"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

domingo, 21 de agosto de 2011

Kafka e o poder

Absurdo, perplexidade e indignação, estão presentes na literatura de Franz Kafka. Li O Castelo quando era adolescente e conforme ia adentrando nos meandros da trama, fui ficando angustiada com o drama de K. Hoje ao relê-lo, volto perceber o quanto o autor foi profundo em sua ficção. K é chamado a realizar um trabalho num castelo, mas não consegue chegar a ele: uma muralha humana protege o castelo de forma a não permitir intrusos. A comunicação favorece contraditórias interpretações, tanto pelos habitantes da aldeia quanto pela burocracia, escudo e proteção da incontestável autoridade. Diálogos desencontrados, fraudes e imposturas, desafiam o personagem o tempo todo. O prefeito expõe a desordem da administração: K foi vítima de um erro e ninguém se responsabiliza por ele. Através de ações aparentemente sem sentido, há um poder ao qual todos se curvam. O Castelo é uma metáfora? A interpretação mais corrente é a existencialista. Interessa mais, a habilidade kafkaniana em cativar o leitor na tarefa de se identificar com o personagem, numa empatia com circunstâncias inexplicáveis que desafiam a razão e que se abatem sobre o indivíduo como uma sentença. A aldeia é servil e hierarquizada: senhores e camponeses, reverência e medo à autoridade dominante. Entretanto a burocracia é moderna em meio a processos, instâncias de controle, repartições públicas e serviços administrativos compartimentados, com uma autoridade impessoal, distante e poderosa. Há um abismo de diálogo com a sociedade. Um staff de privilegiados ditam regras que a todos controlam. A vida privada está entrelaçada com a vida pública numa fusão de submissão e cumplicidade, sendo que K tem contato com esta dominação ao ser atingido em sua dignidade, por ela. Diante de abusos de poder e de corrompidos códigos de conduta ele move-se por um ideal de justiça. Vencido pelo sistema ao experimentar situações-limite, K persevera. Ele quer o que lhe foi prometido e o que lhe é de direito. A expectativa que não se concretiza, o indivíduo diante de uma meta inatingível, é a fórmula de sucesso deste clássico. O conteúdo inconfundível da obra de Kafka nos lança uma reflexão sobre as situações sem saída: não há o que se aprender com elas. No meio do labirinto, a única meta é sair dele.

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