapidamente encantaram-se com os seus metais preciosos. Sem “saber” o que eram realmente aquelas terras, Cabral batizou-as de Ilha de Vera Cruz, e depois que entendeu que se tratava de um continente, chamou-a de Terra de Santa Cruz. No dia 26 de abril, Frei Henrique de Coimbra celebrou a primeira missa em solo brasileiro. Em seguida a frota de Cabral rumou para a Índia, afinal, era para lá que eles deveriam ter ido. Ou será que não? Duas naus, porém, voltaram para Portugal levando a famosa carta de Pero Vaz de Caminha, na qual ele narra detalhadamente como aconteceu o descobrimento, além de outras características da nova terra. E depois, bom, depois os portugueses voltaram e encontraram o glorioso pau-brasil, do qual passaram a extrair uma valiosa tinta vermelha que futuramente passou a ser comercializada em toda a Europa. E, em homenagem, a terra passou a chamar-se – Brasil. Isso é o que você aprendeu nas aulas de história. Mas será que a história do Brasil é só isso? Será que não existiam outros habitantes nessas terras, nativos ou não? E será que os portugueses foram levados pelas “correntezas” e caíram justamente em frente ao nosso maravilhoso litoral, ou será que de “portugueses” eles não tinham nada e apenas vieram tomar posse oficialmente de algumas terras? Não existem documentos oficiais, mas diversas teorias rondam o descobrimento do Brasil. Leia agora alguns fatos “interessantes” sobre o descobrimento do Brasil...e tire as suas próprias conclusões. Outras teorias sobre o descobrimento do Brasil Tudo indica que os portugueses já sabiam da existência de nossas terras, antes de Cabral passar por aqui. Muito provavelmente, o Brasil não foi descoberto em 22 de abril de 1500, e sim, tomado posse. Eis alguns indícios: - Vasco da Gama, após a sua gloriosa ida às Índias, voltou para Portugal em julho de 1499. Melhor do que as especiarias que ele trouxe na mala foi o fato de que ficou comprovado na prática que, assim como na Índia, novas terras poderiam ser alcançadas pelo mar. Ou seja, o planeta terra poderia transformar-se em um imenso comércio (será que já havia indícios de globalização nesta época!?). E Portugal era um dos poucos países europeus com saída para o Atlântico. Antes mesmo de seu retorno, diz a história que Vasco da Gama já havia registrado em seu diário de bordo, algo em torno de 1497, que existiam terras americanas, comunicando o rei de Portugal, D. Manuel, assim que retornou à Portugal. - Cristóvão Colombo, ao descobrir a América em 1492, sugeriu em seus manuscritos, a existência de outras terras ao sul da República Dominicana. - Alguns anos antes de Cabral aportar por aqui, mais precisamente em 1494, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas. Naquela época os navegadores espanhóis e portugueses eram considerados os melhores do mundo e a briga entre eles pela posse das novas terras estava se acirrando. Através do Tratado foi traçada uma linha imaginária que passava a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde (colônia de Portugal), dividindo o mundo em duas partes iguais. As terras descobertas do lado esquerdo (oeste) seriam da Espanha, enquanto que as terras descobertas do lado direito (leste) seriam de Portugal. E o Brasil, bem o Brasil (e o seu imenso litoral) ficava coincidentemente no lado dos portugueses. Sendo assim, as terras já estavam no mapa e pertenciam à Portugal. Bastava então estudar as correntezas, as rotas e as condições climáticas, para que fosse possível encontrar as tais terras e ... tomar posse, garantindo o domínio de Portugal. - Tudo indica que o primeiro português a pisar em solo brasileiro, não foi Cabral, e sim Duarte Coelho, pessoa de extrema confiança do rei D. Manuel e considerado um gênio em navegação e astronomia, naquela época. Coelho descobriu o Brasil no final