"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

quarta-feira, 13 de abril de 2011

BOLSONARO, TAPETES E ARMÁRIOS

“Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” Voltaire – escritor, historiador e filósofo francês.
Estamos diante de um impasse: Deixar ou não um ignorante falar? Jair Bolsonaro, deputado federal pelo Rio de Janeiro, vociferou algumas bobagens no CQC do dia 04 de abril e está sendo processado por suas declarações, que têm um pano de fundo racista e homofóbico, apesar de não terem sido injúrias explícitas. Que ele é preconceituoso, radical e sonha com um novo golpe militar não tenho a menor dúvida (aliás, antes de prosseguir, deixe-me esclarecer que não endosso nenhuma de suas opiniões), porém, estamos perante questões maiores: a liberdade de expressão e a hipocrisia.
Até onde o que ele disse fere a lei e até onde seu direito constitucional à livre expressão deve ser protegido? O Art. 5 º da Constituição Federal diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade (…) é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” Por melhores que sejam as intenções em calar as ideias preconceituosas do deputado, ignorar um princípio constitucional em nome disso é (mais um) precedente perigoso em uma democracia frágil como a brasileira. Com tantas leis e projetos de lei visando minar opiniões, cercear a liberdade de imprensa e até mesmo monitorar a internet, podemos estar caminhando lentamente rumo a uma nova ditadura, desta vez de uma esquerda equivocada e igualmente extremista. Cada decisão judicial que censura alguém é mais um pequeno passo nessa direção.
A aplicação retroativa da Lei Ficha Limpa foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal sob o argumento de desrespeitar um princípio constitucional. A integridade da Constituição foi considerada pelos desembargadores mais importante do que o combate à corrupção. É um tanto conveniente sacar a Constituição para manter a impunidade e esquecê-la na hora de proteger a liberdade de expressão. Estamos em um Brasil onde tudo dá processo, qualquer um se vê no direito de reprimir a divulgação de fatos e opiniões inconvenientes. No caso dos que processam Bolsonaro, é por um motivo nobre, mas muitos outros se valem dos precedentes abertos em nome de seus interesses pessoais, como Xuxa, ao censurar os resultados do Google, e Sarney, ao amordaçar o Estadão.
O texto do Art. 5 º da Constituição Brasileira tem o mesmo espírito da Primeira Emenda da Constituição Americana. A diferença é que os EUA prezam por esse princípio a ponto de tolerar grupos como o Ku Klux Klan ou o Tea Party Movement, a liberdade de toda a nação vem antes do repúdio a esses grupos, mas o Brasil não está conseguindo enxergar o objetivo maior. Isso significa que devemos tolerar os Bolsonaros? Desde que não haja apologia ou violência em seus discursos, sim. E o motivo é muito simples: É bom que esses ignorantes falem para que saibamos quem eles são, onde estão e quem influenciam. Só assim vamos sacudir os tapetes que encobrem o racismo, a homofobia e a misoginia no Brasil.
Jair Bolsonaro não está só. Ao seu lado, existem muitos outros filhotes da ditadura, além da bancada evangélica. Esses extremistas se colocam na posição de perseguidos políticos e religiosos e influenciam milhares de eleitores e fiéis. Na esteira da polêmica envolvendo Bolsonaro, o pastor Marco Feliciano, deputado federal por São Paulo, deu declarações ainda mais estúpidas, citando a Bíblia para afirmar que africanos são amaldiçoados. Recentemente, Silas Malafaia comparou homossexualidade a distúrbios como necrofilia e zoofilia. Por mais que eu repudie todos eles, prefiro suas manifestações públicas à máscara da hipocrisia.
Vivemos em um Brasil de tapetes e armários. Todo preconceito é velado e os gays das famílias de militares, machões e evangélicos são constrangidos a reprimir sua condição ou “converter-se” à heterossexualidade. Essa hipocrisia tem que acabar. A lei não deve ser voltada a punir ideias, porque isso não fará com que elas deixem de existir, só as varrerá para debaixo de um enorme tapate. Temos visto espancamentos de homossexuais por grupos de jovens, inclusive menores de idade. Onde esses jovens estão aprendendo isso? Por que estão se organizando em grupos neonazistas? Será que o preconceito não está sendo fomentado nas famílias e escolas de forma quase indetectável?
Está sim. Em muitas escolas particulares que ensinam os filhos da classe média e alta (eu disse muitas, não todas), existem uns 30 alunos brancos para cada negro. Os brancos são ensinados a não proferir injúrias contra os poucos colegas negros, mas não são ensinados, tanto pelos pais quanto pela própria escola, sobre igualdade de fato. Excluir e constranger os colegas tudo bem, desde que não seja chamando-os de macacos e afins, porque é contra a lei. Acaba acontecendo que alguns negros se sentem inadequados a ponto de sair dessas escolas e o preconceito marca mais um ponto sem que ninguém tenha praticado deliberadamente nenhum ato racista.
Vou relatar um caso emblemático de como é a mecânica do preconceito hipócrita no Brasil: Uma moça que conheço, que é bonita, educada e negra, arrumou um emprego como vendedora em uma loja de roupas de grife no centro da cidade. Ponto para a loja, que não foi preconceituosa ao fazer a contratação. Ela começou a trabalhar animada com as comissões que viria a receber, já que o shopping é frequentado por pessoas distintas de boa condição social. Mas a animação durou pouco, pois, com o passar dos dias, ela foi percebendo que era ignorada pelas clientes. Sem nenhum motivo, as elegantes frequentadoras da loja de roupas caras preferiam ser atendidas por suas colegas brancas, sempre com um pretexto na ponta da língua: “já sou cliente da loirinha”, “ela veio me atender primeiro”, enfim, nenhuma jamais disse que não queria ser atendida por ela pelo fato dela ser negra, mas o racismo estava estampado na testa de cada uma daquelas clientes. É assim que funciona o Brasil politicamente correto: As pessoas não falam, fazem.
Temos que defender o direito à liberdade de expressão desses infelizes. Pela preservação da nossa Constituição e dos nossos próprio direitos, mas também porque é ótimo que eles falem, pois só a partir dessas declarações públicas é que podemos combater o preconceito com informação. É muito melhor que digam o que pensam para a sociedade do que para seus filhos, seus amigos, seus eleitores ou seus fiéis. Eles dizem que negros e nordestinos são inferiores? Mostremos o papel da população negra e nordestina no crescimento do Brasil. Eles dizem que homossexualismo é desvio de conduta? Mostremos dados científicos que provam que é uma característica biológica, uma condição. Se os ignorantes forem amordaçados pela lei, não deixarão de ter suas opiniões, mas as expressarão somente entre seus simpatizantes, o que é muito perigoso, pois esses seguidores serão ensinados a não falar, mas AGIR contra os grupos pelos quais nutrem ódio. A prova de como essas declarações ridículas acabam tendo um resultado positivo é o debate que se estabeleceu em torno de homofobia e racismo semana passada.
Valeu, Bolsonaro! Se não fosse você, não teríamos esta excelente oportunidade de abrir algumas mentes.

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