"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Mundo e a Democracia

Atacada há muito tempo pelos conservadores como “o regime político dos fracassados”, e pela esquerda como um ardil das classes dirigentes para manter-se no poder, dando ao povo a ilusão de participar dele, a democracia consagrou-se nos últimos decênios do século XX, continuando pelo século XXI, como um regime universal.
A democracia se difunde
Ao contrário das décadas que entremearam os anos vinte e cinqüenta, em larga parte ocupada por líderes ditatoriais ou autoritários, o “regime do povo para o povo e pelo povo”, no dizer de Lincoln, terminou por se impor em boa parte do mundo no decênio final do século XX (a exceção entre os macro-países é a China Comunista). Ainda assim ela, a democracia, tem causado também muita insatisfação, pois não se mostrou suficiente hábil para demolir com a rapidez desejada o muro das desigualdades sociais nem promover a prosperidade dos países mais pobres.
O que vem a ser a democracia?
Parte dessa frustração deve-se ao fato de que muitos depositam nela um conjunto de esperanças as quais ela não está habilitada a resolver. Entre elas a questão de impor uma igualdade social de fato, ou ainda, especialmente nos países de Terceiro Mundo, de resolver os gravíssimos problemas do subdesenvolvimento. De certo modo, isso conduziu ao que o professor Nelson Beira definiu como “uma evaporação, um certo enfraquecimento e até desvalorização da esfera pública”. Sem que, todavia, tenha ameaçado com o que Bobbio determinou como sendo os quatro grandes direitos da liberdade moderna: a liberdade pessoal, a liberdade de consciência, a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de reunião e a liberdade de associação.
As Regras do Jogo Para o acadêmico Michelangelo Bovero (2002), um dedicado discípulo do filósofo político Norberto Bobbio, falecido em Turim em janeiro de 2004, a democracia é uma espécie de jogo político cujo objetivo não é o conflito em si, mas sim em resolver o conflito seja entre os indivíduos ou entre grupos, em meio ao convívio coletivo. É um modo de resolver o “quem” e o “como”, estabelecendo regras de quem deve dele participar e como aferir a decisão coletiva. Se não sabemos quais são as regras, por igual, não saberemos que tipo de jogo estamos envolvidos. Se estas regras não são democráticas, é obvio que o regime também não o é. Também denominamos como democracia o regime em que as decisões são tomadas coletivamente, não estando sujeitas a serem resolvidas pelo alto, por um monarca, um tirano, ou por um pequeno grupo de pessoas que se colocam acima da coletividade. É um procedimento que envolve a todos os que têm direito de nele participar em igualdade de condições, por conseguinte a democracia é “o regime da igualdade política e da liberdade política” cujas regras do jogo político devem refletir exatamente isso: Igualdade & liberdade. Do mesmo modo é obvio que em países de grandes dimensões e com enormes concentrações populacionais não é possível obter-se outro meio de participação na política que não seja pelo sistema representativo (a democracia direta identificada com a Atenas da antiguidade só era possível devido ao pequeno número de cidadãos). Isso coloca em pauta a questão das eleições como o procedimento mais justo e correto de se aferir a vontade da coletividade. Por tanto qualquer tentativa que conduza a supressão das eleições, substituindo-as por um procedimento difuso (tal como o sistema de conselhos introduzidos na Rússia Soviética), significa na prática abolir com a democracia.
A degeneração da democracia
Ainda que Norberto Bobbio, num famoso ensaio publicado em 1984, não aceitasse a possibilidade de a democracia ter entrado num processo degenerativo, o professor Bovero (op. cit.), passados mais de vinte anos, empenhou-se em refutá-lo. Para ele, a democracia, ano a ano, assume uma forma diversa de governo. Se tomarmos como aceitável que ela é um regime no qual todos têm o direito de participar, sem nenhuma discriminação, verifica-se facilmente que isso não condiz com a realidade. Entre outras razões porque, pelo menos em muitos países ocidentais, cessou o processo de inclusão social e política dos imigrantes que aportaram à Europa nos últimos anos. Fenômeno esse claramente decorrente dos acontecimentos dramáticos provocados pelo Onze de Setembro de 2001 nos Estados Unidos (o ataque dos aviões conduzidos