"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

AS CORRENTES CORROMPIDAS

Na lista que faz de coisas das quais a morte o livraria, Hamlet inclui the laws delay, a demora da lei. A indolência da justiça daquele tempo já fazia as pessoas pensarem em suicídio, portanto não sejamos tão impacientes com a nossa.
Hamlet, na sua dúvida entre ser ou não ser, só não se mata de medo do que encontraria no país desconhecido da morte, do qual nenhum viajante jamais voltou. Prefere não trocar desgraças conhecidas por pavores novos.
Outro personagem da peça, o rei usurpador Claudius, também teme o que o espera do outro lado, mas por outra razão. Ele matou o irmão e ficou com as suas duas coroas – seu reino e sua viúva – e sabe que a justiça que certamente receberá no céu não é tão maleável quanto a da Terra. No solilóquio em que prevê a condenação da sua alma, Claudius lamenta que ela não terá o mesmo privilégio que ele tem em vida, e faz um resumo deste seu poder:

“Nas correntes corrompidas deste mundo
A mão cheia de ouro do ofensor compra a justiça
E muitas vezes é o produto da ofensa
Que a paga. Mas não é assim lá em cima.”

Para Claudius, no Além não tem arreglo. E a justiça não se corrompe.
Nem Hamlet nem Claudius duvidam que exista algo depois desta vida. Hamlet imagina a morte como um longo sono, e o que detém sua adaga é a perspectiva de que tudo que atormenta sua vida voltará a atormentá-lo em pesadelos intermináveis. O que mais assusta Claudius na morte é a perspectiva de uma justiça rápida, e incorruptível, lá em cima. No fim é o solilóquio de Claudius, o seu ser ou não ser castigado depois da morte, sem recurso à propina e à sentença comprada, o mais relevante e atual dos dois. No Brasil dos juízes sob suspeita e por onde mais passam as correntes corrompidas deste mundo.

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