"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

domingo, 16 de agosto de 2009

O BRASIL E A FOBIA À CIÊNCIA

Os países latino-americanos, o Brasil entre eles, carregam uma triste herança vinda da Ibéria. A profunda hostilidade à ciência desencadeada nos tempos da Contra-Reforma católica (1534-1590) colocou o conhecimento científico sob desconfiança das autoridades clericais e seculares. Creditaram-no como obra do mal, prejudicial à fé do bom cristão e à boa ordem das coisas. Da tolerância à desconfiança Ainda até a metade do século XVI, a Igreja Católica Romana era condescendente com os progressos da ciência. Tanto assim que Nicolau Copérnico, que atacou o sistema geocêntrico de Ptolomeu, ofereceu em 1543 o seu projeto “Sobre as Revoluções” ao Papa Paulo III. Outros pontífices, por igual, revelaram-se entusiastas das pesquisas sérias que lhes chegavam às mãos ou aos ouvidos. Não viam nada de mal naquilo. Todavia, com o recrudecimento da Reforma Protestante, movimento que se espalhou por todo o centro-norte da Europa, foi-se a tolerância. A reação da Igreja Católica ao desafio lançado por Lutero e de Calvino foi desencadear a Contra-Reforma. Tendo-se reagrupado no Concilio de Trento (1545-1585), o Papado aparelhou-se para uma guerra teológica e material de longa duração na qual não só reforçou a Eucaristia contra a Heresia, recriando o Tribunal do Santo Ofício, como assumiu extremos cuidados em relação aos cientistas, colocados sob a mais rigorosa vigilância. Os que suspeitassem dos dogmas da fé seriam considerados “inimigos de Cristo.”, quando não braço auxiliar do Demônio. O caso mais célebre deu-se com Galileu Galilei, forçado, depois de submetido à tortura, a retratar-se frente a um Tribunal da Inquisição, em 1633, ocasião em que abjurou da sua afirmação de que a Terra se movia. Os reinos ibéricos e a ciência A desgraça dos latino-americanos em geral, sob o ponto de vista do avanço do conhecimento científico, foi que os Reinos Ibéricos, da Espanha e de Portugal, nossos colonizadores, tornaram-se os campeões da Contra-Reforma. Desde aquela época nada mais de relevante se inventou por lá, e pouco menos por aqui. De inúmeros os modos, por quase quatro séculos, as autoridades eclesiásticas, apoiadas por seus aliados nos governos e instituições, impediram que prosperasse o que Gaston Bachelard denominou de “a formação do espírito científico”, criando um sem número de obstáculos para bloquear o surgimento de um pensamento laico. Tanto assim que as verbas estatais ou privadas dedicadas ao aparelhamento dos laboratórios e ao estimulo das pesquisas sempre foram magras frente aos gastos bacharelescos. Certa vez, constrangido e embaraçado pela sua Espanha não produzir um só nome de porte naquela área tão importante para a evolução humana, o filósofo Miguel de Unamuno, falecido em 1936, esbravejou: “Deixe que os outros inventem!”. Ao colocar a natural curiosidade humana como perigosa para a fé cristã e para os dogmas da Igreja, a ciência viu-se condenada, por vezes, a ser uma atividade subversiva, somente aceita se tolerada pelo Colégio dos Cardeais (que, certamente não entendiam nada de ciência). Enquanto o único Prêmio Nobel da área médica até hoje recebido por Portugal foi dado ao psicocirurgião Dr.Egas Muniz que havia inventado a lobotomia, uma técnica operatória que paralisava parte do cérebro humano (sic), os países de formação protestante ficaram ao longo do século XX com 80% das vitórias nas áreas científicas. Continua o mesmo Ainda assim, com toda esta defasagem, o mundo neo-ibérico continua o mesmo, o que de certo modo explica a sua total subordinação presente frente ao mundo anglo-saxão. Há bem pouco tempo no sul do Brasil, milícias de pobres diabos mobilizados pelo baixo clero gaúcho e por extremistas da esquerda, como que revivendo os idos da Idade das Trevas, atacaram centros de experiência com transgênicos e invadiram hortos com plantas de eucaliptos. Um outro grupo, ainda anônimo, tocou fogo num laboratório de pesquisas biológicas da UFRGS. Faziam eco às destruições patrocinadas na França, país que também sofreu os efeitos da contra-reforma, pelo militante José Bové que liderara a vandalização de canteiros de arroz. No Brasil, aspirando neste mesmo clima reacionário do contra-reformismo tardio, ninguém menos do que o ex- procurador-geral da República, e não um beato fundamentalista qualquer, manifestou num parecer a sua inconformidade contra a interrupção da gravidez de um feto anancefálico (sem cérebro), como também, pouco depois, questionou a constitucionalidade da experiência com as células-tronco, o que levou a que o Supremo Tribunal Federal servisse de palco para uma das tantas batalhas entre a ciência e a religião (vencida desta feita pela primeira por 6 votos contra 5). Embate bem sucedido que foi fundamental para restabelecer a esperança na recuperação de doentes desenganados, mas que apontado pelos apóstolos do medievo e seus representantes laicos como uma das mais visíveis intromissões de Satanás na nossa santa vida.

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