por jovens árabes jihadistas contra as Torres Gêmeas em Nova York e ao Pentágono em Washington). Tal infausto acentuou ainda mais a tendência em tratar os imigrantes clandestinos como não-pessoas, como se fossem inimigos internos ou infiltrados. A situação deles não é muito diferente daquilo que se encontra na América Latina, onde proliferam massas de cidadãos não efetivos, segregados ou auto-segregados, vistos por grande parte da sociedade civil e política como um corpo estranho, hostil ou mesmo inimigo. Não condiz, pois com o bom nome da democracia e os altos valores dos direitos humanos por ela professados, manter em seu espaço significativas agrupações humanas consideradas como párias, postas à margem de tudo. Outro ponto relevante da crítica de Bovero (op. cit.) à democracia atual trata da questão da validade do voto, pois o que acontece há uma violação sistemática da balança que procura distribuir equitativamente o peso de cada voto. Em geral, pouco se respeita a regra que diz que cada cabeça é um voto, alterando as determinações da proporcionalidade. Isso ocorre porque em muitos países procura-se alcançar um governo estável baseado numa maioria sólida, o que implica desrespeitar o mandamento igualitário que procura dar voz às minorias. Infringe-se também abertamente a regra que manda que todos os cidadãos sejam devidamente informados pelos agentes de comunicação (televisão, rádio, imprensa), que deveriam atuar com objetividade, oferecendo aos eleitores um quadro amplo das diferenças e das propostas de cada partido. Ainda que mantendo um clima de liberdade, sabe-se que a mídia intervém abertamente a favor de determinados candidatos ou partidos, forçando assim a que o cidadão se veja inclinado a dar seu voto em sintonia com ela, aviltando deste modo o principio do pluralismo da informação, abrindo assim o caminho para a manipulação eleitoral. Tanto assim que o clímax da campanha eleitoral – demonstrativo do poder da mídia - é atingido por um duelo televisivo. Além disso, os meios de comunicação estão nas mãos de um punhado de patrões que fazem aberto uso deles em seu próprio benefício político (o caso mais espalhafatoso disso foi a emergência de Silvio Berlusconi, um rei da mídia, no cenário político italiano, entre 2001 e 2006). Outro fator que contribuiu para a degenerescência da democracia foi a crescente proeminência dos órgãos executivos em detrimento dos órgãos colegiados representativos, o que se somou ao aumento do número de partidos que apenas atendem às ambições de certas personalidades e não às idéias ou propostas que poderiam levar a um aperfeiçoamento da sociedade.
Empobrecimento da Democracia
Bovero (op. cit.) ainda lamenta que o pluralismo político cedesse lugar ao dualismo, ao embate entre apenas dois grandes grêmios partidários que se alternam no poder pelos tempos afora a empobrecendo assim pela mesmice, pela ausência de outras opções. O que tem implicado numa espécie de “onipotência das maiorias”, pois ela impede que aflore em meio ao jogo outros parceiros que, ainda que minoritários, poderiam contribuir com novidades políticas mais criativas e imaginativas. Ressaltando ainda que seguramente mais da metade dos eleitores é composta por pessoas bem pouco educadas (fator apontado como um fracasso da democracia em poder instruir adequadamente seus cidadãos, como era a expectativa otimista dos pensadores reformistas do século XIX), o que constantemente faz com que eles “escolham os piores”, ou a kakistocracia (neologismo criado por Bovero para definir “o governo dos piores”). Como aconteceu no passado bíblico quando o povo de Jerusalém salvou o fora-da-lei Barrabás ao invés de Cristo. Um tanto pessimista, Bovero pergunta se a democracia futura não marcha para tornar-se num outro jogo, com outras regras, que termine por eleger um autocrata, que leve à consolidação de uma autocracia eletiva. Sua esperança para reverter tal marcha é a restauração da democracia, reconstruindo as partes dela como se ela fora uma obra de arte atingida por atos vandálicos, não se esquecendo de afirmar que ela tem sido a “melhor obra de arte” que o gênero humano escolheu para melhorar a convivência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, 372 p.
______. O futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores. Rio de Janeiro, Campus, 2002, 188 p.

Um comentário:

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