Nestes
dias em que os políticos do Partido dos Trabalhadores passaram a lamber uns aos
outros,em comemoração pelos dez anos no poder, é o caso de perguntar: além da
farra com dinheiro público, além do fim da corrupção como crime para se
converter em ato de esperteza, o que mais eles estão festejando?
Nesses
dez anos eles conseguiram praticamente quebrar a Petrobrás, que era uma das
empresas mais sólidas do mundo; reduzir o desenvolvimento do País a níveis
inferiores aos do Paraguai e da Bolívia; fazer crescer a inflação, que fora
zerada por Fernando Henrique Cardoso; e aumentar a carga tributária a
praticamente 40% do produto interno bruto (PIB).
Em
nenhum outro país do mundo a venda de remédios sofre carga de impostos tão alta
como no nosso. Os bens duráveis de consumo, afetados pela mesma carga
tributária, custam muito mais do que nos outros países. E os preços são tão
absurdos que os brasileiros ficaram viciados em viagens ao exterior apenas para
comprar.
Bilhões
de dólares de brasileiros engordam a economia americana todos os anos porque os
produtos lá vendidos custam muito menos do que aqui, no Brasil. Isso ocorre
exatamente no momento em que os petistas aparecem rindo nas fotos. Rindo de
quê? Com certeza eles estão rindo de nós e da farra que fizeram nesses dez anos.
Quando
Tancredo Neves, com sua habilidade e seu maneirismo, conseguiu eleger-se
presidente, arrebatar a Bandeira brasileira das mãos dos militares e devolvê-la
a todos nós, ficou a impressão de que o País teria mais sorte e melhor rumo.Mas
com o seu trágico falecimento e a posse do biônico José Sarney na Presidência
da República, ficou desmentida a ideia enganosa de que Deus é brasileiro. É
nada, deve ser suíço.
O
lado pior e mais trágico que surgiu nos últimos dez anos foi deixar
transparente que é possível cometer na vida pública os mais graves crimes e
nada acontecerá. Corrupção, peculato, formação de quadrilha e outros hediondos
crimes contra a administração pública foram praticados em grande escala e até
agora não se viu um único infrator sendo levado para detrás das grades.
Algumas
semanas atrás o mundo teve conhecimento do exemplo invejável da Justiça
inglesa, que condenou e determinou a imediata prisão de um figurão da política
que cometera infração de trânsito, mas para não ter a imagem afetada
publicamente fez sua mulher assumir a responsabilidade pela transgressão. Isso
foi descoberto somente dez anos depois, mas, mesmo assim, a Justiça inglesa não
perdoou e ele foi direitinho para atrás das grades.
Qualquer
pessoa que tenha sentimento de justiça logo perceberá como nós estamos a
milhares de anos-luz dessa exemplar conduta.
A
ausência de punição tem sido característica marcante em nosso país. Nos últimos
tempos, porém, a impunidade assumiu feição muito mais grave, porque os delitos
praticados por altos figurões da República continuam à espera de execução da
pena. Realmente, ainda que tenham sido condenados pelo Supremo Tribunal
Federal, a condenação permanece destituída de eficácia e isso propaga a ideia
de que poderosos nunca vão para a cadeia.
Dá
para imaginar o que a Justiça inglesa teria feito com José Dirceu, José
Genoino, João Paulo Cunha e outros aos quais o linguajar policial atribui terem
a "mão cabeluda"? Por incrível que pareça, eles talvez apareçam
perante boa parte da população brasileira como pessoas dotadas de invejável
esperteza, porque, afinal, a despeito da "mão cabeluda", continuam
por aí, sempre aparecendo e rindo nas fotos. Julgados e condenados, são
verdadeiros exemplos da ineficácia do nosso sistema jurisdicional.
A
Justiça brasileira, infelizmente prisioneira de entraves processuais que
herdamos dos romanos, ainda não conseguiu a eficácia e a praticidade da de
ingleses e norte-americanos. Estes sabem de sobra que o exemplo da punição
influi na redução da criminalidade muito mais do que qualquer repressão
policial.
Os
políticos do Partido dos Trabalhadores que comemoram os dez anos de governo com
certeza não farão nenhuma referência ao fato de o Brasil figurar nos índices
internacionais de desenvolvimento humano em 84º lugar e que continuamos a ser
um dos campeões mundiais de analfabetismo, além de nossa mortalidade infantil
persistir como problema a ser resolvido.
Com
a entrada em vigor do Plano Real, em 1994, praticamente zerada a inflação, o
dinheiro passou a valer mais e isso beneficiou, sobretudo, as pessoas mais
pobres, que foram gradativamente inseridas no processo capitalista de
consumo.Essa melhora, contudo, não foi suficiente para tirar da pobreza alguns
milhões de brasileiros, que continuam na linha da miserabilidade e, portanto, é
mesmo necessário que recebam atendimento do governo, com a distribuição de
recursos.
Essa
doação de dinheiro público, todavia, não poderia ter a feição lamentavelmente
adquirida de subterfúgio político destinado a angariar votos e prestígio
eleitoral. Quem doa dinheiro público deveria ter no próprio gesto de doar a
recompensa, e não a esperada resposta de apoio e votos.
O
poeta de origem árabe Khalil Gibran, com lirismo e profundidade, ensinou:
"Há aqueles que doam e não sentem dor ao doar, nem buscam alegria, nem
doam pensando em virtude.Eles doam como no longínquo vale o mirto exala sua
fragrância no espaço. É através dessas mãos que Deus fala, e é por detrás de
seus olhos que Deus sorri sobre a Terra".
Seria
um invejável gesto de grandeza a distribuição de recursos públicos aos mais
sofridos se tal conduta não estivesse marcada por interesses pessoais, por isso
mesmo mesquinhos, de feição eleitoral. Quem doa buscando o reconhecimento
talvez não perceba que essas dádivas se tornam corruptas.
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