Há temas que, por sua
magnitude e transversalidade, perpassam diversos outros, que aparentemente lhe
são estranhos. É o caso da renúncia do papa Bento 16.
À parte as numerosas
teorias da conspiração que a mídia mundial quis lhe atribuir, indiferente às
explicações que ele próprio deu, constata-se que o entendimento do tema está
contaminado por um despropósito: o conflito ideológico direita x esquerda,
modernidade x ortodoxia. É intolerável que assim o seja - mas é.
Tal reducionismo, que
chegou ao interior da Santa Sé, há muito inferniza a vida política e econômica
dos países e se faz fortemente presente na América do Sul e, em especial, no
Brasil.
Se já é uma distorção
em relação aos países, impensável é que se tente estendê-la à religião.
Não existe religião
progressista. Esse termo, altamente questionável na sua essência, não se aplica
a uma instituição que tem por missão exatamente conservar um legado que se
pretende eterno.
É, pois, uma
contradição em termos classificar um religioso de moderno ou reacionário. São
categorias estranhas ao tema.
No Ocidente cristão,
ninguém é obrigado a ter uma religião. Se a tem, deve aceitar seus
pressupostos; se não a tem, não faz sentido pretender moldá-los, menos ainda a
partir de paradigmas que lhe são inteiramente alheios.
A terminologia
direita-esquerda surgiu na Revolução Francesa, no fim do século 18, quando a
Assembleia Nacional ganhou assento na Sala do Trono. O representante da
aristocracia sentava-se à direita do rei; o da Assembleia, à esquerda.
Marx valeu-se desse
simbolismo para atribuir à esquerda as questões de interesse popular e à
direita os da elite dominante.
Quem dera fosse tão
simples. Discutir temas como economia, ambiente e até valores morais a partir
desses pressupostos conspira contra o bom-senso e a eficiência.
Por que, por exemplo, a
economia de mercado seria de interesse apenas da elite se é ela, comprovadamente,
a que gera riquezas e, por extensão, empregos a todos os segmentos sociais?
Não há um só país que,
ao adotar o socialismo, tenha erradicado a pobreza ou melhorado a vida do povo.
Países que embarcaram
nesse equívoco - e a Rússia é o exemplo mais evidente - saíram ainda mais
pobres. Não obstante, a esquerda fez de temas como justiça social, direitos
humanos e até defesa do ambiente sua reserva de mercado.
A história registra
algo em torno de 100 mil cubanos mortos na sequência da Revolução Socialista,
num país que, à época, tinha aproximadamente 8 milhões de habitantes. Foram
cerca de 17 mil fuzilamentos e mais 80 mil assassinados em tentativas de fuga.
A ditadura chilena de
Augusto Pinochet contabiliza cerca de 40 mil opositores tombados -menos da
metade dos cubanos - e as estatísticas oficiais falam em cerca de 3.200 mortos
e desaparecidos. No entanto, Pinochet é um monstro (e não discordo disso),
enquanto Fidel Castro é, na visão de alguns, um herói. O que os diferencia? Um
é de "direita" e o outro de "esquerda". Os dois são
detestáveis.
Na questão do ambiente,
a contradição é ainda mais berrante. Conspira-se contra o produtor rural, em
meio a uma demanda mundial por aumento na produção de alimentos.
A ONU (Organização das
Nações Unidas) avisa que, se a produção não aumentar 20% nos próximos dez anos,
haverá escassez. E o Brasil é peça-chave nesse processo.
Mas a esquerda
-sobretudo a ambientalista - insiste em demonizar o produtor rural. Arvora-se
como única e legítima defensora dos direitos do povo, mas defende inocentemente
a fome... do povo.
Esquerda e direita são,
na verdade, um outro nome para extremismo e radicalismo irracionais, que já
causaram muito desastre e muita dor à humanidade. Devem ser motivo de horror, e
não de orgulho para quem quer que seja.
Como supor, no
cristianismo, um sacerdote ou um pastor esquerdista se no Apocalipse de são
João está dito que os justos sentarão à direita do Pai e os condenados à
esquerda? Por aí se vê o despropósito dessa terminologia, sobretudo no âmbito
religioso.
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