"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

ADAMASTORES E COTISTAS

A UFRGS protagonizou neste início de ano duas polêmicas.
A primeira delas foi o tema da prova de redação, que abordava, em linhas gerais, o papel do idioma na formação da identidade de um país. O problema foi a utilização da palavra Adamastor no enunciado da questão, o que causou confusão aos vestibulandos e a ira de pais e intelectuais. Segundo argumentam, o jovem não está preparado para lidar com este tipo de questões. Eles estão “ligados” aos conflitos no mundo árabe ou o aquecimento global, como escreveu um pai ao jornal Zero Hora. Falar em Adamastor seria injusto, pois ninguém saberia do que se tratava.
Curioso é querer que os vestibulandos dissertassem acerca de temas complexos como as revoltas árabes e o aquecimento global, se sequer possuem a capacidade de abrir um livro de Camões ou Fernando Pessoa para, então, saber que Adamastor é um monstro mitológico que atacava as naus nos mares revoltos e que é citado na obra dos dois escritores.
Claro que nossos adolescentes não poderiam saber do que se trata. Nunca viram tal nome ser utilizado na televisão... Mas a revolta (ou primavera) árabe e o aquecimento global fazem parte da vida televisiva brasileira, mesmo que as pessoas que tratam do assunto não tenham conhecimentos mínimos para dissertar sobre eles. Sobre estes temas, uma redação de vestibular nada mais seria do que a repetição politicamente correta que é imposta por uma imprensa homogeneizada, por intelectuais imbecis e por professores militantes.
O fato é que se o tema foge da futilidade cotidiana e utiliza termos que exigem um conhecimento literário (mínimo por sinal), todos se sentem injustiçados. Pudera. Nossos estudantes não conseguem ler dois livros por ano! Ao invés de procurarem as obras clássicas da língua portuguesa por exemplo, preferem horas e horas de BBB, bailes funk, baladas e “pegação”.
São culpados? Claro que não. São apenas produtos deste nosso admirável mundo novo, onde a inversão dos padrões atinge níveis alarmantes, onde a alta cultura é discriminada e dá espaço a uma cultura popularesca, débil, desprovida de conteúdo e cada dia mais e mais imbecilizante.
Aliás, falar em alta cultura no Brasil chega a ser uma piada quando é dito que pessoas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Paulo Coelho, dentre outros, são os seus representantes. Todos são artistas cujo conteúdo da obra é popular, muito longe de ser algo que valha a pena ser estudado e analisado para ser tomado como o suprassumo da cultura nacional (embora não nos sobre muitos outros além desses mesmos).
Antes de chamarmos a banca de "pedante" (o que na certa é verdade), convém que façamos uma crítica ao ensino escolar e ao ensino doméstico, responsáveis por despertar o interesse da criança e do jovem na leitura. Fossem leitores, e alguém que vai prestar um concurso como o vestibular precisa sê-lo, saberiam o que era o "Adamastor" referenciado na questão. Aqueles que se dedicam à leitura e ao estudo certamente não se incomodaram com o tema da redação do vestibular.
A segunda, foi a redução, sem alarde, conforme reportagem do jornal Zero Hora, da exigência para cotistas, o que fez com que o acesso de negros (ops, afrodescendentes), tivesse um aumento considerável nos cursos considerados de elite. Típica solução esquerdista: “se não podemos dar um ensino decente, diminuímos as exigências”. Tudo na surdina, claro.
O fato é que acabam entrando nas universidades, estudantes que não tem capacidade para acompanhar o conteúdo ministrado em um curso superior. A universidade se vê obrigada a ter aulas de reforço para recuperar uma falha que não deveria ter acontecido. Ademais, políticas que favorecem um grupo em detrimento de outro, quebram o princípio da igualdade. “Mas a elite tem acesso à escolas de qualidade e o pobre não”, dirão os integrantes do Fórum Social Mundial (e outros acéfalos).
Não me lembro de haver restrição à entrada de quem quer que seja em bibliotecas públicas, onde o conhecimento necessário para prestar um vestibular pode ser adquirido. Tampouco ninguém é obrigado a trocar horas de estudo por horas de diversão. Se o fazem, é porque querem. Quanto àqueles que não possuem tempo para estudar porque trabalham: para quem quer alcançar um objetivo, o esforço não pode ser medido. Basta tomarmos como exemplo, a primeira oficial de origem indígena do Exército Brasileiro, que não teve uma fagulha de cota sequer, conquistando seu lugar pelo mérito, mesmo com todas as dificuldades encontradas. É muito fácil culpar os outros pelos nossos fracassos. Difícil é buscar e lutar para alcançarmos nossos objetivos.
Não precisamos de cotas. Precisamos de um ensino de qualidade, com professores qualificados e instalações decentes. Mas nem os melhores educadores do mundo somado à melhor escola do planeta adiantarão se não retornarmos ao costume da leitura e redescobrirmos a alta cultura. Enquanto continuarmos elevando os prazeres acima da responsabilidade, estaremos trancafiados numa cela lotada de ignorantes.
Cota não é solução, é apenas uma maneira de dizermos ao jovem que ele não precisa estudar e se dedicar, pois o papai Estado estará sempre por perto para lhe dar suporte.
Criam-se, assim, gerações de profissionais e pessoas vazias, que não se importam em buscar o conhecimento, desde que possam ser chamados de bacharéis, mestres e doutores.
Eis o nosso Adamastor.

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