"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

IN MEDIO VIRTUS

A consciência de pertencer ao meio da sociedade torna-se um fardo diário, muitas vezes difícil de ser carregado. A grande característica da classe média é justamente agir como se estivesse acima desta grande mediocridade cotidiana, que transborda por todos os lados e lares. Os adolescentes medianos se acham especiais, assim como os pais destes adolescentes. E das crianças, pensam que tudo podem, basta sonhar e tentar. Mentira. Engano. Hipocrisia. Ilusões. Disso consiste a classe média. Mas por que então as sociedades de classe média são aqueles que mais se desenvolvem, que mais longe vão? Quem diria, por exemplo, que não é os EUA, aquela que ainda é a maior e mais importante potência do mundo, essencialmente um país de classe média? E a Europa de hoje, ainda que combalida, não constitui uma sociedade de pessoas que vivem próximas à média? Não estaria a pujança da China, da Índia, do Brasil e da Rússia, os Brics, justamente na ascensão de suas classes médias? O fato é que, corroborando o provérbio latino, a virtude, ao menos do ponto de vista econômico, realmente parece estar no meio, ou nas classes médias, essa classe a qual pertenço eu e a maioria absoluta de meus leitores. Nós, que fomos e somos medianamente educados, compomos a classe que sempre aspira mais. Todos nós pensamos estar acima da mediocridade que insiste, entretanto, em nos rodear. Estamos, estatisticamente falando, mais próximos da plebe, do vulgo, daquela multidão indiscriminada a que chamamos povo, do que imaginamos. Na verdade, nós somos o vulgo e a plebe. No fundo, as classes média urbanas, os white collars, que largaram para trás os cortiços e a roça e se refugiaram nos subúrbios e nos condomínios, que levam uma vida baseada num trabalho pretensamente intelectual, de alto nível, significativamente qualificado, não passam no fundo de peões de estância que desejam um dia ser fazendeiros, ou de pedreiros assentadores de tijolos que desejam ser os donos dos prédios que constroem, nem que seja através de nossa continuação, nossos filhos. Este desespero pela ascensão social é o que torna a classe média tão importante para economia de um país. A média deseja ascender, quer o topo, nem que seja apenas no futuro, através de seus herdeiros. Para tanto, faz hora extra, paga colégios caros, dedica anos e mais anos de estudo em busca de diplomas e certificados para se tornar mais e mais produtivo. A classe média nutre um fascínio tão grande pela elite, pelos bens de consumo da elite (ou daquilo que se imagina ser a elite), que para se diferenciar dos "outros", dos medíocres, passa a consumir estes produtos, ou ao menos a consumir produtos que pareçam da elite. Por isso a classe média deseja tanto ter um carro maior e mais novo, uma casa maior e mais confortável, uma geladeira maior e mais eficiente, ou ainda um estilo de vida cool, sustentável. O desejo de se diferenciar dos demais nos torna a todos tão iguais, morando em casas e apartamentos iguaizinhos em quaisquer lugares de quaisquer grandes cidades. Este desejo que leva a multiplicação sobrados, casas geminadas, subúrbios ajardinados com portaria 24 horas, ou ainda torres e condomínios clubes. O sonho de "chegar lá" é o que as pessoas a dedicaram horas cada vez mais longas de sua vida, de sua jornada de trabalho e de seu lazer para mostrar a todos os outros que é diferente da média e, quem sabe por meio de seu carisma pessoal, cativar a elite (real ou imaginária) que nos despreza e poderá nos auxiliar em nosso processo de ascensão social. Às vezes isso realmente acontece, e um pobre diabo, vindo de uma família miserável torna-se rico o bastante para "dar as cartas". Isso só reforça e alimenta a competitividade na base da pirâmide que é composta pela classe média. De certo modo, a grande diferença entre esta categoria de pessoas de renda intermediária e os mais pobres, os derrotados, não é uma questão de conta bancária, de patrimônio ou de bem-estar: a grande diferença é a determinação por lutar. Um país de pobres resignados é uma sociedade em que os indivíduos e as famílias não saem do lugar, porque sabem, ou julgam saber, que não importa o quão grande seja o esforço, nunca sairão de onde estão. Os verdadeiramente pobres estão resignados com a vida que levam, satisfeitos com suas parcas posses e conhecimentos. Não buscam fama, não buscam publicidade. Os verdadeiros pobres vivem, no fundo, numa espécie de relativa paz, assombrada apenas pelo fantasma da fome. Mas os pobres estão acabando, pelo bem da economia da nação, pelo aumento da produtividade e (por outro lado) para o azar dos defensores dos "recursos naturais" ou, empregado uma terminologia mais romântica e menos produtivista, da "mãe natureza". O fim da pobreza traz consigo o fim da paz de espírito de milhões, bilhões de pessoas, que entram neste circuito competitivo que é o mercado de trabalho das sociedades capitalistas, modernas, avançadas e democráticas. A redução da pobreza material e a disseminação da publicidade da vida boa, da vida das elites, rodeada de pessoas bonitas, inteligentes, ricas e ociosas, tornam insuportável a sensação de ficar para trás, e move toda a sociedade em busca deste sonho, deste desejo, por mais que ele não seja realizável aqui, agora, ou nunca. Este meu texto, longe de expressar uma indignação ou uma consciência superior deste fato, é um truísmo, uma repetição da verdade que todos nós conhecemos e fingimos ignorar. Toda a classe média se acha especial, diferente, bonita, quase rica, desprovida de preconceitos, mente aberta, prafrentéx e tudo mais. Eu não sou diferente. Às vezes me acho genial, mesmo sabendo que sou apenas mais um número nesta grande corrida pelo segundo lugar, para receber a bênção de alguém que irá finalmente reconhecer o meu valor e (Quem sabe? Por que não?) permitir que eu faça parte de alguma elite iluminada. No fundo, eu também sei que eu não sou tudo isso, e que provavelmente meu destino se encontra em algum subúrbio de alguma grande ou média cidade, com um financiamento (carnê é de pobre e hipoteca coisa de americano), dois ou três filhos que em breve serão minha única esperança final de ascensão social. Ou, quem sabe, um dia eu finalmente encontre a resignação, saiba exatamente quem eu sou e onde estou, e abandone toda a pretensão de me diferenciar da massa e viva um dia de cada vez, com a única certeza de que um dia uma catástrofe, acidente ou outro inimigo qualquer (vírus, bactérias, genes ocultos), levarão minha vida, retornando ao pó de onde vim. Por isso, por esta esperança dúbia, de um dia ascender ou de um dia me conformar, repito, de modo ambíguo, o título deste texto: in medio virtus.

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