"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

terça-feira, 8 de março de 2011

AS TESTEMUNHAS FANTASMAS

Uma prática que foi bastante comum em tribunais do passado era o uso do ordálio. Esta prática servia para decidir se um réu era inocente ou culpado. Funcionava assim: uma pessoa fazia alguma coisa como sentar sobre labaredas, ser lançada amarrada em um rio ou ter sua mão queimada com ferro quente. Se a pessoa escapasse ilesa ou sofresse ferimentos leves, ela era considerada inocente. Caso o seu ferimento piorasse, ela era considerada culpada. Um número muito grande de culturas utilizaram este curioso método de forma independente. Por mais absurdo que ele possa parecer, existe uma lógica por trás ele. Afinal, se a divindade ou coisa parecida na qual todos os povos que praticavam isso existisse, ela jamais permitiria que uma injustiça fôsse cometida. Alguma divindade ou algum espírito iria interceder em favor de um réu inocente e faria um milagre ocorrer. Então, este sistema seria perfeito. Não havia riscos de ocorrer injustiças! É claro, sabemos que não é bem assim. Coisas como infecção em ferimentos existem e parecem ter mais influência real do que qualquer divindade ou espírito. Por confiar em agentes sobrenaturais para solucionar crimes, muitas injustiças devem ter ocorrido no passado. Felizmente, a prática começou a desaparecer na Europa durante a Baixa Idade Média. Em 1215, o papa Inocêncio III proibiu o apoio do clero à este tipo de prática. Em seu lugar, outros métodos passaram a ser usados como provas de um crime como por exemplo, a confissão obtida durante torturas. É, não se pode dizer que houve um avanço muito grande no Direito medieval por causa disso. O abandono do uso de métodos sobrenaturais em tribunais foi algo que ocorreu gradualmente conforme a influência da igreja diminuía e o Iluminismo trazia idéias novas para a sociedade. Atualmente, acredito que a maioria das pessoas devam concordar que para não repetirmos os erros do passado, não podemos recorrer à interpretações subjetivas, nem à interferência de supostos ajudantes sobrenaturais para decidir se um ato é certo ou errado, ou então para decidir se um réu é inocente ou culpado. Espera-se que apenas coisas materiais ou passíveis de estudo por parte do método científico sejam usadas como provas ou argumentos em um tribunal. Um juíz deveria julgar um caso baseando-se apenas em dados objetivos. Ou pelo menos, deveria ser assim em um mundo sério. Aquele que tomasse qualquer decisão baseando-se em princípios metafísicos ou sobrenaturais deveria ser suspenso do judiciário, como aconteceu ano passado com um juíz filipino que dizia tomar suas decisões consultando duendes Apesar deste parecer (para mim, ao menos) um princípio óbvio, aqui no Brasil temos alguns casos nos quais ele não foi respeitado. E tenho um grande receio que o problema aumente mais futuramente. Fiquei muito preocupado com uma declaração recente de um advogado dizendo que iria apresentar no tribunal uma carta psicografada pelos fantasmas dos pais da sua cliente, acusada de homicídio dos próprios pais, dizendo que perdoam a filha. Em princípio, parece (para mim, ao menos) ser uma coisa tão absurda que ninguém levaria à sério e que não teria como uma prova como esta ser aceita. Entretanto, esta não é a primeira vez que uma palhaçada dessas ocorre. Já houveram casos nos quais cartas escritas por fantasmas foram usadas como provas e absolveram um réu: 1) Em 1976, um jovem chamado Henrique Emmanuel Gregoris foi morto em uma brincadeira estúpida de roleta russa. Durante o julgamento, o juíz Orimar Pontes aceitou como prova uma psicografia supostamente feita pelo morto no qual ele dividia a responsabilidade pelo ocorrido. O réu foi absolvido. 2) No mesmo ano, foi morto Maurício Garcez Henrique por um tiro supostamente acidental efetuado por um amigo enquanto tentava sintonizar um rádio. O mesmo juíz absolveu o réu baseando-se em uma carta psicografada. 3) Em 1980, José Francisco Marcondes de Deus é acusado de matar sua esposa, a ex-miss Campo Grande. O fantasma dela intercede por meio de uma psicografia e faz com que ele seja absolvido. 4) Em 1982, um soldado da PM (Aparecido Andrade Branco) mata um Deputado Federal. O fantasma do político também intercede pelo réu. Mas desta vez, a assombração não é muito convincente e o réu é considerado culpado mesmo assim. 5) Em 2006, Lara Marques Barcelos, acusada de matar um tabelião com dois tiros na cabeça é ajudada pelo fantasma que depõe à seu favor no tribunal por meio de uma carta. Ela é absolvida.
Nos 5 casos já ocorridos, é assustador como em 4 deles, o juri concordou com aquilo que um suposto fantasma falava e absolveu o réu. É claro, as cartas psicografadas não eram as únicas provas apresentadas. Mas mesmo assim, considero isso alarmante. O mais impressionante é como um absurdo destes é aceito em um tribunal. Mesmo que o juíz imbecil acredite em espíritos, ele não deveria saber que isso jamais deveria ser aceito como prova? Afinal, se a hipótese de que espíritos não existem não passa pela cabeça do juíz, ao menos a hipótese de que o médium esteja mentindo ou de que o fantasma seja um impostor deveria passar! É claro que se uma coisa dessas for aceita, ela poderá ter um grande impacto no júri que nem sempre é composto por pessoas esclarecidas capazes de analizar objetivamente os fatos. Por isso, filtrar este tipo de coisa, deveria ser responsabilidade do juíz! Na verdade, eu considero bastante improvável que, na atualidade, uma carta psicografada seja aceita como prova. Mas é mesmo alarmante que um advogado chegue a pensar na possibilidade de usar uma estratégia dessas. É nessas horas que podemos ver a importância de coisas como a divulgação científica e a popularização do método científico. Se isso não ocorrer, talvez no futuro, nossos filhos sejam julgados em um tribunal baseando-se na posição de Júpiter no momento de seus nascimentos. Ou então, nossos netos podem passar pelo julgamento de um tribunal que baseie suas práticas no reconhecido e respeitado código jurídico presente no Malleus Malleficarum.

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