"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

domingo, 4 de dezembro de 2011

ESPANHA: DIREITA, VOLVER!

A alternância de poder (sempre e tão almejado objetivo que motiva, mobiliza e dá sentido a todas as verdadeiras democracias do mundo) soprou em rajadas neste fim de semana sobre terras de Espanha, no quase início de inverno europeu de 2011. A imprensa brasileira, mobilizada de uma maneira geral em torno da pacificação da Rocinha, no Rio de Janeiro, ou do xaveco do ministro Carlos Lupi, em Brasília, parece não ter-se dado conta ainda a intensidade da tempestade política e econômica que vem do outro lado do Atlântico. No continente à beira de um ataque de nervos que ameaça contaminar outras terras e outras regiões do planeta (atenção Dilma Rousseff e PT), milhões de eleitores do país de Dom Quixote (viva Cervantes!) foram às urnas no domingo (19), trazendo surpresas de arrepiar. A começar por uma virada de quase 180 graus da esquerda para a direita. A vitória esmagadora do conservador do PP, Mariano Rajoy, sobre os socialistas e aliados da esquerda de José Luiz Zapatero, no comando do país há quase uma década foi algo quase inimaginável há anos, quando andei nas ruas e avenidas monumentais de Madri pela última vez. Era abril de 1998, começo de primavera na Europa em tempo de apogeu do milagre econômico espanhol. Madri, como a Buenos Aires do tango de Gardel, exibia-se outra vez florescente, bonita e aberta para o mundo. "Uma capital ensolarada, festiva e em obras", como proclamavam eufóricos seus principais jornais e emissoras de TV. Otimismo borbotava por todos os poros. Os diários e revistas semanais em geral, mas principalmente as redes de TV, não cansavam de mostrar imagens dos múltiplos e imensos canteiros de obras de uma capital e de um país a quase pleno emprego, paraíso de poderosos grupos financeiros e das grandes empreiteiras da construção civil a pleno vapor. Tudo começava já no monumental aeroporto de Barajas, que acabara de ser ampliado e de passar por ampla reforma modernizadora bilionária em todas as instalações. Ali desembarquei, em viagem de estudos com uma turma do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da PMRO. Vinha à Espanha depois de viver intensamente dias muito agradáveis em Lisboa, naquele ano em que nosso irmão europeu e sua capital vivia a experiência da Feira Internacional. Portugal e sua principal vitrine urbana, política e social, até importavam na época profissionais de nível superior, sem emprego em seus países do leste europeu, para trabalhar na capital lusitana. Ambiente bem diferente da cidade tensa e tumultuada por protestos que os noticiários exibem quase diariamente neste tempo de crise braba. No embarque para Madri, um primeiro sinal de alerta: os encarregados da Imigração no principal aeroporto lisboeta, aos berros e caras de poucos amigos, me mandaram abrir o cinturão que segurava as calças, tirar sapatos e meias, e ficar de braços abertos como espantalho em roça de milho no sertão baiano, para a revista em regra. Na chegada à Madri, menos de duas horas de vôo depois, a recepção dos sonhos de qualquer turista em suas viagens. Um aeroporto quase novinho em folha, apinhado de gente, com todas as conquistas da moderna tecnologia funcionando para facilitar e amenizar a vida do cidadão viajante, em lugar de atazaná-lo com suspeitas e burocracia invencíveis. Nem ao menos um cara daqueles renitentes para conferir se a bagagem que você está levando é a sua mesmo. E estamos na Espanha de 1998, antes da primeira e esmagadora vitória da esquerda nas eleições para o Parlamento, que levaria Zapatero ao comando do poder, onde se manteria por longo período até a crise chegar, corroendo o prestígio desgastado até o final melancólico de uma era que se proclamou neste domingo espanhol. Ateu gaúcho que acredita em milagre vibrava com as imagens e o otimismo que borbulhavam em minha volta naquele tempo. Meu lado cético, no entanto, pontuava como uma espécie de permanente e vigilante consciência crítica a soprar nos meus ouvidos: "Isto é muito bonito, mas não me cheira bem. Não sei explicar o motivo, mas algo me diz que alguma coisa está fora da ordem ou de controle por aqui". É sobre isso que reflito agora nestas linhas, após a eleição que promoveu a virada histórica na Espanha neste final de 2011. Treze anos depois de passar pela "Espanha socialista", leio agora em um dos principais diários europeus: "Mariano Rajoy Brey, 56 anos. Galego da gema, conservador nascido em Santiago de Compostela em 1955 no seio de uma família de políticos, presidente e candidato do Partido Popular, foi eleito primeiro-ministro de Espanha Quem diria? Direita, volver! Mas ainda assim, viva o voto popular e viva a alternância de poder na Espanha.

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