"Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia.Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas.Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo
que mutilá-lo."Carl Jung

terça-feira, 17 de maio de 2011

Como Vencer o Choque de Civilizações

A maior vantagem do famoso modelo de Huntington é que ele descreve o mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse. O que a polêmica em torno da mesquita planejada para perto do Marco Zero, a expulsão de missionários americanos do Marrocos, no começo deste ano, a proibição de minaretes na Suíça, ano passado, e a recente proibição das burcas na França têm em comum? Todas as quatro foram apresentadas na mídia ocidental como questões de tolerância religiosa. Mas esta não é a essência delas. Fundamentalmente, todas elas são sintomas do que o falecido cientista político Samuel Huntington chamou de “Choque de Civilizações”, e particularmente o choque entre o Islam e o Ocidente. Vale a pena resumir brevemente o argumento de Huntington para os que agora só se recordam vagamente de seu impressionante título. O constituinte essencial do mundo do pós-Guerra, escreveu ele, são sete ou oito civilizações históricas, dentre as quais a ocidental, a muçulmana e a confuciana são as mais importantes. O equilíbrio de poder entre estas civilizações, sustentou ele, está mudando. O Ocidente está declinando em termos de poder relativo, o Islam está explodindo demograficamente e as civilizações asiáticas – especialmente a China – estão em ascensão econômica. Huntington também disse que uma ordem mundial de base civilizacional está emergindo, na qual estados que compartilham afinidades culturais cooperarão uns com os outros e se agruparão entre si em torno dos estados mais avançados de sua civilização. As pretensões universalistas do Ocidente o estão cada vez mais levando a conflitos com outras civilizações, e de forma mais grave com o Islam e a China. Assim, a sobrevivência do Ocidente depende dos americanos, europeus e outros ocidentais reafirmarem sua civilização compartilhada como única – e se unirem para defendê-la dos desafios de civilizações não-ocidentais. O modelo de Huntington, especialmente depois da queda do comunismo, não foi popular. A idéia da moda foi apresentada por Francis Fukuyama em um ensaio de 1989, “O Fim da História,” no qual ele escreveu que todos os estados convergiriam para um só padrão institucional de democracia capitalista liberal e nunca iriam à guerra uns com os outros. O cenário róseo e equivalente dos neoconservadores seria um mundo “unipolar” de hegemonia americana sem rivais. De qualquer modo, nos dirigíamos para um Mundo Único. O presidente Obama, a seu modo, é um unimundialista. Em seu discurso de 2009 no Cairo, ele apelou por uma nova era de compreensão entre a América e o mundo muçulmano. Seria um mundo baseado no “respeito mútuo e ... na verdade de que a América e o Islam não são excludentes e não precisam estar em competição. Ao invés disto, deveriam convergir e compartilhar valores. “ A esperança do presidente era a de que os muçulmanos moderados aceitariam com avidez este convite para serem amigos. A minoria extremista – atores não-estatais, como a al Qaeda – seria expurgada com aviões bombardeiros não-tripulados. As coisas não aconteceram conforme o plano, é claro. E uma ilustração perfeita da futilidade desta abordagem e da superioridade do modelo de Huntington é o comportamento recente da Turquia. De acordo com a concepção do Mundo Único, a Turquia é uma ilha de moderação muçulmana em um mar de extremismo. Sucessivos presidentes americanos exortaram a EUA a aceitar a Turquia como membro com base nesta suposição. Mas a ilusão da Turquia como amiga moderada do Ocidente se estilhaçou. Há um ano, o presidente da Turquia, Recep Erdogan, parabenizou o iraniano Mahmoud Ahmadinejad por sua reeleição, depois de ele ter roubado escandalosamente no pleito. Então, a Turquia juntou forças com o Brasil para tentar diluir o esforço liderado pelos Estados Unidos para endurecer as sanções da ONU com vistas a parar o programa de armas nucleares do Irã. Por fim, a Turquia patrocinou a “flotilha humanitária”, planejada para romper o bloqueio de Israel a Gaza e dar ao Hamas uma vitória nas relações públicas. É verdade que ainda restam secularistas em Istambul que reverenciam o legado de Mustafá Kemal Ataturk, o fundador da República da Turquia. Mas eles não têm nenhum controle sobre os principais ministérios e seu poder sobre o exército está evanescendo. A conversa de hoje em Istambul é abertamente sobre uma “alternativa otomana,” que remonta ao tempo em que o sultão mandava em um império que se estendia do Norte da África ao Cáucaso. Se não se pode confiar mais em que a Turquia se inclinará para o Ocidente, em quem se pode confiar no mundo muçulmano? Todos os países árabes, exceto o Iraque – uma democracia precária criada pelos Estados Unidos – são governados por déspotas de vários matizes. E todos os grupos de oposição que têm algum apoio significativo entre as populações locais são controlados por agremiações islâmicas, como a Irmandade Muçulmana Egípcia. Na Indonésia e na Malásia, movimentos islamistas exigem a expansão da Xaria. No Egito, o tempo de Hosni Mubark se acabou. Deveriam os Estados Unidos apoiar o empossamento de seu filho? Em caso positivo, o resto do mundo muçulmano logo estará acusando a administração Obama de fazer um jogo duplo – se há eleições no Iraque, por que não no Egito? Analistas têm observado que em eleições livres e limpas, uma vitória da Irmandade Muçulmana não pode ser descartada. Argélia. Somália. Sudão. É difícil pensar em um só país predominantemente muçulmano que esteja se comportando de acordo com o roteiro do Mundo Único. A maior vantagem do modelo civilizacional de relações internacionais de Huntington é que ele reflete o mundo como ele é – não como gostaríamos que ele fosse. Ele nos permite distinguir amigos de inimigos. E nos ajuda a identificar os conflitos internos dentro de civilizações, e particularmente as rivalidades históricas entre árabes, turcos e persas pela liderança do mundo islâmico. Mas nossa política não pode ser só a de dividir e conquistar. Nós precisamos reconhecer em que medida o Islam radical é o resultado de uma ativa campanha de propaganda. De acordo com um relatório da CIA de 2003, os sauditas investiram pelo menos dois bilhões de dólares ao ano, durante um período de 30 anos, para disseminarem sua marca de fundamentalismo islâmico. A resposta ocidental, em promover nossa civilização, foi insignificante. Nossa civilização não é indestrutível: ela precisa ser defendida de forma ativa. Esta talvez tenha sido a principal intuição de Huntington. O primeiro passo rumo à vitória neste choque de civilizações é entender como o outro lado está empenhado nele – e nos livrarmos da ilusão do Mundo Único.

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