de 1498, a mando do rei. O grande problema foi que Duarte Coelho acabou desembarcando entre o Maranhão e o Pará, em terras pertencentes à Espanha, de acordo com o Tratado de Tordesilhas firmado em 1494. Dessa maneira, quando retornou à Portugal, o rei pediu que a missão ficasse em sigilo e que, enquanto isso, fosse preparada uma nova missão que deveria alcançar o Brasil em outro ponto, em terra pertencente à Portugal. Naquela época havia uma cláusula no Tratado de Tordesilhas que obrigava Portugal e Espanha a comunicarem ao outro a descoberta de terras alheias. D. Manuel preferiu ficar quieto e não dar munição ao seu concorrente. - A carta escrita por Pero Vaz de Caminha é uma verdadeira certidão de nascimento do Brasil. Nenhum outro país foi descrito com tantos detalhes no momento de seu descobrimento. Mas, não se divulga o porquê, Caminha escreveu sobre cada detalhe do Brasil, muito provavelmente para dizer “sim, nós estivemos aqui e o Brasil é nosso”. - Outro mistério ronda essa mesma carta. Caminha descreve a vista do Monte Pascoal, como sendo um monte com “serras mais baixas ao sul”. Essa visão só seria possível se os portugueses estivessem navegando do Sul para o Oeste, como se estivessem subindo o litoral brasileiro. Ao contrário, se eles tivessem realmente descoberto o Brasil por acaso, a visão do Pascoal seria completamente diferente, já que eles estariam navegando em direção Norte – Oeste. - Não é possível comprovar, porém relatos de historiadores narram a existência de “pirataria” em solo brasileiro antes mesmo da chegada dos portugueses. De acordo com os relatos, alguns deles publicados no livro, Náufragos, Traficantes e Degredados, de Eduardo Bueno, os espanhóis, franceses e ingleses já haviam estado por aqui e a pirataria era uma prática bastante comum entre eles. - E, bem, se não bastasse tudo isso, vale lembrar que já tinha gente por aqui, antes mesmo de portugueses, espanhóis, franceses ou ainda ingleses. E além de gente, essa terra também já tinha um nome: Pindorama. Os índios, quase 2 milhões apenas no Brasil naquela época (de acordo com estudos realizados pelo antropólogo Darcy Ribeiro), pertenciam às tribos tupi-guarani (Litoral ), macro-jê ou tapuia (Planalto Central ), aruaque e caraíba ( Amazônia ) e gentilmente chamaram as terras brasileiras de Pindorama, em referência às palmeiras existentes por aqui. Quem foi Pedro Álvares Cabral? Apesar de seu porte físico invejável (Cabral tinha cerca de 1,90 m de altura enquanto que a maioria dos portugueses não passava de 1,65 m), Pedro Álvares Cabral não entendia muito bem de navegação. Apesar de não ter vindo de origem muito nobre, Cabral casou com uma das herdeiras de uma família bastante rica de Portugal, Isabel de Castro. Mesmo não entendendo muito de navegação, Cabral era um chefe militar e o rei achou “prudente” escalá-lo para comandar a expedição que teria como missão “oficial” estabelecer uma feitoria comercial na cidade de Calecut, na Índia. Naquela época Cabral tinha 33 anos de idade. Em sua viagem Cabral fez história – “descobriu” o Brasil e estabeleceu a tal feitoria que, mais tarde, foi atacada por muçulmanos que acabaram matando muitos portugueses, entre eles, Pero Vaz de Caminha. Cabral retornou à Lisboa em 31 de julho de 1501 e, em virtude de um desentendimento entre ele e o rei, nunca mais foi enviado para missão alguma. Bibliografia BITTENCOURT, Circe. Dicionário de Datas do Brasil. 1. ed. São Paulo, Contexto 2007. BUENO, Eduardo. A Viagem do Descobrimento, 1. v. Rio de Janeiro, Objetiva, 1998. Coleção Terra Brasilis. ______. Náufragos, Traficantes e Degredados, 2. v. Rio de Janeiro, Objetiva 2006, Coleção Terra Brasilis. VENÂNCIO, Adriana et alli. História e Geografia do Brasil. 1. ed. São Paulo, Editora Escala Educacional, 2004, Coleção Conhecer e Saber